Passou pouco menos de um ano. A 5 de janeiro de 2021, André Ventura estava num frente-a-frente com o candidato da Iniciativa Liberal às eleições presidenciais, Tiago Mayan Gonçalves. A 3 de janeiro de 2022, novo frente-a-frente, mas o adversário era outro e a campanha também. Rui Rio, legislativas de 30 de janeiro no horizonte. Num e noutro momento, André Ventura falou sobre a TAP e sobre os apoios públicos para a companhia aérea. “Mudou de opinião”?
Há um ano, Mayan Gonçalves disse que Ventura queria ser “acionista da TAP”, mas “com o dinheiro de milhões de portugueses”. A acusação mais direta viria logo a seguir:
O André Ventura defende mais dinheiro público para a TAP”, disse o candidato liberal.
Assim que tomou a palavra, o líder do Chega defendeu a ideia de que “a TAP é uma empresa estratégica, [algo] que ninguém nega”. E prosseguiu: “É uma empresa que, além de fazer a ligação ao exterior — e também temos as empresas privadas —, é preciso não esquecer, e o Tiago sabe isto, certamente: a questão da TAP não é só a própria empresa, é também todo o emprego e toda a economia indireta que gera à volta da TAP”. Conclusão: “É uma grande irresponsabilidade, Tiago, aparecer neste debate a dizer simplesmente, [como] uma espécie de Bloco de Esquerda invertido, ‘Não pagamos’, que é agora a posição da Iniciativa Liberal. Que é: ‘Não se pague nada, deixe-se tudo falir e o mercado vai funcionar.’ Tiago, isso não funciona assim neste país, não é assim que funciona.”
O vídeo colocado a circular no Twitter termina por aqui a intervenção de há um ano. Consultando a versão completa da declaração de Ventura, o líder do Chega opõe-se ao discurso dos que dizem: “‘Vamos para a frente, de qualquer maneira. A TAP, se falir, faliu, vai tudo para o desemprego, desaparece toda a gente, a empresa acaba e ficamos sem companhia nenhuma de aviação. Que bonito’. É este o país da Iniciativa Liberal.”
A intervenção continua mais uns segundos, até que André Ventura concretiza:
Sim, eu não quero deixar a TAP morrer. Também não estou disposto a deixar que a TAP seja um sorvedouro tipo Novo Banco. Mas não estou disposto a deixar a TAP morrer.”
Nesse ponto, a jornalista Clara de Sousa intervém e questiona diretamente Ventura: “Então, está disposto a fazer o quê?”
E a resposta do líder do Chega: “Estou disposto a que haja um plano de reestruturação, que esse plano seja fiscalizado pelo Parlamento, que seja fiscalizado por comissões independentes, nomeadamente pelo Ministério Público ou por entidades similares e que os portugueses não andem a gastar como fizeram com o Novo Banco. Agora, qual é a solução? É deixar a TAP desaparecer?”.
A questão ficou no ar mas, na verdade, até já tinha sido respondida. Em janeiro de 2021, André Ventura era contra o fim da companhia aérea, defendia a elaboração de um plano de reestruturação e impunha, como limites teóricos, que não se aplicasse à TAP o modelo “Novo Banco”, além de ter passado a defender uma intervenção do Parlamento como fiscalizador do plano de reestruturação da companhia. Aquela formulação não deixava claro se o então candidato presidencial defendia que, logo de início, ficasse definido um limite a partir do qual não pudessem ser transferidas mais verbas públicas para a empresa — nem que limite seria esse, a existir.
Antes de saltarmos para janeiro de 2022 (e para o último debate em análise), uma passagem por 21 de dezembro de 2021, dia em que o ministro Pedro Nuno Santos deu nota pública dos detalhes do plano. Nesse momento, a direção do Chega emitiu um comunicado em que defendia que “tem de haver um limite aos gastos públicos, ou a TAP tornar-se-á o maior sorvedouro existente de dinheiros públicos”. Que valor? Não diz.
Saltamos, então, para a última segunda-feira. No debate com Rui Rio, o tema voltou a estar em cima da mesa. E, desta vez, Ventura disse o seguinte. “O dr. Rui Rio fala muito da TAP, e bem. Não podemos deixar que a TAP seja um sorvedouro de dinheiro público. Mas foi o dr. Rui Rio que viabilizou o Orçamento Suplementar, em 2020, que deu para a TAP sabe quanto? 900 milhões de euros. Sabe quanto era para o Serviço Nacional de Saúde (SNS)? 500 milhões. Rui Rio e o PSD — este PSD — permitiram que fosse para a TAP o dobro do que [foi] para o SNS. Quando eu digo que temos de cortar, é nisto”, conclui Ventura.
Nesta intervenção no debate das legislativas, já como candidato pelo Chega às eleições de 30 de janeiro, o líder do partido volta a defender que a TAP “não pode ser um sorvedouro de dinheiro público”. E volta a não esclarecer que limites de investimento ou de capitalização defende que deviam ser impostos neste dossier. Defende, sim, um “corte” em montantes como o que estava consagrado no Orçamento Suplementar para a empresa: cerca de 900 milhões de euros.
Nas várias intervenções de Ventura sobre este tema, há uma nota coerente ao longo do último ano, período em que o poder político se dedicou a preparar o plano de reestruturação da empresa que apresentaria junto da Comissão Europeia — e que foi, entretanto, aprovado. O líder do Chega não diz a partir de que montante um euro é demais para o Estado injetar na TAP. Nem mesmo quando foi tornado público, a 21 de dezembro de 2021, que o plano tinha recebido luz verde de Bruxelas, sob “a forma de 2,55 mil milhões de euros de capital próprio ou de medidas de quase-capital, incluindo a conversão do empréstimo de emergência de 1,2 mil milhões de euros em capital próprio”, Ventura se pronunciou contra esse valor.
Comparando uma e outra declarações do líder do Chega nos debates, e considerando a falta de posições sobre o montante de ajudas públicas a entregar à empresa, verifica-se uma contradição ou uma mudança de opinião? O autor do tweet concretiza a acusação, ao dizer que “a postura do Chega sobre a TAP diz tudo” porque, há um ano, Ventura era “a favor de salvar a TAP” e, há poucos dias, o mesmo Ventura já “não queria salvar a TAP”.
Verdade? Não é isso que ressalta das intervenções do deputado único do Chega. Ventura não passou a defender publicamente o fim da empresa. Sim, manifestou-se a fazer de uma fiscalização, por parte do Parlamento (ou do Ministério Público, noutra frente), dos apoios públicos concedidos à companhia de aviação; defendeu a fixação de “um limite claro ao dinheiro que os contribuintes gastarão com a TAP”; e chegou a assinalar que os 900 milhões de euros incluídos no Orçamento Suplementar de 2020 eram “o dobro” da verba destinada a reforçar o SNS e que esse era um exemplo de onde o Estado podia “cortar” nos gastos. Mas isso não significa defender que o Estado deva deixar cair a TAP. Esse passo, Ventura nunca chega a dá-lo.
Conclusão
O André Ventura de janeiro de 2022 é mais enfático nas considerações que tece a respeito dos apoios concedidos pelo Estado à TAP. Há um contraste no tom com que fala sobre o tema, no debate com Tiago Mayan Gonçalves, e o que usa no debate com Rui Rio. Mesmo o conteúdo é distinto: no primeiro caso, defende o apoio da companhia sem que lhe sejam ouvidas reservas muito elaboradas a esse respeito (diz, sim, que recusa um “sorvedouro de dinheiros públicos”). E, no segundo caso, defende que casos como os dos apoios públicos à TAP deviam ser a alvo de um “corte”. Mas não diz que a empresa deve deixar de poder contar com o apoio do Estado ou que, a partir de determinada verba, é preciso fechar a torneira do capital e fechar as portas da companhia.
Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.