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As parcerias entre o Governo português e as universidades americanas já vão na sua terceira fase
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As parcerias entre o Governo português e as universidades americanas já vão na sua terceira fase

Hugo Amaral/Observador

As parcerias entre o Governo português e as universidades americanas já vão na sua terceira fase

Hugo Amaral/Observador

Uma janela de oportunidade ou uma ligação com muitos custos? O que valem as parcerias com as universidades dos EUA

Há 17 anos criou-se uma ligação entre a ciência portuguesa e três universidades americanas. Há quem questione o montante investido, mas também quem defenda os efeitos a "longo prazo" na economia.

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“Um novo modelo de trabalho, que rompe com separações antigas e constitui um processo de reforma da Universidade”. Foi assim que o então ministro da Ciência, Mariano Gago, expressava a essência das parcerias que estava a assinar, em 2006, com o MIT, Carnegie Mellon e Universidade do Texas Austin, naquele que considerava um processo difícil. Em notícias da época, era também o primeiro-ministro José Sócrates que falava de um “ponto de viragem na sociedade portuguesa, pelo que significa de internacionalização e de aposta na ligação entre as universidades e as empresas”.

Nasceram, em 2006, as parcerias entre o Governo português e as três universidades norte-americanas, num esforço de cooperação internacional, com o intuito de dar projeção à ciência e inovação portuguesas, que resultaram nos programas CMU Portugal, MIT Portugal e UT Austin Portugal, em que uma parte do financiamento ficou a cargo da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Essas universidades abriram, assim, as portas para doutoramentos e investigações científicas deste lado do Atlântico.

Cada um foca-se em áreas específicas. A CMU nas tecnologias de informação e comunicação (TIC); o MIT Portugal pretende “desenvolver ideias inovadoras de alto impacto” em questões como a ciência do clima ou as cidades sustentáveis; e o UT Austin Portugal trata de temas como a computação avançada, nanotecnologia, interações espaço-Terra e a física médica, além da componente virada para a inovação tecnológica e empreendedorismo.

Com os anos, as parcerias foram evoluindo e estão, já, a finalizar a terceira fase – no final de cada uma das etapas, o mais recente foi em 2018, há uma renegociação e até alterações de componentes de investigação. O atual contrato termina no próximo dia 31 de dezembro e, no final da semana passada, a notícia do Expresso de que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que tutela a FCT e coordena os acordos, iria pôr fim às parcerias caiu como uma bomba. Especialmente para os defensores desses contratos, feitos pelo ministro Mariano Gago (já falecido). Logo vieram argumentar a favor do alegado contributo que deram para projetar a ciência portuguesa internacionalmente e até para a criação de empresas, incluindo unicórnios como a Feedzai. Empreendedores e ex-ministros, como Pedro Siza Vieira (economia) e Manuel Heitor (ensino superior), manifestaram-se publicamente contra a decisão.

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Porém, há quem conteste o impacto das parcerias, assim como o retorno do investimento feito pela FCT. É o caso dos reitores portugueses, que se mostraram contra a renovação automática dos acordos, já em junho, apontando o dedo aos custos tendo em conta o “número de diplomados de doutoramento e a produção científica” resultante.

Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e uma investigadora reconhecida, disse, após as críticas, que as parcerias não foram suspensas e que foi iniciado um processo de renegociação. O Observador questionou o seu gabinete para perceber se a intenção de renegociar se mantém e para obter dados mais recentes quanto ao financiamento atribuído pela FCT aos programas, porém não obteve esclarecimentos.

Ministra da Ciência diz que parcerias com instituições dos EUA estão a ser renegociadas

Diretores de programas temem encerramento de “janela de oportunidade”

Os diretores dos três programas, contactados pelo Observador, são a favor da continuidade dos acordos

Nuno Nunes, co-diretor da CMU Portugal, esteve uma temporada em Carnegie Mellon já no âmbito da parceria. Acompanha o programa quase desde o início e assistiu à renegociação das três fases desta colaboração. Com um programa fortemente ligado à área das tecnologias de informação, considera que a importância da ligação à Carnegie Mellon pode ser medida por vários fatores, mas dá primazia às empresas que surgiram a partir de investigações desenvolvidas, como a Feedzai ou a Unbabel. Faz questão de esclarecer que, embora o programa “não apoie diretamente empresas”, surgem “muitas vezes em consequência” de trabalhos ou contactos estabelecidos no âmbito de doutoramentos ou passagens mais curtas pela universidade americana.

São empresas que veem nestas parcerias uma oportunidade de ter acesso ao que de melhor se faz em termos de investigação a nível internacional”, argumenta.

Também não deixa de lado o possível aliciante para professores e investigadores de terem “alguma visibilidade e valor reputacional” por ficarem associados a uma “universidade deste calibre”.

O responsável pelo programa da CMU Portugal não esconde o receio de que o fim da parceria seja o fechar da “janela de oportunidade” que pode levar à criação de empresas, recorrendo novamente ao exemplo da Feedzai. Nuno Sebastião, o seu CEO, esteve na incubadora da UT Austin e os restantes fundadores chegaram aos EUA através do programa da Carnegie Mellon. “Gostaria que os jovens de agora continuassem a ter essa oportunidade”, diz Nuno Nunes.

Além disso, garante que “há um efeito multiplicador muito importante” nas parcerias com instituições norte-americanas, dando como exemplos a criação de emprego em companhias que nasceram na sequência de passagens pelo programa ou mesmo o registo de patentes em Portugal. “É um efeito a longo prazo.”

Nuno Sebastião, o CEO da Feedzai, esteve na incubadora da UT Austin. Os restantes fundadores chegaram aos EUA através do programa da Carnegie Mellon

Rui Oliveira, co-diretor do programa UT Austin Portugal, também destaca os efeitos a longo prazo, lembrando que, como se tratam de “projetos de investigação e de desenvolvimento”, precisam de tempo não só para lançarem protótipos como, posteriormente, para a comercialização do produto. “Um dos projetos estratégicos que conheço, cuja parceria terminou em setembro, prevê a criação de um produto inovador [mas] ninguém pode esperar que se torne comercializável em menos de seis meses ou de um ano”.

O impacto da comercialização, continua, já se começou a sentir “nas fases anteriores”, sendo que quando “se fala que vários unicórnios com ADN nacional vêm destas parcerias” estão a ser mencionadas a primeira e a segunda fase. A terceira, a terminar, ainda precisa de “ter o seu tempo” para mostrar o impacto que poderá ter para a economia portuguesa.

Perante as notícias sobre a continuidade das parcerias, que deveriam ser renovadas até 2030, alguns dos diretores dos programas antecipam uns tempos próximos de incerteza. Pedro Arezes, diretor do MIT Portugal, considerando até “surpreendente a reação vocal” de várias pessoas na defesa das parcerias. “Vi com bons olhos várias pessoas a defenderem as parcerias, o que demonstra que têm mérito e que pode haver uma perspetiva de continuidade na avaliação”, afirma.

Questionado pelo Observador sobre a posição do Conselho dos Reitores das Universidades Portuguesas, que em junho recomendou à FCT e ao Ministério da Ciência a não renovação das parcerias, Arezes mostra “preocupação” por haver reitores, “pessoas muito cientes do que está a acontecer no domínio da ciência e tecnologia em Portugal, que não percebem que as parcerias foram exemplos de desenvolvimento neste domínio”. Assim, faz uma leitura “política” da questão.

O académico e diretor do MIT Portugal também acredita que essa posição pode estar ligada ao facto de os reitores estarem numa fase de reclamar “aumento de financiamento às instituições de ensino superior, nomeadamente às universidades, e, por isso, podem entender que estão a competir com as parcerias americanas”, acrescentando que, no entanto, estas parcerias “representam uma percentagem muito pequena no orçamento da FCT, não me parece que a ciência sairia assim tão beliscada em termos de orçamento”. “Os contributos são largamente ultrapassados. Olhar para o problema só desta forma… ‘Se votar contra aquilo e não houver aquele financiamento, esse dinheiro reverte para o nosso orçamento [das universidades]’? Parece-me ser uma visão muito curta.”

Por sua vez, Nuno Nunes pede que, a existir, a avaliação das parcerias seja “independente”, ou seja, “feita por alguém que não tem interesses neste tipo de financiamento”, sublinha o co-diretor do programa CMU Portugal. “Os financiamentos são limitados e, portanto, todos os outros laboratórios, universidades e politécnicos têm a ideia de que, se não houver este financiamento às universidades americanas, o montante disponível para outras atividades aumenta. É essa a questão que está em jogo.”

A ministra do Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, intervém durante o debate da moção de censura ao governo, apresentada pelo Chega, que decorreu na Assembleia da República em Lisboa, 19 de setembro de 2023. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

A ministra Elvira Fortunato foi alvo de críticas pela decisão de suspender as parcerias. Entretanto, disse que se tratará de uma renegociação

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Rui Oliveira, da UT Austin Portugal, corrobora a ideia da avaliação por peritos “independentes, que olhem para os objetivos traçados há cinco anos e que façam um relatório com que todos possamos concordar; gostar ou não gostar é outra coisa, mas concordar”. Sobre a decisão de suspender as parcerias — que entretanto foi convertida em renegociação — aponta não só essa falta de avaliação internacional independente como a falta de diálogo. “Se esta posição tivesse saído há seis meses, as pessoas pensariam que teriam seis meses para se fazerem ouvir e contra argumentar.”

Em conversa com o Observador revela que, antes de serem informados desta primeira posição do Governo de pôr fim aos contratos, estava “decidido que haveria uma extensão sem custos” da terceira fase, que seria prolongada por mais um ano, até ao final de 2024. O objetivo era que “os projetos que estão em curso acabassem”, uma vez que alguns “sofreram atrasos na sua avaliação no ano passado e só começarão agora em 2024”.

Neste momento, antecipa que nos próximos dias possa haver a “discussão de detalhes dessa extensão, que poderá eventualmente [já] não ser sem custos”. Paralelamente à execução de mais um ano das parcerias, caberá ao próximo Governo português, que sairá das eleições de março, decidir se fará uma “avaliação dos programas, como é que a faz e quando é que a faz”.

Ainda antes da posição transmitida pela UT Austin Portugal, tanto Nuno Nunes como Pedro Arezes já tinham indicado ao Observador de que poderá haver uma reunião sobre os próximos passos das parcerias. “Tenho a informação de que iremos ser convocados para uma reunião, mas não tenho informação de que irá ser feita uma reversão desta decisão, que é uma decisão formal de cancelamento”, diz o co-diretor do CMU Portugal. Foi essa decisão de cancelamento que receberam.

Do lado do MIT Portugal, Arezes destaca a “comunicação aberta e de alguma forma franca” que tem existido por parte da FCT, mas também reconhece que os responsáveis pelos programas têm sentido que “nos últimos tempos houve indecisão sobre o que se ia fazer”. Com as notícias mais recentes, sentem-se de “meio perdidos, o que não é confortável nem agradável” na interação com os colegas do outro lado do Atlântico, onde se preferia “mais estabilidade de médio a longo prazo”, reconhece.

No domingo passado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior sublinhou, no comunicado em que falava sobre a renegociação, que quer preservar “a cooperação internacional para além da cessação deste acordo específico [terceira fase]”, numa estratégia que sirva os interesses e desafios atuais e futuros da ciência e tecnologia, globalmente, nas diferentes áreas do conhecimento.

Parcerias têm "um custo demasiado elevado, tendo em conta, por exemplo, o número de diplomados de doutoramento e a produção científica".
Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas

Reitores mantêm posição: parcerias com universidades dos EUA devem ser suspensas

O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), composto por reitores de várias instituições de ensino superior, mantém a posição que apresentou em junho, quando foi contactado pela FCT para dar parecer sobre as parcerias com MIT, CMU e UT Austin. Questionado pelo Observador a propósito das críticas à inicial suspensão dos contratos, a entidade agora liderada pelo professor Paulo Jorge Ferreira indicou apenas que reafirma “o compromisso do CRUP com a internacionalização do sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, nos termos da posição enviada”. Na altura da recomendação contra as parcerias, o Conselho era liderado por António de Sousa Pereira.

Há cerca de cinco meses, os membros do Conselho “manifestaram unanimemente dúvidas sobre a imprescindibilidade dos protocolos”, notando os 310 milhões de euros canalizados pela FCT ao longo de 17 anos de existência dos programas, uma média de 18 milhões ao ano. Os reitores enumeraram questões como o “défice de recursos financeiros do país para o financiamento do sistema científico e de ensino superior” e a “necessidade de fazer escolhas que permitam continuar a desenvolver e consolidar o SNCT [Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia] como um todo”.

Apesar de reconhecer que o programa de parcerias “foi muito importante para o arranque do processo de internacionalização de algumas universidades”, o CRUP considerou que não se “esgota, nem nele se resume, o enorme progresso registado no país”. Também foram apontadas questões como a “ausência de mecanismos de acompanhamento e de avaliação” para apurar “com rigor os verdadeiros impactos ou o valor acrescentado” dos programas. O Conselho foi mais longe e considerou que as parcerias tinham “um custo demasiado elevado, tendo em conta, por exemplo, o número de diplomados de doutoramento e a produção científica”. Em síntese, argumentou que os programas “foram importantes para o arranque da internacionalização, mas não garantiram a criação de condições para a autossustentabilidade e a continuidade dos projetos”.

Reitores pedem suspensão de acordo com universidades dos Estados Unidos da América que receberam 310 milhões de euros

Assim, o CRUP recomendou que nenhum programa fosse prolongado, pelo menos de forma automática. “Antes da sua continuidade ou renovação deve ser feito um exercício de definição clara de objetivos e resultados esperados, bem como instituídos os necessários mecanismos de acompanhamento”, foi pedido.

Porém, a defesa da suspensão dos protocolos com universidades americanas não era sinónimo de argumentação a favor de menos projetos de internacionalização. A diferença é que os reitores pediram um “novo programa de apoio à internacionalização das universidades e das unidades de investigação”, por exemplo com a assinatura de protocolos com “um leque mais alargado”, que incluísse mais universidades europeias.

Estima-se que tenham sido canalizados 310 milhões de euros da FCT para as três universidades norte-americanas.

Quanto é que estas parcerias já receberam da FCT?

Estima-se que, desde 2006, tenham sido canalizados 310 milhões de euros da FCT para as três universidades norte-americanas, investimento que se traduz em financiamento a projetos de investigação e bolsas de doutoramento. O Observador tentou obter dados mais recentes junto da FCT, uma vez que no site da fundação o último relatório de atividades data de 2021 – até ao momento, não foi possível.

Explorando o último relatório disponível, é explicado que no orçamento inicial estava previsto um montante de 14,25 milhões de euros para parcerias internacionais, representando 9,11% das despesas da FCT por área de intervenção. No entanto, nesta descrição, as parcerias com as três universidades americanas são incluídas na mesma parcela que a colaboração com outras instituições que recebem financiamento da FCT, como a Harvard Medical School e o Instituto Fraunhofer.

Ainda assim, detalhava-se o lançamento de concurso de projetos exploratórios em que, no total das três parcerias, foi feito um financiamento global de 1.222.449,52 euros:

  • CMU Portugal: seis projetos no valor de 390.580,66 euros;
  • MIT Portugal: oito projetos no valor de 386.795,71 euros;
  • UTA Portugal: oito projetos no valor de 398.779,54 euros.

Em paralelo, era ainda dito que estavam em “execução 30 projetos nacionais com copromoção com as três universidades americanas, cuja gestão está a cargo da ANI [Agência Nacional de Inovação], com financiamento de várias fontes (privado, Compete, ANI, FCT e parceiro americano), num montante total de 70.511.845,18 euros”, em que “8.566.416,48 euros é financiamento da FCT”.

As parcerias, por sua vez, registam de maneiras diferentes a contabilização do número de estudantes e projetos apoiados. A UT Austin Portugal apoiou 314 estudantes nos primeiros dez anos da parceria; nos últimos quatro, através de dois programas de mobilidade, levou até aos Estados Unidos 19 investigadores de instituições portuguesas. Foram financiados, na área de investigação, entre 2007 e 2017, 50 projetos e 27 projetos entre 2018 e 2022.

A CMU Portugal registou entre 2006 e 2022 a atribuição de 216 bolsas de doutoramento e 100 alunos graduados, 146 participantes em iniciativas de mobilidade e 86 projetos de investigação financiados. O MIT Portugal registou, desde o início da parceria até 2020, 1.100 estudantes de PhD e mestrado e mais de 490 graduados. Em 2020, foi firmado um acordo para a atribuição de 40 bolsas de doutoramento anuais, nos três anos seguintes. Foram atribuídas 37 das bolsas disponíveis em 2021 e outras 37 em 2022.

“Nunca se devem fechar pontes”. As empresas que apoiam as parcerias

Há mais de 10 anos, quando ainda tinha um laboratório de investigação na Universidade do Porto, Veronica Orvalho fez parte dos “primeiros programas da UT Austin”, na sequência da parceria fechada entre essa universidade e Portugal. Desenvolveu um projeto com crianças com autismo que, conta ao Observador, a inspirou a fundar uma startup que desenvolve humanos digitais. “Fizemos um projeto super bonito com miúdos com autismo que, no fundo, definiu a genesis e o objetivo que me levou a criar a Didimo, cinco anos depois.”

Com a criação da empresa, ficou para trás qualquer parceria com a UT Austin ou qualquer outra universidade. Ainda assim, a CEO da Didimo continua a considerar que os programas das faculdades norte-americanas “ajudam imenso” a testar ideias e “ver de que forma se podem criar projetos completamente inovadores quando não se tem recursos”.

Didimo. Startup portuguesa que desenvolve humanos digitais recebe 7 milhões para criar “o futuro dos avatares no metaverso”

Para Veronica Orvalho, que há vários anos ‘aterrou’ por uma temporada nos EUA devido à parceria do Governo português, é “terrível” que tenha sido equacionado o término da colaboração: “Eu acho que é um erro enorme quebrar pontes ao nível da investigação, que é onde surgem as ideias, onde surgem colaborações que depois podem dar origem à transferência de tecnologia entre as universidades para empresas ou criar sinergias internacionais em termos de criação de empresas”. “Acho que nunca se devem fechar pontes a nível universitário e de investigação. Pelo contrário, têm de criar-se pontes.”

“Acho que nunca se devem fechar pontes a nível universitário e de investigação. Pelo contrário, têm de criar-se pontes.”
Veronica Orvalho, CEO da Didimo

A Unbabel, que tem uma colaboração com a CMU, também mostra apoiar “as parcerias internacionais com universidades dos EUA”, realçando o seu “papel na promoção da inovação e da troca de conhecimento”. “Damos prioridade ao impacto positivo no avanço da tecnologia e concentramo-nos no compromisso com o progresso tecnológico”, sublinha Paulo Dimas, vice-presidente de Inovação da startup que atua na área da tradução automática, acrescentando que os diálogos em curso com essa parceria “visam manter e expandir” a cooperação, “com o objetivo comum de aumentar o financiamento das iniciativas de inteligência artificial”.

cerca de três anos, no âmbito da parceria com a universidade norte-americana, a Unbabel arrancou com um projeto de investigação de dois milhões de euros, em que prometia “melhorar exponencialmente a capacidade de chats desenvolverem conversas multilingues”. A empresa portuguesa fez parte de uma leva de 10 que tiveram apoio da CMU Portugal.

Unbabel arranca com projeto de investigação de 2 milhões de euros

Além da Unbabel, o CMU Portugal, de acordo com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, deu origem à criação de outras startups, como a Feedzai, unicórnio que foi a primeira a ter sido criada na esfera do programa, ou a Veniam, startup de desenvolvimento de tecnologia que transforma carros em pontos de acesso à internet para outros dispositivos, comprada pela israelita Nexar em 2022. A estas duas, juntam-se a Talkdesk e a Remote, que são descritas como “afiliadas industriais” da CMU. O Observador contactou todas estas empresas para obter esclarecimentos quanto à ligação que têm (ou chegaram a ter) ao programa, mas até à data da publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.

A falta de resposta estendeu-se à DoDoc, empresa que desenvolveu um processador de texto online com o objetivo de otimizar os processos de escrita e gestão de documentos profissionais e que foi fundada por antigos alunos do programa MIT Portugal, como Carlos Boto. Em 2015, a startup foi notícia por ter sido a primeira portuguesa a receber investimento e a integrar o programa de aceleração da Techstars em Boston, nos EUA. Entretanto, foi comprada pelo Envision Pharma Group, mas, sabe o Observador, mantém parte da equipa portuguesa.

De Coimbra para Boston, doDOC. O processador de texto que conquistou a Techstars

virgilio bento sword

Virgílio Bento é CEO da Sword Health, startup que ‘dispensou’ o programa

O relato de Sword Health, que ‘dispensou’ o programa: “É possível ser bem sucedido sem ter ligações a universidades internacionais”

A Sword Health nasceu nos laboratórios da Universidade de Aveiro, na sequência da tese de doutoramento do CEO, Virgílio Bento, e “sem qualquer parceria externa”. De 2015 até agora, com o estatuto de unicórnio alcançado pelo meio, a startup de fisioterapia digital foi considerada, este ano, como uma das empresas com maior crescimento (de 10,96%) em território norte-americano. Conseguiu alcançar esse reconhecimento e ser “um exemplo de sucesso a nível mundial”, sem “qualquer ligação a nenhum destes programas de parceria com universidades internacionais”.

A empresa chegou a visitar a Universidade de Austin para conhecer melhor o programa UTEN (The University Technology Enterprise Network), criado em parceria com o Governo português. Foi aceite e, segundo um artigo publicado no site da UT Austin Portugal, os fundadores procuravam algo específico: “Cumprir um requisito da FDA [regulador americano] para comercializar um sistema de reabilitação nos EUA”. “Os especialistas da UTEN apresentaram a startup aos reguladores de saúde locais nos Estados Unidos e permitiram que os fundadores planeassem uma entrada rápida no mercado norte-americano”, lê-se também.

Unicórnio Sword Health lança solução para empresas em 150 países terem “recursos para combater a dor” crónica e aguda dos trabalhadores

Ao Observador, fonte oficial da Sword Health confirma que a empresa visitou a universidade, mas que não tem “nenhuma ligação ao programa Austin Portugal”, uma vez que decidiu “não avançar” com a participação porque entendeu que “não havia valor acrescentado”. O unicórnio defende que “é possível ser bem sucedido sem ter ligações a universidades internacionais”, uma vez que o que está na “origem do sucesso” foi e continua a ser, pelo menos no seu caso, “o talento português”.

Esta tentativa de ter validação através da ligação com as universidades internacionais é, muitas vezes, uma ligação cosmética e de vaidade, sem um claro retorno no investimento, quando comparado com a alocação direta dos recursos no talento português.”

Desta forma, para a Sword, quando questionada sobre a renegociação das parcerias internacionais, “seria mais importante fazer investimento na ciência e investigação em Portugal, nos investigadores e nos empreendedores portugueses, na transferência da ciência de base para tecnologia real, escalável e orientada para o mercado”.

“Miopia” e “triste herança”. Reações a um cancelamento, que afinal será renegociação

Quando ainda não tinha esclarecido que as parcerias com as três universidades norte-americanas estavam a ser renegociadas e não tinham sido canceladas, como foi inicialmente noticiado, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior enfrentou logo contestação. Nuno Sebastião, CEO da Feedzai, foi um dos que acusou Elvira Fortunato de “falta de conhecimento e miopia” para “ter uma interpretação diferente e que justifique” o cancelamento (que, afinal, não se verificará).

Num texto partilhado no LinkedIn, o empresário lembrou que a startup, que tal como a Sword tem o estatuto de unicórnio, foi criada porque emigrou para os Estados Unidos, inicialmente para Austin, onde esteve “nas instalações da incubadora da The University of Texas at Austin”. “A equipa técnica que esteve na génese da Feedzai desenvolveu o conhecimento quando estava a estudar ao abrigo do programa de parceria com a Carnegie Mellon University. O chefe de produto da Feedzai fez o mestrado ao abrigo da Carnegie Mellon University Portugal”, detalhou.

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Para Nuno Sebastião, a riqueza e a reputação gerada pela Feedzai para Portugal e para o ecossistema português, por si só, “justifica a existência destes investimentos”. “Foi isto que possibilitou que seja hoje a Feedzai a empresa que lidera o ranking de criação de patentes em Portugal”, afirmou, fazendo menção ao facto de, em 2022, pelo segundo ano consecutivo, a empresa ter ocupado o primeiro lugar da lista de requerentes portugueses de patentes, ex aequo com a Universidade de Aveiro.

Vale muito mais um investimento numa parceria com a CMU ou UT Austin do que vale uma Web Summit. Mas como somos um país sem profundidade, o que é importante são as políticas que dão para a fotografia hoje e não políticas a longo prazo.”

A publicação do CEO da Feedzai recebeu mais de uma centena de comentários em três dias, alguns a partilhar testemunhos pessoais e a maioria a concordar com a sua posição. Foi o caso de Rodolfo Condessa, da capital de risco Armilar Venture Partners, que afirmou que este poderia ser um “drama de fim de semana, tipo ‘OpenAI despede Sam Altman’, que será revertido e que acaba por ser apenas um ‘momento embaraçoso’; mas não mais do que isso”.

Cinco dias para sair, regressar e garantir mudanças. O golpe que dá mais força a Altman e à Microsoft na OpenAI

Também no LinkedIn, Pedro Siza Vieira, antigo ministro da Economia do penúltimo governo de António Costa, escreveu não conseguir conformar-se com a decisão de cancelar as parcerias de um programa que “expôs cientistas portugueses às melhores práticas mundiais; criou dinâmicas de aplicação de conhecimento a produtos orientados para o mercado e educou gerações de cientistas e engenheiros na noção de empreendedorismo ligado à ciência”.

Para o advogado, o mais “triste” do cancelamento — entretanto esclarecido como uma renegociação — foi o argumento “paroquial e mesquinho” de que “havendo pouco dinheiro para a ciência não faz sentido financiar universidades americanas”. “Depois da desvalorização do ecossistema tecnológico e do apagamento da ciência no discurso político, esta notícia é a mais triste herança de uma ministra que nunca o chegou a ser, num Governo que não merecia chegar ao fim de vida contrariando tudo o que defendeu nos últimos anos e enterrando o legado de Mariano Gago”, continuou, antes de deixar duas questões: “Que dizem o ministro da Economia e o primeiro-ministro? Não conseguem reverter esta decisão, que contraria tudo o que sempre defenderam?”

O ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, discursa na sessão de apresentação de tecnologias desenvolvidas em Portugal,Braga, 9 de novembro de 2021. A Bosch e a Universidade Minho apresentaram tecnologias inovadoras para a mobilidade do futuro e digitalização da indústria. HUGO DELGADO/LUSA

Pedro Siza Vieira disse que o cancelamento das parcerias era "a mais triste herança de uma ministra que nunca o chegou a ser"

HUGO DELGADO/LUSA

Manuel Heitor, ex-ministro da Ciência e Ensino Superior, também reagiu, em declarações ao jornal Expresso, afirmando que “o cancelamento precipitado e sem uma avaliação séria” das parcerias “só pode mostrar a arrogância de não querer perceber a história recente do sucesso da ciência e formação superior em Portugal”. “Estas parcerias estratégicas foram absolutamente decisivas para atrair e formar uma nova geração de cientistas e empreendedores em Portugal. O seu impacto em Portugal e no mundo tem sido reconhecido ao melhor nível internacional”, acrescentou.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior deu o dito pelo não dito e domingo, 26 de novembro, e após reações como estas, esclareceu que não tinha colocado fim às referidas parcerias. Até ao momento, tanto Nuno Sebastião como Pedro Siza Vieira e Manuel Heitor não voltaram a pronunciar-se sobre o assunto. O Observador contactou a Feedzai para uma reação ao volte-face, mas não obteve qualquer resposta. No mesmo dia em que o Governo emitiu o esclarecimento, Carlos Oliveira, presidente executivo da Fundação José Neves e que ocupava o cargo de secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação à época da última renovação, assinou um artigo de opinião no jornal Eco, intitulado Isto é que é ir para além da Troika!, onde defendeu que “é essencial não apenas manter, mas fortalecer e expandir as parcerias com as universidades americanas”, com o seu possível término a ser descrito como “demonstração de uma falta de visão preocupante, mas não surpreendente”.

“Encerrar estas parcerias numa altura ‘fácil’ de ‘orçamentos expansionistas’ não pode ser seguramente apenas uma decisão financeira; é uma escolha que reflete uma visão limitada sobre o que Portugal pode e deve ser no cenário internacional”, argumentou Carlos Oliveira, antes de recordar que quando, há uns anos, teve de “ponderar o futuro destas parcerias” percebeu que era “evidente” que não se tratavam de um “luxo, mas sim [de] uma necessidade estratégica para o desenvolvimento científico e tecnológico do país”.

"É essencial não apenas manter, mas fortalecer e expandir as parcerias com as universidades americanas."
Carlos Oliveira, que era secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação à época da última renovação

Na esfera mais política o PSD considerou que não renovar os contratos seria uma decisão “grave” e que “contra muito daquele que é o pensamento das startups nacionais, das empresas portuguesas, dos elementos mais inovadores e empregadores da sociedade portuguesa”. Pedro Duarte, coordenador do Conselho Estratégico Nacional, que pediu esclarecimentos ao Governo, classificou, à agência Lusa, a primeira posição de Elvira Fortunato como “no mínimo surpreendente” porque “os contratos vão acabar no final do ano e ela sabe [disso] há muito tempo, como todo o país sabe”. “Se a ideia era renegociar evidentemente que isso já deveria ter sido feito com mais antecedência (…) o novo Governo terá eventualmente de recomeçar ou de iniciar uma conversação completamente distinta porque não haverá uma renovação do contrato na medida em que eles vão terminar no final deste ano.” Também a Iniciativa Liberal, segundo foi noticiado, fez um requerimento a pedir a presença, com “caráter de urgência”, no Parlamento da ministra da Ciência e Ensino Superior, Elvira Fortunato.

Nas notas explicativas apresentadas no âmbito do Orçamento do Estado, o Ministério dizia que, “ao nível das parcerias internacionais, está em curso uma revisão da estratégia de apoios que procura alargar e aprofundar os apoios à internacionalização do sistema científico, de forma a promover laços mais fortes de cooperação assentes na colaboração entre instituições portuguesas e estrangeiras. Esta estratégia privilegia a institucionalização dessas parcerias, por forma a potenciar os benefícios da cooperação internacional. Os apoios visam também alargar o universo de entidades beneficiárias, promovendo mais equidade, sustentabilidade e transparência no financiamento desses apoios”.

Informava que, com o objetivo de reforçar as parcerias internacionais, tinha sido assinado um memorando de entendimento entre a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e a nova escola da Universidade de Stanford, a Stanford Doerr School of Sustainability, “uma escola inovadora e orientada para a investigação de soluções com elevado impacto nas alterações climáticas sentidas a nível mundial, concebida para acelerar drasticamente os avanços e soluções científicas, tecnológicas e políticas”, e com a Universidade de Berkeley, “tendo por objetivo a formação avançada de alunos portugueses ou lusodescendentes e o programa de financiamento de bolsas do Fundo Pinto-Fialon”, dizendo-se que a FCT estava a desenhar um “programa complementar de apoio, para promover o acesso dos estudantes portugueses a esta universidade, considerada uma das melhores do mundo”. E concluia-se dizendo que “estas novas parcerias visam a internacionalização da investigação científica e tecnológica nacionais, promovendo a criação de emprego científico e qualificado e fomentando a criação e crescimento de novas empresas de base científica e tecnológica, além de impulsionar a mobilidade internacional de estudantes, docentes e investigadores”.

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