A memória, que “já falha um pouquinho”, não chega para recordar o nome da atriz americana em pico de popularidade que ocupava a cadeira do lado, mas a sentença segue a velocidade da seta, sem tempo para amnésias: “Foi realmente a festa do século. Pela quantidade de acontecimentos, de pessoas e países que se fizeram representar e pelo ambiente que encerrou. Normalmente numa reunião com tantas figuras políticas o ambiente é mais propício a disputas e ali era unicamente festivo. Não foi um acontecimento político onde se tomaram decisões importantes, e isso foi singular”.
Aos 89 anos, do outro lado da linha a partir do Rio de Janeiro, Rui Patrício regressa por momentos a Persépolis, cenário do majestoso evento oferecido por Mohamed Reza Pahlavi. “Foi há 50 anos? Meu Deus!”, exclama o último ministro dos Negócios Estrangeiros do Estado Novo, que em outubro de 1971 representava Portugal nesse desfile de notáveis visitando túmulos e depondo flores. “Tinha tido um contacto com o ministro iraniano em Paris, que me convidou para a festa quando esteve em Lisboa. Recordo-me de um desfile com uma música iraniana que era uma coisa impressionante. Depois, tinha uma evocação histórica também com muito interesse. E ainda um baile muito grande com várias personalidades internacionais”.
30
quilómetros de área foram passados a pente fino para eliminar qualquer presença de cobras, lagartos e outras potenciais ameaças no deserto
50
mil pássaros viajaram da Europa até Persépolis. As condições extremas em solo iraniano haviam de reservar-lhes uma curta vida
37
quilómetros de seda permitiram o resultado final da cidade de tendas improvisada do zero, recriando um oásis
250
limousines Mercedes-Benz serviram para transportar todos os convidados, do aeroporto em Shiraz até ao local do evento
Em tempo de “primavera marcelista” em solo nacional, nem só de amenos e corriqueiros pormenores se construía esta viagem. Naquele outono de há 50 anos renovava-se uma estratégia válida para todas as estações, ideal para quebrar gelo no mais rigoroso inverno. “Como é natural, era uma altura difícil para Portugal politicamente e eu não perdia uma oportunidade de estabelecer contacto com personalidades importantes do governo de outros países, que mostrassem mais simpatia pelo país. Lembro-me de falar com a primeira ministra das Filipinas, que convidei para vir a Portugal”.
A gestão com pinças estendia-se ao conjunto de preparativos do monumental evento, “executados sob um estado de excitação muito próximo do histerismo”, lia-se a a 17 de outubro de 1971 nas páginas do Diário de Lisboa, que então resumia os “sombrios bastidores dos festejos do século”. Os mesmos que na esfera da diplomacia tanto atraíram centenas ao Irão como justificaram baixas de peso. Isabel II terá declinado o convite porque não só o xá era “um rei de segunda geração” como casara três vezes. Em seu lugar, a monarca britânica enviou o marido, o príncipe Filipe, e a filha, a princesa Ana. Gustav Heinenmann, presidente da República Federal Alemã, justificou a ausência com doença. Juliana da Holanda não se terá deixado seduzir pela “geração de novos ricos” dos Pahlavi. Nixon fez-se representar pelo vice presidente Spiro Agnew. Quanto ao presidente francês, cancelara a presença em cima da hora e enviara em seu lugar o primeiro ministro Jacques Chaban-Delmas. “Toda a gente suspeitava que a única razão pela qual Pompidou não vinha a Persépolis era porque não se iria sentar ao lado da imperatriz Farah Diba. O lugar já estava reservado para Haile Selassie”, atira Franzetti.
Mil e uma noites, uma costureira portuguesa e (outras) crises energéticas
A lembrança do imbróglio diplomático é de Dante Franzetti, um dos inúmeros empregados que asseguraram o sucesso daquela que passou à história como a “a mãe de todas as festas”, a maior e mais cara do planeta, para um excentricidade em solo iraniano ao longo de três dias de celebrações. Franzetti recorda como o imperador do Egito, então com 79 anos, era segundo o protocolo o convidado mais eminente — de resto, por aqui cruzaram-se os líderes de duas das três mais antigas monarquias sobreviventes, o xá e o imperador, com o imperador Hirohito do Japão representado pelo seu irmão mais novo, o príncipe Mikasa. Um década mais tarde, as duas primeiras estariam extintas.
O empregado foi o único a quem coube a honra de envergar um smoking, ao contrário da legião de uniformes destinadas aos restantes funcionários. A exceção não era para menos, lembra a Alimentarium. De Churchill a Sinatra, do papa João XXIII a Greta Garbo, dos Onassis aos Rothschild, servira as maiores lendas e linhagens de todos os tempos, sobretudo enquanto gerente do famoso King’s Club no Palace Hotel de St Moritz. “E, claro, o xá da Pérsia, que conheci em 1957. Era o meu melhor cliente, a par com Henry Ford II. Tive muitas festas mais restritas mas em termos de tamanho, Persépolis bateu todas as outras. Todos queriam lá estar”.
Nessa babilónia de nacionalidades e línguas, extensível aos créditos do guarda-roupa, houve uma palavra a dizer em bom português, com o peso do sotaque gaulês a cair sobre os “r”. “Ainda guardo alguns vestidos da minha mãe. Acho que os usou na festa. Comentou que todas se vestiam com costureiros famosos e davam entrevistas. Os seus vestidos foram feitos pela costureira portuguesa da família, Doroteia Ribeiro, que ficou eufórica por ter sido citada ao lado de famosos como Christian Dior. Dorroteia Ribeirrô à francesa!”, lembra ao Observador Inês, filha de Rui Patrício. “Sei que as senhoras eram penteadas por um cabeleireiro famoso chamado Alexandre, acho, e que a minha mãe se penteou sozinha. Achou a princesa Ana lindíssima muito mais bonita do que nas fotografias”, continua.
O leque de memórias não se esgota em pormenores de moda e beleza. Não é possível confirmar a 300 ou 400% (o mesmo que o combustível fóssil em questão terá visto o seu preço escalar pouco tempo depois) mas o episódio é demasiado delicioso para permanecer entre comensais, alheados da atenção feminina. “Lembro-me de a minha mãe contar que num jantar estava numa mesa só com árabes. Que falavam entre eles e não lhe passavam cartão. Ela a certa altura perguntou ao que estava mais perto dela “De que tanto falam?”. Ele, certo de que uma mulher não seria ouvida respondeu “Vamos aumentar os preços do petróleo!” Nunca confirmei obviamente se a minha mãe estava a dizer uma piada ou se era verdade mas quando a coisa aconteceu ela disse “Eu já sabia!”
A estimativa varia, e muito, consoante a fonte mas entre 12 e 14 de outubro de 1971, terão sido esbanjados entre 280 milhões a 1.5 mil milhões para assinalar os 2500 anos do Império Persa e projetar uma nação moderna e briosa, ou “o renascer da civilização iraniana”, como Diba assinalaria nas suas memórias mais de três depois do seu papel de anfitriã. Chefes de Estado de 65 países, imperadores, reis, rainhas, príncipes, princesas, sheiks e sultões, oriundos dos cinco continentes, acorreram ao convite feito por Mohamed Reza Pahlavi, um dos mais controversos monarcas, que oito anos mais tarde seria derrubado pela Revolução Iraniana liderada pelo aiatola Khomeini, que banira do país.
Em 2016, o documentário “Decadence and Downfall: The Shah of Iran’s Ultimate Party”, recordava a receção dada pelo “rei dos reis”, e aquele que seria o começo do fim de um reinado com punho de ferro. O regresso a este contexto ao estilo “As Mil e uma Noites”, assinado por Hassan Amini, era puro colírio para olhos mas também iluminava outros pormenores essenciais, fosse o modo como “o poder anglo-americano controlava o Irão”, ou a forma como escancarou a porta para a revolução islâmica no país, enquadrava nesse ano o Finantial Times. Sobre o convívio puro e duro, que é como quem diz mais leve e adocicado, qual o balanço desse encontro entre elementos de uma fauna tão diversa? “Os comunistas e a realeza deram-se na perfeição — como quase sempre acontece”, destacou nesse formato emitido pela BBC o príncipe Michael da Grécia, primo do duque de Edimburgo, e um dos presentes.
O espaço, as tendas de luxo e os preparativos encetados um ano antes
À falta de infraestruturas para acolher semelhante elite, nada como recriar de raiz um luxuoso acampamento em pleno deserto, no cenário da cidade antiga de Persépolis, junto ao túmulo de Ciro. As ruínas, com aspeto árido e poeirento, rapidamente ganhariam um refrescante toque de verde. Cerca de 15 mil árvores foram importadas e plantadas ainda várias espécies de plantas, num autêntico desafio para um país a braços com a escassez de água. George Truffaut, o famoso florista de Versalhes, foi convocado para improvisar um jardim à parte, composto tanto por rosas como altos ciprestes. Não menos relevante foi o extermínio de potenciais ameaças venenosas, como cobras e escorpiões, capazes de provocar uma tragédia com uma simples ferroada. Para povoar a área, agora com uma fauna mais simpática, o xá importou 50 mil pássaros da Europa, que não escapariam à morte poucos dias depois, fulminados pelas temperaturas extremas e pela falta de água. Para que nada faltasse aos convidados, também um campo de golfe foi construído no deserto.
A popular Jansen, empresa sedeada em Paris, providenciava a decoração, entre cortinas italianas, cristais de Baccarat, porcelana Limoges ou um serviço Robert Havilland. Ficaria também responsável por erguer esta improvisada cidade com 50 tendas luxuosas, com suites com ar condicionado, casas de banho ou copa, telefone ou fax, só para citar alguma das mordomias, à disposição de um máximo de cinco pessoas. A empreitada, que mobilizou vários arquitetos e operários, levou mais de um ano, para um design final no terreno que reproduzia as cinco pontas de uma estrela, em representação dos cinco continentes. Uma tenda especial foi concebida especificamente para o grande banquete. “Em cada tenda havia uma tapeçaria com o rosto do chefe de estado que ali ficaria instalado, um presente do Xá”, recordou Emil Real, um dos organizadores.
Não foi por acaso que a revista Time a classificou como “a festa do século”, rótulo que desde logo deixaria antever a minúcia e antecedência dos preparativos. Corria ainda o verão de 1970 quando detalhes como a refinada ementa e a complexa logística começaram a ser trabalhados. Sem concorrência à época, o Maxim’s, em Paris, apresentava-se como o cartão de visita mais indicado para assumir as rédeas das festividades, com o proprietário Louis Vaudable a ser incumbido da missão. O célebre restaurante haveria de encerrar portas nas duas semanas anteriores ao evento para não falhar nem uma vírgula na exigente confeção.
No topo da pirâmide dos preparativos encontrava-se Abdolreza Ansari, personalidade incontornável no país e figura chave no comité responsável pelas comemorações dos 2500 anos, uma ideia que começara a fermentar corria ainda o ano de 1958. Investigador, historiador, homem de letras e conselheiro cultural do Xá, Shojaeddin Shafa daria a ideia de assinalar a efeméride, que em 1960 se implementava já em diferentes pontos do globo, com a instalação de comités locais — De Gaulle responsável pelo francês, o rei Balduíno a desempenhar semelhante papel na Bélgica, e a esperança de que Kennedy e Eisenhower se tornassem patronos da delegação formada pelo académico Arthur Upham Pope (1881-1969), um dos mais relevantes a trabalhar no Irão durante a era Pahlavi.
“Os objetivos dos festejos eram multifacetados. O propósito de convidar os chefes de Estado era anunciar a chegada do Irão ao patamar global enquanto potência militar e industrial emergente, que devia ser levada a sério. O Irão estava a prosperar em grande parte devido ao aumento das receitas petrolíferas, e começou a assumir um papel de liderança na região do Golfo Pérsico”, enquadra Robert Steele, investigador em História Moderna Iraniana da UCLA, que há um ano lançou o livro “The Shah’s Imperial Celebrations of 1971: Nationalism, Culture and Politics in Late Pahlavi Iran”.
Da comida ao gelo. Três dias de excentricidades e o improviso do café
Foi com Dom Perignon Rosé 1959 que se fez o brinde oficial, uma singela gota num oceano de bebidas dispendiosas que regaram o repasto: 2500 garrafas de champanhe, 1000 garrafas de Bordeaux e outras tantas de Borgonha. No capítulo da comida, os números não impressionavam menos: estima-se que 18 toneladas de alimentos, incluindo milhões de ovos e 2700 quilos de carne, fizeram parte do alinhamento gastronómico — sem contar com o caviar (alguns registos mencionam 30 quilos apesar de Emile Real referir que também se admitia a possibilidade de ter chegado aos 150 quilos). De proveniência iraniana, esta iguaria foi, aliás, o único bem que não foi importado da capital francesa, de onde partiu até a salsa.
E se inicialmente o menu, supervisionado pelo lendário hoteleiro Max Blouet, permaneceu no segredo dos deuses, o seu conteúdo acabaria por ser revelado aos media, encantados com gulosas minudências. Basta imaginar a imagem de um helicóptero a transportar diariamente um enorme bloco de gelo para para ser servido nas bebidas e utilizado nos frappés. A Paris Match contaria como 125 mulheres passaram seis meses a bordar a toalha que cobriu a serpenteante mesa para os convidados, com os seus quase 70 metros de comprimento. Quanto às convidadas, esperava-se que mudassem de indumentária a cada nova etapa do programa das festas.
E que dizer do semáforo instalado nas entradas da tenda principal para garantir a coordenação dos empregados? Um pouco mais perturbadores foram os relatos de desmaios provocados pelo stress excessivo, ou de os trabalhos na cozinha terem decorrido a certa ocasião quase em trajes menores, devido ao calor. Mas no geral, assegura Real, tudo impecável. Bom, excluindo apenas “a máquina de café”. O equipamento permitia tirar apenas dois cafés de cada vez, um resultado aquém dos 600 convidados. “Felizmente tinha trazido 20 quilos de Nescafé comigo. Acabámos por fazer grandes cafeteiras“, contou aliviado à Alimentarium.
O banquete durou qualquer coisa como cinco horas e meia, tornando-se o mais longo da história e conquistando lugar no Livro de Recordes do Guinness. Se vaguear pela internet, é possível que esbarre num antigo menu à espera da devida licitação. O repasto do dia 14, por exemplo, incluía ovos de codorniz, pavão à Imperial, e turbante de figos, só para citar algumas iguarias.
A lista VIP de convidados e uma dúvida: “Onde é que estão os iranianos?”
Grace Kelly e Rainier do Mónaco, Imelda Marcos das Filipinas, Tito da Jugoslávia, ou o rei Hussein da Jordânia. A parada de estrelas esteve ao nível da pompa e da circunstância, da mesma forma que as 250 limousines requisitadas estiveram às ordens do transporte dos convidados ilustres, nessa ligação entre Shiraz e Persépolis, deslizando sobre a via rápida acabada de construir. O protocolo garantia a primazia absoluta de Haile Selassie, o imperador da Etiópia, então com 79 anos, que acorria acompanhado pela sua filha e pelo seu cão, Cheecheebee, devidamente ornamentado com uma coleira de diamantes.
Semelhante concentração de VIPs exigia segurança à altura, para não falar da urgência de conter o descontentamento nas ruas, arredadas dos festejos e repletas de opositores, guerrilhas e ativistas capazes de comprometer o sereno curso do convívio. Estima-se que o Xá terá mobilizado 65 mil guardas para proteger as centenas de visitantes, com pontos de segurança distanciados por escassos metros, e especial atenção concedida à zona da cozinha e local onde o banquete foi servido, já que envenenar comida é um silencioso método que não passa de moda. Escolas e universidades foram encerradas, a capital passada a pente fino, as potenciais ameaçada detidas.
Se dezenas não hesitaram em participar da festa de arromba, muitos outros países ocidentais recusaram o convite de um autocrata progressista, o mesmo que o seu principal opositor censurava por “esbanjar milhões” enquanto em “muitas das nossas cidades e vilas não há um médico”, acusava um exilado Khomeini a partir de Paris.
[A narração a cargo de Orson Welles]
https://www.youtube.com/watch?v=TTSuN6s1jr8
De resto, na longa fita do evento, os locais estavam longe de ocupar um papel principal. E que fita, já que a narração estava a cargo de Orson Welles, a voz de uma equipa de técnicos de Hollywood responsável por fazer o vídeo oficial — como contrapartida, Welles conseguiria ver financiado o seu filme “The Other Side of the Wind”. “Esta não foi a festa do ano. Foi a celebração de 25 séculos.”, sentenciava o cineasta. Uma festa, no entanto, apenas para uns quantos eleitos. Não por acaso, no final do visionamento, o Xá ter-se-á interrogado: “onde estão os iranianos?”. No final de contas, astronómicas contas, o povo ficara à porta deste monumental evento reservado a forasteiros de primeira linha.
Antes mesmo deste testemunho para a posteridade, o imperador investira já avultadas somas na promoção da festa, garantindo transmissões televisivas em alguns dos países dos quais os convidados eram oriundos. Ao mesmo tempo, as embaixadas iranianas dispersas pelo mundo promoviam conferências e encontros para divulgar a ação em Persépolis. No Irão, o ministro do Turismo inaugurava dois novos luxuosos hotéis, em parte dirigidos à imprensa e figuras de menor relevo, e a inauguração de vistosos monumentos secundava o ritmo frenético.
O princípio do fim dos polémicos anfitriões
Aterraram (literalmente, do seu helicóptero) com um atraso de 45 minutos e não foi preciso esperar nem meio segundo para que os grandes anfitriões destes três dias de excessos fossem engolidos pelos presentes, tentando, em vão, ganhar algum terreno. De pouco serviu o grito de ordem poliglota do general que pediu que a multidão se afastasse, em persa, inglês e francês. Todos queriam vislumbrar o casal real, escrevia o The New York Times em 13 de outubro de 1971, sobre o furor produzido à chegada. “O Xá vestia um uniforme militar completo, com o peito coberto de medalhas. A Imperatriz usava um vestido de seda verde e branco, embora fossem apenas 11 horas da manhã, e luvas brancas longas. Algumas das esmeraldas na sua coroa de 10 quilos eram do tamanho de bolas de golfe. Os seus diamantes um pouco menores”.
Estava dada a toada para uma galeria de cavalheiros e senhoras devidamente aperaltadas, cujas tiaras e minuciosos penteados haveriam de medir forças com o maior contratempo matinal, como haveria de relatar Sally Quinn no The Washington Post. A fila de convidados que aguardavam para saudar Pahlavi e a sua terceira mulher era tão extensa e progredia tão vagarosamente que muitos deles ainda se encontravam no exterior quando uma inesperada tempestade de areia gerou o caos. Menos mal, já que no Irão este fenómeno da natureza é visto como bom prenúncio. E ainda assim, quando em 2014 a The Atlantic sondava diferentes nomes sobre a grande festa onde mais gostariam de ter estado presentes, Quinn propunha resposta alternativa: “A Última Ceia. Foi o momento mais íntimo do homem mais fascinante do mundo. Jesus entendeu que o pão e o vinho um dia seriam os símbolos da Comunhão? Maria Madalena estava lá? É interessante que Jesus tenha escolhido, nas suas últimas horas, fazer uma festa”.
De volta ao Irão, aquela que foi considerada por muitos uma “arrogância imperial” não terminava na falta de consideração pelos populares e no show off generalizado. Aliás, o Diário de Lisboa recorda como em outubro de 71 perdurava ainda na memória o faustoso jantar que o Xá oferecera um ano antes a 200 iranianos ricos e que custara uma pequena fortuna, gesto que facilmente ganhava contornos de afronta num contexto em que mais de 80 mil famílias então dependiam da FAO e das Nações Unidas para receberem leite em pó.
Observando a lei que proíbe o consumo de álcool, a montra de garrafas da “maior festa do mundo” escandalizou tanto como em muitos casos a falta de centímetros nos trajes femininos, apenas mais duas contradições num país de contrastes. Se as mulheres garantiam o direito ao voto e os fervorosos islâmicos eram marginalizados, os sinais de oposição eram rapidamente asfixiados. Tortura ou prisão eram destino provável dos dissidentes num território onde mais de metade da nação vivia abaixo do limiar da pobreza enquanto a família na poder cultivava um estilo e rotina exuberantes. Se acaso alguém ousou desincentivar o Xá de levar os preparativos por diante, um alerta improvável, Reza terá ignorado o som do canto do cisne.
Oito anos depois da festa que marcou o século, a revolução triunfava, o soberano dos soberanos voava do Irão com a família, e os ayatolas inauguravam a sua teocracia. A cidade das tendas outrora erguida aos pés de Ciro funcionou até 1979, arrendada pelo governo ou por privados, pilhada depois da partida do Xá. Em 2005, o então presidente Mahmoud Ahmadinejad anunciava reabilitação do complexo que assistira a toda a megalomania, e que chegou a funcionar como quartel do exército e como posto administrativo pelos Guardas Revolucionários. Dez anos mais, o mesmo cenário assistia a um boom turístico, seduzido pelo exotismo desta paragem, cujo destino alguns anos depois voltava a ser tão incerto como o impacto de uma tempestade de areia, mas cujo fascínio e interesse histórico perdura.