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Pedro Nuno Santos e António Costa cada vez mais distantes no tema TAP
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Pedro Nuno Santos e António Costa cada vez mais distantes no tema TAP

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pedro Nuno Santos e António Costa cada vez mais distantes no tema TAP

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

TAP. Como uma ação contra a privatização feita pelo governo de Passos Coelho atrapalha a promessa de Costa de manter o hub em Lisboa

Pode o Governo garantir a manutenção do hub de Lisboa após vender maioria da TAP? O Presidente tem dúvidas. Ex-ministro Pedro Nuno Santos está cético. Acórdão europeu atrapalha prioridade de Costa.

A “preservação da TAP e da importância estratégica da TAP para a economia e do hub de Lisboa” é o primeiro critério para decidir quem ganha a privatização da companhia aérea. E “na hipótese de o hub de Lisboa não estar garantido e não estar garantida a função estratégica, nesse caso não haverá privatização”.

A afirmação feita por António Costa no debate do Orçamento do Estado é clara quanto à prioridade definida pelo Executivo para esta operação, que deixa num segundo plano a proposta financeira pela companhia, que o primeiro-ministro refere ser mesmo o “último critério” para escolher o vencedor.

Uma exigência que, para o ex-ministro das Infraestruturas que teve o dossiê TAP durante anos, não é possível de cumprir com a cedência da maioria do capital da companhia que o Governo pretende realizar. Pedro Nuno Santos já se tinha manifestado contra essa opção, mas voltou à carga no seu espaço de comentário na SIC para assinalar que o que Costa defende para a TAP é uma missão impossível com o Estado minoritário ou fora do capital.

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Não tanto por causa da manutenção do hub — que o deputado socialista considera ser uma “falsa questão” na medida em que é esse o ativo que atrai o interesse das grandes companhias europeias — mas porque “sem maioria de capital pode haver acompanhamento, mas intervenção (do Estado) na empresa não vai haver. Não há parassocial que salve isso”. Pedro Nuno Santos também discorda da valorização dos critérios de uma futura venda. “Ou queremos manter o controlo, e isso só se faz com a maioria do capital, ou se não é para vender a maioria do capital mais vale concertar na maximização do valor da empresa”, que é o único critério objetivo que permite comparar ofertas sem valorizações qualitativas, sempre mais difíceis de fundamentar.

O que é e qual importância de um hub

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Um hub é a base de operações onde uma companhia aérea concentra a principal fatia da sua oferta. Funciona como uma plataforma de ligação entre os vários destinos, permitindo que umas rotas alimentem outras rotas com passageiros, potenciando a procura para toda a rede. No caso da TAP, o efeito hub é especialmente importante para alimentar os voos para o Brasil, África e Estados Unidos com passageiros vindos da Europa (e do Porto) que fazem escala em Lisboa e viceversa. Esta lógica dá também mais valias a companhias como a TAP que não conseguem concorrer com empresas low-cost nas operações de ponto a ponto (diretas para um destino).

A posição de António Costa foi uma reação à decisão de Marcelo Rebelo de Sousa de devolver o decreto-lei de privatização da TAP ao Governo, exigindo mais esclarecimentos sobre três temas. Em primeiro lugar, o Presidente quer saber como será assegurada a efetiva capacidade de intervenção e acompanhamento do Estado numa empresa estratégica em que vai deixar de ter a maioria do capital.

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Independentemente da força do acordo parassocial (um pacto que regula a intervenção dos acionistas e que pode estabelecer a priori objetivos que os novos donos da TAP têm de cumprir), e da questão de garantir que será cumprido, há um obstáculo jurídico à imposição do critério principal definido para a privatização da TAP. É um acórdão de 2019 do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a privatização da companhia realizada em 2015, no qual é categórica a oposição a que, no caderno de encargos da operação, “figure a exigência para o adquirente da referida participação de assegurar a manutenção e o desenvolvimento do centro de operações (hub) nacional existente”. Ou seja, perde força a possibilidade de introduzir neste instrumento legal, já referido pelo Governo, as disposições que permitam assegurar que uma futura gestão privada cumpra os princípios estratégicos definidos para a TAP.

O Tribunal considera que essa exigência (ou critério) se opõe ao o artigo 49 do Tratado da União Europeia, que consagra a liberdade de estabelecimento de uma sociedade, e que é contra “todas as medidas que proíbam, dificultem ou tornem menos atrativo o exercício dessa liberdade”.

Maria Luís Albuquerque (ministra das Finanças do Governo PSD/CDS) com os empresários David Neeleman e Humberto Pedrosa no fecho da venda da TAP

Paulo Spranger

O acórdão de 27 de fevereiro de 2019 dá assim razão parcial a uma queixa apresentada na justiça portuguesa pela associação Peço a Palavra a contestar a privatização da TAP realizada em 2015 pelos dois governos liderados por Pedro Passos Coelho. Esta operação, tal como a que o Governo PS quer agora fazer (evoluindo face à posição assumida no passado) incidiu sobre a venda da maioria do capital da TAP. E estabeleceu no caderno de encargos como critério de valorização das propostas (que os juízes vieram a interpretar como uma exigência) várias condições, entre as quais: “A contribuição para o crescimento da economia, incluindo no que respeita à manutenção do atual hub, como plataforma de crucial importância estratégica nas relações entre a Europa, África e América Latina”.

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A associação da qual o realizador de cinema António Pedro Vasconcelos era um dos principais rostos apresentou queixas no Ministério Público e na Comissão Europeia, tendo o Tribunal de Justiça da UE validado juridicamente o negócio de 2015 à luz da lei europeia. Mas também considerou que a “exigência relativa à manutenção e ao desenvolvimento do centro de operações hub nacional existente vai além do que é necessário para alcançar o objetivo pretendido de conectividade dos países terceiros lusófonos em causa”. E é esta parte do acórdão que é vista no meio jurídico como um travão a novas exigências nessa matéria na futura privatização da TAP.

Não há verdades absolutas na interpretação jurídica das regras legais. Mas um dos juristas ouvidos pelo Observador admite que a existência desta jurisprudência é, no mínimo, um argumento de peso para um consórcio que seja afastado da corrida à TAP por causa do critério do hub contestar o resultado da privatização. A circunstância da TAP estar em processo de reestruturação, sob a tutela da Comissão Europeia, no quadro da ajuda pública de 3,2 mil milhões de euros, fazem antecipar que os serviços da concorrência europeus estão particularmente vigilantes ao quadro jurídico que vier a ser fixado para a operação, que, já assumiu o Executivo, terá de ser coordenada com a Direção Geral da Concorrência (DG Comp).

Questionada sobre se há restrições legais em impor a um futuro acionista privado da TAP a obrigação de manter o hub de Lisboa, fonte oficial da DG Comp não dá uma resposta direta.

A Comissão é “neutral no que diz respeito à propriedade das companhias” e “não discrimina entre acionistas privados e públicos”. Logo, as condições incluídas na decisão de 2021 que aprova o plano da TAP incluem as relativas ao plano de reestruturação que se aplicam independentemente da estrutura acionista. A Comissão continuará a monitorizar regularmente a correta implementação desta decisão e do plano de reestruturação nos termos definidos por essa decisão e está em contacto com as autoridades portuguesas neste contexto. A vigilância europeia só termina em 2025.

No referido plano de reestruturação, Bruxelas aceitou os argumentos portugueses sobre a importância estratégica do hub da TAP em Lisboa e de este ser vital para a conetividade de um país periférico (no quadro da UE) e para o setor do turismo, para além da ligação às comunidades fora de Portugal e aos PALOP, mas também impôs uma redução da oferta a partir do aeroporto Humberto Delgado com a entrega de 18 slots à concorrência.

Critérios para valorizar candidatos ou exigências?

Sobre as condições colocadas ao vencedor da privatização de 2015, a Atlantic Gateway de David Neeleman e Humberto Pedrosa, os juízes contrariam a argumentação da Parpública, entidade pública que vendeu a TAP, de que os critérios fixados para valorizar propostas — onde está o desenvolvimento do hub, a manutenção da sede em Portugal e os voos para alguns destinos — não são exigências.

epaselect epa10066472 A guard closes the door of the Grand Salle inside the Court of Justice of the European Union (CJEU) in Luxembourg, 12 July 2022, after a break in the hearing of the European Super League case. In April 2021 Barcelona, Juventus and Real Madrid, three of the original twelve founding members of the European Super League, won a ruling by a Spanish court that the clubs could not be punished by the UEFA or FIFA for setting up the league. The court in Madrid referred the case to the CJEU. The three clubs, representing European Super League Company, S.L., claim that UEFA and FIFA abuse their dominant position and act against EU competition law.  EPA/MOHAMMED BADRA

A ação da associação Peço a Palavra foi objeto de um acórdão no Tribunal Europeu em fevereiro de 2019

MOHAMMED BADRA/EPA

“Afigura‑se difícil negar que esses critérios são suscetíveis de ser impostos ao adquirente da participação em causa, uma vez que levam, em princípio, qualquer proponente no processo de reprivatização a comprometer‑se, desde a apresentação da sua proposta de aquisição, a cumprir o conjunto de obrigações decorrentes dos referidos critérios”, dizem os juízes. Além de que após a escolha do comprador,”foram celebrados acordos nos quais este se comprometeu contratualmente a cumprir essas obrigações.”

Entre os critérios definidos na privatização de 2015 e que foram transpostos para o acordo de compromissos estratégicos com um horizonte temporal entre dez e 30 anos estavam:

  • Promover o desenvolvimento estratégico do Grupo TAP e a manutenção da marca e ligação a Portugal da empresa, incluindo a sede e a direção efetiva.
  • Cumprir as obrigações de serviço público.
  • Manter ou reforçar as rotas que servem as Regiões Autónomas de Açores e Madeira, os países lusófonos e os demais da diáspora portuguesa.
  • Promover o crescimento da economia nacional designadamente através da manutenção e desenvolvimento do hub Nacional.
  • Reforçar a capacidade económica e financeira da TAP SGPS e da sua estrutura de capital.

Os juízes do tribunal acabaram por aceitar a manutenção da sede e direção em Portugal, que em tese poderia contrariar o livre direito de estabelecimento, porque a transferência destes ativos para outro país implicaria a perda dos direitos de tráfego concedidos por acordos bilaterais a países terceiros com os quais a TAP tem laços históricos e culturais (caso dos países lusófonos e da diáspora). Mas considerou também que não foi demonstrado “que a manutenção do modelo de organização dos serviços de transporte aéreo no centro de operações (hub) nacional existente seja necessária para atingir o objetivo da conetividade área dos países terceiros lusófonos em causa”.

Não podendo essa condição ser inscrita no caderno de encargos, que alternativas tem o Governo à sua disposição? Essa é uma dúvidas que Marcelo Rebelo de Sousa quer ver esclarecidas num futuro diploma de privatização da TAP. Até agora, o Governo tem sido vago, remetendo para o acordo parassocial a celebrar entre Estado e futuro acionista, ou para os exemplos de hubs de companhias aéreas mais pequenas que foram compradas pelas principais transportadoras europeias, que são também as candidatas mais fortes à privatização da TAP — Austrian Airlines e Swiss compradas pela Lufthansa, Aer Lingus e Iberia compradas pela British Airways, e KLM comprada pela Air France.

Air France-KLM diz que hub de Lisboa é “totalmente complementar” à sua rede

Já esta semana, o grupo Air France-KLM veio garantir que o hub de Lisboa é “totalmente complementar” com a sua rede. Também a Lufthansa manifestou interesse na TAP para “complementar” a sua rede (as duas empresas já fazem parte da mesma aliança, a Star Alliance). E nos muitos contactos que tem mantido em Portugal, responsáveis da IAG têm procurado dar a mesma garantia, afastando o fantasma da Iberia e do esvaziamento de Lisboa para o hub de Madrid.

Mesmo com esta condicionante legal na fixação de condições do caderno de encargos, a proposta de plano estratégico para a TAP e para o desenvolvimento do hub terá sempre um papel central na valorização dos candidatos. E para apresentar essa proposta, os candidatos terão de saber qual será a solução para a expansão da capacidade aeroportuária em Lisboa. Este processo entrou na fase final de estudo por parte da comissão técnica independente que terá de apresentar as soluções até ao final do ano para a tomada de decisão política em 2024, na mesma altura em que o Governo prevê negociar a venda da TAP.

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