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Apesar do rótulo negativo associado ao trabalho de influencer, poderá este trabalho ser benéfico para os restaurantes?
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Apesar do rótulo negativo associado ao trabalho de influencer, poderá este trabalho ser benéfico para os restaurantes?

Getty Images/iStockphoto

Apesar do rótulo negativo associado ao trabalho de influencer, poderá este trabalho ser benéfico para os restaurantes?

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Um jantar em troca de posts, stories ou reels. Andam os influencers à cata de borlas nos restaurantes?

Uns acreditam que sim, outros dizem que a criação de conteúdo traz benefício aos negócios. Mas é essencial garantir o match e fazer a triagem. É que há quem venda "gato por lebre".

“Olá,

Prazer em conhecer-te.

Sou a Maria [nome fictício], uma modelo, blogger de viagens e criadora de conteúdo de Itália e Grécia, a viajar pela Europa e pelo mundo e adoraria colaborar contigo durante a minha estadia em Portugal, no outono/inverno de 2022 (adoraria voltar a Lisboa e ao Porto este ano em novembro). Posso fazer promoção nas minhas redes sociais com histórias de Instagram e publicações no meu mural em troca de uma refeição no teu espaço para duas pessoas.

O que é que achas?”

Leopoldo Calhau não achou bem. Empresário e chef à frente da Taberna do Calhau (conta que recebeu esta mensagem), do Bla Bla Glu Glu e, mais recentemente, do Chez Chouette, negou a proposta. “Termino sempre a dizer que é bem-vinda, mas que vai ser tratada como todos os nossos clientes”, conta ao Observador. Porquê? “É uma falta de respeito. Não vejo isto como parceria. É uma coisa mais virada para os próprios, para os interesses do próprio. Eles querem fazer pela vida, viajar, gastar o menos dinheiro possível. Mas neste caso batem à porta errada.”

Garrafeira, mercearia, pratos de partilha e gente boa: Leopoldo Calhau leva o Chez Chouette a Alvalade

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Neste modus operandi, a fórmula é quase sempre a mesma. Apresentação, elogio ao espaço, proposta de “colaboração” ou “parceria”, que consiste em refeições oferecidas pelos restaurantes em troca de publicações nas redes sociais dos influencers — produtores de conteúdo digital, que usam as redes sociais para fins promocionais, influenciando as suas comunidades de seguidores.

E a tendência não é nova: uma breve pesquisa no Google mostra-nos que nos últimos anos, chefs e empresários da restauração um pouco por todo o mundo declararam guerra aos influenciadores digitais.

Em 2019, o proprietário de um negócio de gelados colocou um cartaz na carrinha em que os comercializava a dizer: “Influencers pagam o dobro”. “Somos anti-influencers”, declarou na altura ao jornal inglês The Guardian. Em causa estavam as sucessivas propostas de parceria que incluem gelados de borla (note-se que o gelado é um item relativamente barato) em troca de conteúdo no Instagram. Na Grécia, por exemplo, um restaurante respondeu aos protagonistas do digital, propondo-lhes que visitassem o espaço e pagassem — o valor daquela refeição iria reverter para uma instituição de caridade.

Reportagem no novo restaurante/garrafeira, "Tasco Force", do chefe de cozinha Leopoldo Calhau. Alvalade, Lisboa 27 de Outubro de 2022 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Leopoldo Calhau está à frente dos projetos Taberna do Calhau, Bla Bla Glu Glu e Chez Chouette

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Luís Gasparinho, empresário à frente do Rebel Asian e, mais recentemente, do Rebel Patties, em Lisboa, inspirou-se no exemplo grego e, dois anos depois, lançou o mesmo desafio aos influenciadores. Meses corridos, ninguém alinhou no desafio — o que fez título de várias notícias nos media nacionais. Agora, em conversa com o Observador, mostra-nos a quantidade de mensagens pendentes na caixa de entrada do Instagram do asiático da Rua da Boavista. A lista é extensa, o arrastar do dedo no ecrã é demorado. Conseguimos ficar com alguns exemplos:

“Hey. Vi os vossos pratos, chamou-me imenso a atenção. Ótimo aspeto. Gostava de experimentar o vosso espaço. Têm interesse numa parceria?”

“Bom dia. Venho por este meio propor uma parceria Portugal-Suiça-Itália”, diz. “Mais de 200 mil seguidores, de vários países, acho que seria uma excelente aposta.”

“Olá, tudo bem? Trabalham com parcerias em troca de divulgação? Estive na vossa página, adorei o vosso trabalho. Estariam interessados em fazer uma parceria? Gostaria de publicitar os vossos produtos.”

“Troca de uma refeição para duas pessoas. Poderia fazer várias histórias, recomendação do restaurante nos meus destaques.”

“Olá Rebel Asian. Visita a Portugal de 25 a 29 de janeiro com uma amiga. Gostava de saber se há a possibilidade de estabelecer uma parceria consigo, um evento de promoção no Instagram?”.

O discurso é sempre o mesmo, mas os contextos são distintos: estrangeiros que querem planear férias antecipadamente em Portugal e que, com meses de antecedência, enviam a proposta; há ainda atores de novelas, antigos participantes do reality show Big Brother e casais que se promovem numa só conta. Uns descrevem-se como influencers de viagens, outros como influencers virados para a comida e outros como influencers de tudo — o que vendem é o seu estilo de vida.

Num outro campeonato, há aqueles que promovem restaurantes, tendo como intermediárias as agências. Estes não mandam mensagens, não fazem as propostas. São, pelo contrário, pela sua relevância no meio digital, convidados para visitar os espaços e criar conteúdo para as redes sociais. E quando são bem convidados, explicam dois diretores de contas de duas agências distintas, a coisa pode correr bem. É preciso fazer a distinção. Mas já lá vamos. 

“Encontrei uma miúda, que trabalha muito com uma agência, que já escolheu três vezes o melhor pad thai de Lisboa”

Para Luís Gasparinho o maior problema é a falta de credibilidade: “Encontrei uma miúda, que trabalha muito com uma agência, que já escolheu três vezes o melhor pad thai de Lisboa”, diz o empresário, em tom jocoso. “Já ninguém acredita nestas pessoas. Toda a gente sabe como é que isto funciona”.

Este é o rótulo que de nos fala Inês Matos Andrade, diretora de contas F&B (significa food and beverage, ou seja, comida e bebida) numa agência de comunicação e, paralelamente, autora da página de Instagram em nome próprio dedicado ao mesmo tema. Reconhece que existe resistência por parte de muitos restaurantes no estabelecimento deste tipo de parceria e compreende — “vende-se muito gato por lebre”. Mas, como em quase todas as ideias pré-concebidas, em muitos dos casos o crachá poderá ser injusto.

“Quando uma conta de Instagram divulga e promove um espaço, há um impacto positivo para o negócio”, explica. “Trabalhar com o Instagram, apesar de parecer um trabalho muito fácil, não é nada fácil, implica muito tempo. Não são só pessoas que pedem refeições e estadias em hotéis — existem contas de Instagram com muito muito alcance em que os autores, além da estadia ou refeição oferecidos, são até pagos para fazer a recolha do conteúdo para publicar, seja na forma de fotografias ou de vídeo. A criação de conteúdos é também já um trabalho. Não podemos negar essa realidade.”

Roberto Esteves, diretor de marcas da Quiosque PR Communications, uma agência de relações públicas e comunicação, considera que esta é uma “ferramenta de comunicação importante, profissionalizada e bem estruturada”. Explica como nasce a relação entre os influencers e as marcas: “Na sua maioria influencers e  ou criadores de conteúdo estão, tal como as marcas, representados por agências, e sempre que a QUIOSQUE precisa de estabelecer uma parceria para a criação ou desenvolvimento de um conteúdo, desenrola-se um processo normal: seleção dos criadores de conteúdo, validação com a marca envolvida e a contratação de um serviço. Este processo acontece para qualquer tipo de marca, incluindo as marcas de restauração”.

Inês Matos Andrade desenvolve trabalho ligado à gastronomia na sua conta de Instagram. Em paralelo, é diretora desta mesma área numa agência de comunicação.

Entre os problemas associados a estas parcerias, Luís Gasparinho destaca a incompatibilidade que muitas vezes existe entre a comunidade online dos influencers e o público alvos dos restaurantes. O número de seguidores não é tudo: “A pessoa pode ter milhares e milhões de seguidores, mas se não vivem na mesma cidade, não têm capacidade financeira, não são o público alvo, não faz sentido”, diz Luís Gasparinho.

Além disso, há a questão dos falsos seguidores. De acordo com um estudo da Statista, uma empresa alemã especializada em dados de mercado de consumo, divulgado em setembro de 2022, entre 2019 e 2021, 49% dos “mega-influencers” (seguidos por mais de um milhão de pessoas) compraram seguidores. Um outro estudo levado a cabo pelo IMAI – Influencer Marketing Technologies, revelou que 1 em cada 4 influenciadores do Instagram comprou um total de 15% dos seguidores — sendo que 3 em cada 4 comprou mais de 10 mil, revela a Forbes. “As redes sociais são uma ferramenta incrível, mas podem ser muito perniciosas ao mesmo tempo”, diz Inês Matos Andrade.

Este problema pode, porém, ser combatido: tudo depende de um bom trabalho de triagem, uma das tarefas que as agências de comunicação têm em mão: além de, através de diferentes ferramentas, conseguirem perceber se o número de seguidores é fidedigno, podem avaliar outros parâmetros relevantes, como o nível de interações (gostos, comentários, por exemplo), que é hoje considerado o melhor indicador para a capacidade de influenciar.

Além disso, é fundamental garantir que se convidam as pessoas certas: “É muito importante perceber o público alvo. E na agência é um trabalho de curadoria que nós fazemos. Escolhemos os que estão com o cliente ou abordagem em questão. Se tivermos um restaurante mais gastronómico, se calhar faz sentido convidarmos influenciares que têm esta credibilidade no mundo da gastronomia. Podemos ter um evento para crianças, e pode fazer sentido convidar os que têm um público mais familiar.”

Roberto Esteves também fala na ativação de “criadores de conteúdos com perfis adequados a cada marca e conceito de restauração”, ressalvando que “não se pode usar a mesma fórmula e matriz para todos os espaços e conceitos” — deste trabalho prévio faz parte a análise relativa à “afinidade de públicos, credibilidade, curadoria, posicionamento, entre outros.”

Pedro Abril, membro do coletivo New Kids OTB e chef parceiro da Musa sempre foi contra estas parcerias — é um mundo no qual não se revê — mas, no que respeita aos benefícios, hoje já não põe a coisa preto no branco.

A sua postura mudou depois da experiência no Chapitô à Mesa: “No Chapitô tínhamos uma pessoa a tratar da comunicação, que convidava os influencers e figuras públicas. Agora, vendo ao longe, até fez sentido”, diz.  “Para o público que tínhamos ali, e considerando que estávamos em plena pandemia e valia tudo para a dinamização do espaço, aquilo até surtiu algum efeito, estava sempre cheio, passou a ser um sítio da moda.”

O Rebel Asian fica na Rua da Boavista e é um espaço dedicado a comida asiática.

Mas, ressalva, as pessoas não foram em busca da comida.”As pessoas não iam pelo que comiam, muitos nem iam pela vista — iam porque alguém lhes tinha dito que era muito giro.” Os benefícios destas “parcerias”, considera, dependem assim “do target e do sítio”. E se o foco daquele espaço, mais do que na experiência gastronómica, incidir no lifestyle, no “ver e ser visto”, pode resultar, acredita.

Não é isso que vende, por exemplo, a Taberna do Calhau. Basta, aliás, passarmos pela página de Instagram do projeto: “Mostro o produto, a nossa comida.  Gosto de tentar expor o menu, os vinhos e ser simples e autêntico”, explica.

E tem funcionado. A fórmula de sucesso de Leopoldo Calhau é a de sempre: o “boca a boca”, o passa a palavra, poderosa arma reconhecida também por Inês Matos Andrade.

Para isso, é preciso recorrer ao processo antigo: “Tratar bem as pessoas e fazer com que elas sejam felizes”, salienta Leopoldo Calhau. Sendo este um projeto gastronómico, o truque passa por apostar em bons produtos, em ser-se criativo e, nesse processo, usar as redes sociais em nome próprio para divulgação: “Às vezes faço pratos porque preciso de chamar a atenção e atrair pessoas [através das redes sociais]. Outras vezes mantenho os mesmos. É uma gestão intuitiva e sem atalhos. Tem sido assim, tem tido resultados”.

Apesar de não oferecer refeições, a Taberna do Calhau já foi mencionada em várias publicações nacionais e internacionais, já foi visitada por críticos espanhóis e franceses. “Estamos num sítio de passagem na Mouraria, não posso acreditar que isto são favas contadas.”

O Chef Pedro Abril, do coletivo de cozinheiros New Kids OTB, é parceiro da Musa, onde apresenta propostas gastronómicas.

A Musa é outro exemplo de como é possível criar um negócio de sucesso, sem recorrer a influenciadores. Pedro Abril elogia o trabalho de comunicação que, internamente, ali é feito e que resulta num dinâmica quase diária de publicações, ora referentes à programação extensa do espaço em Marvila, ora é dedicada à comida ou ao lançamento de novas bebidas.

“A boa apresentação nas redes sociais conta. Há muitos bons cozinheiros, sem paciência para redes sociais, que acabam por perder alguma visibilidade por isso”, considera. “É preciso saber comunicar. Quando usadas de forma inteligente, as redes sociais são uma arma super válida.” Ou seja, “os restaurantes têm o poder de fazer por si exatamente o que os influencers propõem.”

“Quando a pessoa não paga não consegue ser imparcial. Parece quase um suborno”

“Há cerca de um ano recebi um pedido — que foi enviado a várias pessoas do meio — que dizia qualquer coisa como: ‘Olha, esta é a minha página, escrevo sobre comida. Se me deres uma refeição a mim ou a duas pessoas, eu escrevo sobre o sítio.’” A resposta, bem resumida, terá sido algo como: “Temos as portas abertas, comes o que quiseres, pagas como toda a gente. Escreves ou não escreves o que quiseres. Esse não é o nosso negócio”, conta Pedro Abril.

A única forma que teria para me proteger e para poder falar apenas naquilo em que acredito era não aceitar convites. Não há almoços grátis: ninguém me convida para ir a um sítio sem estar à espera que eu fale de A ou B. Decidi escolher este caminho, sobretudo para me proteger.

As únicas opiniões que lhe interessam, salienta, são “honestas”: “E quando pessoa não paga não consegue ser imparcial“, acredita Pedro Abril. Leopoldo Calhau pensa da mesma forma: “No outro dia tive cá um critico francês, jornalista, que reservou uma mesa, como uma pessoa normal, veio como cliente normal, foi tratado como cliente normal, e, assim, conseguiu recolher elementos e teve mais legitimidade para escrever sobre nós”, conta.

No trabalho que tem desenvolvido no Instagram — vamos chamar-lhe influenciadora digital, apesar de a própria ter alguma dificuldade em definir esta sua faceta —  Inês Matos Andrade rege-se por regras diferentes, muito provavelmente porque também já foi jornalista, confessa. Quer ter a experiência de um cliente normal e, por isso, faz tudo como um cliente normal.

“A única forma que teria para me proteger e para poder falar apenas naquilo em que acredito era não aceitar convites. Não há almoços grátis: ninguém me convida para ir a um sítio sem estar à espera que eu fale de A ou B. Decidi escolher este caminho, sobretudo para me proteger”, explica. Não queria sentir “a pressão” de ir a um restaurante, não gostar e, mesmo assim, ter de promovê-lo. Até porque tem um fio condutor: o caminho que tenho tentado seguir agora passa por falar de sítios com mais identidade, não necessariamente de cozinha portuguesa, mas com tradição, com história.”

Mas, sublinha, é importante fazer a distinção: as pessoas que estão no Instagram não são jornalistas, muito menos críticas gastronómicas, portanto “não têm de se reger pelos mesmos princípios éticos e deontológicos do jornalista“.

Trabalhar com influenciadores digitais é “boa abordagem para o negócio”, volta a frisar. Com a visão de quem também está do outro lado da barricada, enquanto diretora numa agência (dois trabalhos que separa em absoluto, ressalva), garante que, a ser bem feito, o trabalho com influenciadores resulta. O que é que é preciso fazer? Estudar este universo e saber escolher as pessoas certas, garantindo que são credíveis no nicho em que atuam.

No caso dos restaurantes, o trabalho tem de ser muito bem coordenado e os resultados surgem a “médio longo prazo”, explica. Nos tais projetos que, mais do que à comida, estão ligados ao lifestyle, o boom pode ser mais imediato. O importante é saber ver quem é gato e quem é lebre.

 
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