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O futuro do TikTok nos Estados Unidos nunca foi tão incerto. Com um “sim” do Congresso, do Senado e de Joe Biden, a rede social está sob ultimato em solo norte-americano: ou corta totalmente os laços com a empresa-mãe, a chinesa ByteDance, ou enfrentará uma proibição. No último caso, cerca de 170 milhões de utilizadores em território norte-americano ficariam privados de usar a aplicação de vídeos curtos.
As preocupações dos Estados Unidos não são novas e prendem-se com o receio de que o TikTok seja utilizado como ferramenta de espionagem ao serviço da China, podendo manipular a opinião pública e a perceção que os norte-americanos têm do regime chinês. A rede social tem vindo a negar as acusações. No ano passado, Shou Zi Chew, o CEO que se tornou o principal rosto da aplicação nos EUA, passou cinco horas no Congresso a garantir que não são fornecidos dados a Pequim e a rejeitar que conteúdos pró-China sejam promovidos.
As garantias não foram suficientes. Apesar de ter existido um período de aparente calma, principalmente com a entrada da campanha eleitoral de Joe Biden no TikTok, a pressão nunca deixou de existir. Esta semana atingiu um novo máximo, mas o processo que visa o fim da ligação da aplicação à China vai arrastar-se durante vários meses. E chegará aos tribunais. Uma coisa parece ser certa: não existirá qualquer proibição antes das eleições presidenciais norte-americanas de novembro.
Após Joe Biden ter promulgado a legislação, esta quarta-feira à tarde, o TikTok partilhou um vídeo do seu CEO, a defender que o documento representa “uma proibição”: “Os políticos podem dizer o contrário, mas não fiques confuso”. “Fica tranquilo — não vamos a lado nenhum (…) estamos confiantes e continuaremos a lutar pelos teus direitos nos tribunais. Os factos e a Constituição estão do nosso lado”, afirmou, dando a entender que o TikTok está pronto para recorrer da decisão do governo norte-americano.
@tiktok Response to TikTok Ban Bill
♬ original sound - TikTok
Às declarações de Shou Zi Chew seguiu-se um comunicado, publicado na rede social X, em que o TikTok salienta que esta “lei inconstitucional é uma proibição do TikTok” e confirma que vai “contestá-la em tribunal”. “Investimos milhares de milhões de dólares para manter os dados dos EUA seguros e a nossa plataforma livre de influências e manipulações externas”, argumenta o TikTok, que promete continuar a “investir e a inovar para garantir” que a plataforma continua a ser um espaço seguro para “partilhar experiências”.
Our Statement on Enactment of the TikTok Ban:
This unconstitutional law is a TikTok ban, and we will challenge it in court. We believe the facts and the law are clearly on our side, and we will ultimately prevail. The fact is, we have invested billions of dollars to keep U.S.…
— TikTok Policy (@TikTokPolicy) April 24, 2024
270 dias ou uma proibição: o que prevê a lei que visa o TikTok?
Uma primeira versão do projeto de lei para obrigar o TikTok a cortar laços com a ByteDance, e consequentemente com a China, foi aprovado no Congresso norte-americano em março. Joe Biden garantiu, desde logo, que o promulgava se chegasse às suas mãos. Porém, o documento ficou ‘parado’ no Senado, onde existiam receios relacionados com uma possível violação da liberdade de expressão, mas também com o prazo de seis meses para a venda, que colocava uma possível proibição a entrar em vigor ainda antes das eleições presidenciais de novembro.
Os congressistas redigiram e aprovaram, no passado fim de semana, uma nova versão do texto, dando à ByteDance nove meses para vender o TikTok. Além disso, o documento passou a estar incluído num novo pacote de segurança nacional norte-americana, no valor de 95 mil milhões de dólares, que inclui ajudas à Ucrânia e a Israel. A integração da possível proibição da rede social foi uma das contrapartidas aceites pelos democratas para conseguirem o apoio dos republicanos quanto ao envio de mais ajuda militar aos países em guerra.
Do Congresso, o projeto de lei foi enviado para o Senado, onde esta terça-feira à noite também foi aprovado. De seguida, o Presidente norte-americano reiterou a intenção de promulgar a legislação que obriga o TikTok a encontrar um novo proprietário. Em comunicado, publicado no site da Casa Branca, Biden disse que promulgaria o pacote de medidas para que os EUA conseguissem “começar a enviar armas e equipamento para a Ucrânia” o mais rápido possível. “A necessidade é urgente: para a Ucrânia, que enfrenta um bombardeamento implacável da Rússia; para Israel, que acaba de enfrentar ataques sem precedentes do Irão”, notou. Quanto ao TikTok, nem uma palavra. Horas depois, em conferência de imprensa, o líder dos EUA voltou a falar sobre a ajuda a Kiev e Telavive, mas sobre a rede social nem uma palavra.
A nova legislação dá à ByteDance nove meses para alienar o TikTok, estando prevista uma possível extensão de três meses. Biden tem o poder de conceder uma única prorrogação ao prazo se considerar que existe “progresso significativo” no negócio. O calendário previsto pelo documento é o seguinte:
- 270 dias, ou nove meses, para uma venda. Depois, pode ser implementada uma proibição nos EUA.
- 12 meses: se Biden acionar a extensão do prazo, a ByteDance tem um ano para concluir o negócio. Neste caso, abril de 2025 poderá ser o mês do fim do TikTok em território norte-americano, com uma exclusão na App Store e na Play Store nos Estados Unidos.
De qualquer forma, é certo que o TikTok continuará a funcionar nos primeiros meses a seguir às eleições presidenciais norte-americanas. Atualmente, a campanha eleitoral de Joe Biden recorre à plataforma para conseguir alcançar os eleitores mais jovens. Devido aos prazos que estão definidos, Clayton Allen, diretor da empresa Eurasia Group, prevê que “isto pode tornar-se uma questão para o próximo governo”, uma vez que os primeiros nove meses terminam em janeiro, o que poderá coincidir com a tomada de posse do Presidente que será eleito. Em declarações à CBS News, o especialista diz ainda não ter a certeza se Trump, em caso de vitória, “estaria tão empenhado em fazer o que administração Biden quereria”.
Quando ainda era Presidente dos EUA, em 2020, Donald Trump foi o primeiro a colocar o TikTok em xeque e a defender uma proibição, que enfrentou desafios legais e que não entrou em vigor. Entretanto, Trump mudou de ideias e defendeu que, embora seja uma ameaça à segurança norte-americana, a rede social não pode ser banida porque ajudaria a aumentar a popularidade do Facebook, que descreveu como “inimigo do povo”.
Esta semana, numa publicação feita na Truth Social, o antigo líder norte-americano escreveu uma mensagem dirigida aos jovens para defender que “o corrupto Joe Biden é responsável pela proibição do TikTok”. “É ele que está a forçar o seu encerramento; e está a fazê-lo para ajudar os seus amigos do Facebook a tornarem-se mais ricos e dominantes e a poderem continuar a lutar, talvez ilegalmente, contra o Partido Republicano”, acrescentou, considerando que se trata de “interferência eleitoral” e apelando aos jovens que se “lembrem disto” no dia das eleições. “Mais importante ainda, devem também lembrar-se de que ele está a destruir o nosso país e é uma grande ameaça à democracia.”
“Vamos continuar a lutar”. O TikTok vai recorrer da legislação
Sempre que foi confrontado com a possibilidade de uma proibição nos Estados Unidos, o TikTok argumentou que esta hipótese viola a liberdade de expressão dos utilizadores. Uma opinião que tem sido apoiada por organizações, como a Electronic Frontier Foundation (EFF), cujos advogados defendem que as tentativas para banir a aplicação prejudicam “os direitos à liberdade de expressão e de associação de milhões de americanos”.
Até ao momento, o TikTok não deu mais detalhes sobre quais serão os seus próximos passos nos EUA. O Observador contactou a rede social para obter um comentário, mas ainda aguarda por uma resposta. Sabe-se apenas que vai contestar judicialmente a legislação para tentar sobreviver naquele que é um dos seus principais mercados.
Essa posição já tinha sido transmitida, no início desta semana e quando já se vislumbrava que uma promulgação era provável, aos trabalhadores. Num memorando interno, a que a Bloomberg teve acesso, o TikTok garantiu que “este é o início, não o fim deste longo processo”. “Na fase em que o projeto de lei for promulgado, iremos recorrer para os tribunais”, disse Michael Beckerman, diretor de políticas públicas da rede social para as Américas, na nota enviada à equipa dos EUA. Por outro lado, reiterou que a lei é uma “clara violação” da Primeira Emenda e que pode ter “consequências devastadoras para sete milhões de pequenos negócios”. “Vamos continuar a lutar”, salientou.
Em declarações ao Observador, o analista Dan Ives, que defende que a legislação “possivelmente viola a Primeira Emenda”, antecipa que “vai existir uma batalha nos tribunais durante os próximos anos”. Por isso, prevê que uma possível proibição não entre em vigor, no mínimo, antes “do final de 2025”. Caso a ByteDance opte por “enveredar pela via da venda forçada”, o especialista não vê “qualquer hipótese de o TikTok ser vendido com o algoritmo, uma vez que Pequim e a ByteDance nunca o permitiriam”.
O valor do TikTok mudaria drasticamente sem o algoritmo, o que torna a venda/divisão final, um negócio muito complexo, com potenciais licitantes estratégicos/financeiros a aguardar ansiosamente pelo início do processo”, afirma Dan Ives.
A ByteDance tem de obedecer às leis chinesas, incluindo a dos “controlos de exportação” que protegem os algoritmos nacionais. Por isso, segundo a CNN, se Pequim não permitir que a ByteDance se desfaça do algoritmo do TikTok, a venda não se deverá poder concretizar. Em alternativa, pode permitir que o negócio seja concretizado, mas sem o algoritmo, que é um dos pilares do sucesso da rede social.
Há mais de um ano, o governo da China opôs-se “firmemente” a uma eventual venda forçada do TikTok.
China opõe-se “firmemente” à venda forçada do TikTok, que é pedida pelos EUA
Quem quer comprar o TikTok?
Como acredita que é improvável que a ByteDance venda o TikTok com o algoritmo que determina as recomendações que os utilizadores recebem, Dan Ives aponta a Oracle ou a Microsoft como as principais interessadas numa compra, “devido ao interesse passado” — dado que as empresas mantiveram conversas em 2020, mas um potencial negócio não se concretizou — e porque “estrategicamente seria um ajuste lógico”.
O analista, que acredita que se Trump vencer as eleições norte-americanas vai reverter a legislação, defende que existe a “preocupação de que a China possa retaliar esta venda/proibição forçada e aumentar a pressão regulatória e geopolítica” sobre as empresas norte-americanas. Por outro lado, a Wedbush Securities, empresa para a qual trabalha, estima que cerca de 60% dos utilizadores do TikTok passariam a utilizar o Instagram e o Facebook no caso de uma proibição. O YouTube também beneficiaria do fim da aplicação de vídeos curtos.
As gigantes tecnológicas, como a Meta ou a Google, não estão a ser consideradas pela imprensa internacional, em jornais como o The New York Times, como potenciais compradoras, uma vez que, apesar de financeiramente terem esse poder, existe uma elevada probabilidade de que o negócio fosse bloqueado por reguladores devido a preocupações concorrenciais.
Atualmente sabe-se que existem pelo menos três interessados no TikTok. Steven Mnuchin, ex-secretário de Estado do Tesouro que lidera a empresa de private equity Liberty Strategic Capital, assumiu em março a intenção de juntar um grupo de investidores, por considerar que se trata de um “ótimo negócio”. Nesse mês, Bobby Kotick, ex-CEO da Activision Blizzard, também terá procurado apoio para concretizar uma possível compra, avançou o The Wall Street Journal, citando fontes próximas do processo.
Ainda em março, Kevin O’Leary, empresário conhecido por fazer parte do programa Shark Tank (“Lago dos Tubarões”, em português), anunciou, em declarações à Fox Business, estar interessado, apesar de acreditar que o algoritmo não estará incluído no negócio. “Se esta ordem [de venda] for aprovada, tem de ser vendido. Vou levantar a minha mão e dizer: ‘Eu compro'”, afirmou.