No espaço de apenas 13 minutos, na manhã de quinta-feira, o franco suíço disparou quase 30% face ao euro. Um euro passou de valer 1,20 francos suíços para a quase paridade, depois de o Banco Nacional Suíço anunciar o abandono de uma estratégia que desde 2011 impedia, através de uma intervenção no mercado utilizando reservas próprias, que o franco se valorizasse para mais do que os 83 cêntimos que o banco central considera ser um nível adequado para a economia do país. Essa intervenção vai deixar de acontecer, com efeitos imediatos. O anúncio, que apanhou toda a gente desprevenida, causou turbulência nos mercados e gerou receios em relação aos efeitos para a economia suíça. O presidente da Swatch diz que este é “um Tsunami“.
“Foi uma surpresa”, adiantou Gregor Zemp, secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria Suíça (CCISP) em Portugal, ao Observador. O responsável pela entidade que promove as trocas bilaterais entre os dois países explicou que “ninguém estava à espera” que o Banco Nacional Suíço anunciasse esta decisão, pelo menos para já. “Toda a gente sabia que era [uma medida] temporária, mas ninguém estava à espera que acabasse agora”, revelou Gregor Zemp.
Para as empresas suíças, as notícias não são boas. “Quem ganha são as estrangeiras. Para as empresas portuguesas que exportam para a Suíça é uma boa notícia, porque o preço deles vai ser ainda mais competitivo [face à valorização do franco]”, disse o secretário-geral da CCISP. Quanto às exportadoras suíças, o facto de o franco suíço ficar mais forte face ao euro faz com que não consigam praticar preços competitivos e manter as margens de lucro. “Perdem tudo na conversão”, revela, acrescentado que a valorização da moeda vai trazer maior pressão sobre os custos destas empresas. Algumas das quais com unidades em Portugal.
Perante este cenário, empresas como a Nestlé, Swatch ou Roche ficam com duas hipóteses, de acordo com Gregor Zemp: aumentar o preço dos produtos ou reduzir os custos de operação. Sobre a primeira, o secretário-geral da CCISP considera que é difícil que esse aumento aconteça. “Acho que não é previsível”, disse. Caso queiram manter as margens de lucro, a solução passa, então, por reduzir custos.
Para as empresas portuguesas, Gregor Zemp considera que a valorização do franco suíço pode trazer oportunidades de negócio, ou seja, pode ajudar as suíças a baixar os custos de produção. Como? Estabelecendo parcerias e trazendo a produção dos produtos para Portugal, caso em que as empresas suíças teriam uma parte maior dos custos em euros e, assim, mitigariam o efeito da subida do franco. “As empresas portuguesas têm boa qualidade. Em vez de as empresas suíças produzirem os seus produtos lá, produzem cá. Se conseguirem baixar o custo de produção de 15 para 12 euros, por exemplo, isso ajuda-as a tornarem-se mais competitivas”, diz. O secretário-geral refere que cabe às organizações portuguesas identificarem estas oportunidades.
Quinta-feira “negra” para as empresas suíças
“Não tenho palavras“. Nick Hayek, presidente da Swatch, a maior fabricante suíça de relógios, não escondeu o desgosto quanto à decisão do Banco Nacional Suíço. “A decisão do Banco Nacional Suíço é um Tsunami, para a indústria exportadora e para o turismo, e para todo o país“, afirmou Nick Hayek, num e-mail enviado às agências noticiosas, que correram em direção a empresas como a Swatch para questionar os líderes sobre o impacto que a decisão tem para as empresas suíças que mais dependem da exportação.
As empresas suíças, sobretudo as cotadas mais viradas para a exportação, tiveram uma quinta-feira “negra” em bolsa. A bolsa teve a pior sessão dos últimos 25 anos. As ações da Swatch chegaram a cair mais de 17% na bolsa de Zurique, a pior sessão em duas décadas para a empresa. A razia foi geral. Nem as ações do setor farmacêutico resistiram: tanto a Novartis como a Roche caíam, a cerca altura, mais de 10% na bolsa de Zurique. Segundo a Bloomberg, a cimenteira Holcim derrapou 13% e a Nestlé chegou a cair 11%, o pior desempenho em mais de 17 anos. A Nestlé é a maior empresa mundial da área alimentar, e obtém cerca de 98% das receitas no exterior. Os analistas do UBS calcularam quinta-feira que por cada descida de 10% no par cambial euro-franco suíço (ou seja, por cada subida de 10% do franco face ao euro) os lucros da Nestlé caem em 3%. O franco chegou a subir 29% na quinta-feira.
Bolsa de Zurique teve a pior sessão em 25 anos
Muitas das empresas em questão apressaram-se a informar o mercado sobre o impacto que esta decisão terá. A farmacêutica Roche reconheceu que existirá um impacto negativo mas salientou que, ainda que a empresa obtenha uma grande parte das suas receitas em euros, também tem uma parte importante dos custos na divisa europeia, pelo que o efeito global será, até certo ponto, mitigado. Outra farmacêutica, a Interpharma, diz que recebeu a notícia com “desilusão, porque nos últimos anos o chão [garantido pelo Banco Nacional Suíço para o valor do franco] trouxe-nos previsibilidade e estabilidade. Como se pode ver pela reação dos mercados, agora temos turbulência e volatilidade“, afirmou Thomas Cueni, secretário-geral da farmacêutica suíça, em entrevista à Bloomberg TV.
Além da Nestlé, mas também no setor alimentar, a produtora de chocolates Lindt & Spruengli afirmou que “as exportações da Suíça para o resto do mundo vão ser prejudicadas pelo efeito cambial desfavorável”. Uma porta-voz da empresa disse que “estamos a tentar contrabalançar este desafio com aumento da eficiência e dos volumes vendidos”.
Ao Observador, Luís Rocha, diretor de Relações Institucionais da Novartis em Portugal, disse que ainda é cedo para avaliar todo o impacto desta medida. “Contudo, sendo uma empresa importadora suíça, estamos conscientes que a valorização do franco suíço face ao euro poderá diminuir a competitividade e a margem de lucro da nossa casa-mãe”, revelou.
Porque tomou o Banco Nacional Suíço esta decisão? E porquê agora?
Em 2011, quando a crise da dívida europeia caminhava para o seu auge, o franco suíço mostrava sinais claros de subida, com muita liquidez financeira a procurar abrigo na moeda suíça como resposta à incerteza que, sobretudo na altura, afetava a moeda única europeia. Uma valorização excessiva do franco poderia ter um impacto muito desfavorável para a economia suíça, em especial sobre o setor exportador, já que este poderia sofrer com uma moeda mais cara e com produtos que, por essa razão, se tornavam menos competitivos no comércio internacional.
O Banco Nacional Suíço explicou que “a taxa de câmbio mínima foi introduzida durante um período marcado por uma sobrevalorização excecional do franco suíço e um nível extremamente elevado de incerteza nos mercados financeiros”, pode ler-se no comunicado. A intervenção no mercado, que era decisiva para manter o franco próximo de um valor de 0,83 euros (ou, no par inverso, 1,20 francos por euro), foi uma “medida excecional e temporária para proteger a economia suíça contra danos graves”.
No entanto, as placas tectónicas da política monetária internacional estão a mudar, e é por essa razão que o Banco Nacional Suíço decidiu alterar a política, num dia em que além de abandonar a intervenção cambial voltou a baixar as taxas de juro. Nos EUA os programas de expansão monetária terminaram e já se fala em subida de taxa de juro e, mais crucialmente, o BCE estará prestes a anunciar novas medidas de estímulo, que podem incluir um inédito programa de compra de dívida pública, já para a próxima semana. A confirmar-se, será mais um fator que contribuirá para o enfraquecimento do euro, o que tornaria ainda mais árdua a missão do Banco Nacional Suíço de cumprir o seu desígnio de não deixar o franco valorizar-se em demasia.
“Recentemente, divergências entre as políticas monetárias das principais zonas monetárias aumentaram de forma significativa – uma tendência que deverá tornar -se ainda mais pronunciada”, explicou o Banco Nacional Suíço, em comunicado. “O euro depreciou-se de forma considerável face ao dólar norte-americano e isto, por sua vez, levou a que o franco suíço perdesse valor face ao dólar norte-americano. Nestas circunstâncias, o Banco Nacional Suíço concluiu que fazer cumprir e manter o objetivo de 1,20 francos suíços por euro já não se justifica“, esclarece o banco central.
Thomas Jordan, o governador do Banco Nacional Suíço, recusou, contudo, comentar sobre eventuais comunicações prévias sobre esta matéria, com outros bancos centrais.
Economia suíça em perigo?
Beat Siegenthaler, um especialista em mercados cambiais do UBS, em Genebra, diz que esta é uma “decisão choque” por parte do Banco Nacional Suíço. “Parece provável que a decisão hoje anunciada terá ramificações significativas para a Suíça, já que muito poucas pessoas previam que a intervenção fosse abandonada nos próximos anos”, escreve o especialista. A queda de 29% assim que o anúncio foi comunicado poderá dever-se, apenas, a um choque inicial. Caso o par cambial não regresse, pelas forças de mercado normais, a um nível mais próximo do intervalo desejado pelo Banco Nacional Suíço, “muitos negócios e decisões de investimento podem deixar de parecer viáveis e, a prazo, um volume significativo de produção económica pode sair do país”, teme Beat Siegenthaler.
Um outro economista, Christian Schulz, do Berenberg Bank em Londres, nota que “a decisão foi uma surpresa”. “Tendo em conta que a intervenção no mercado cambial tem sido bem-sucedida ao longo de tanto tempo, acreditávamos que o Banco Nacional Suíço evitasse os riscos associados ao abandono desta intervenção”. “As exportadoras podem tornar-se menos competitivas e alguma produção pode ser transferida para fora do país”, concorda o economista alemão, notando que “o turismo e o comércio a retalho também podem ser penalizados”. O Governo suíço também adiantou, em comunicado, que é “obvio” que a decisão desta quinta-feira constitui um “grande desafio” para a economia suíça, sobretudo para as indústrias de turismo e exportadoras”.
E para as economias europeias, qual poderá ser o impacto? “Para a zona euro, o impacto deve ser limitado“, diz Christian Schulz. “O Banco Nacional Suíço tem sido um grande investidor em dívida pública francesa e alemã, entre outros, no âmbito da intervenção no mercado monetário para defender o valor do suíço. Mas a procura por dívida pública destes países é suficiente, de qualquer forma, mesmo sem as compras por parte do Banco Nacional Suíço”, diz o economista. Quanto à economia, “a Suíça é o quarto maior mercado de exportações da zona euro, mas o efeito sobre a balança comercial é difícil de avaliar”, diz Christian Schulz. “Um franco suíço forte poderá aumentar a procura pelos suíços de produtos produzidos na zona euro mas, ao mesmo tempo, uma crise económica na Suíça seria algo negativo” para a zona euro, defende.
*artigo atualizado com reação da Novartis em Portugal.