A suposta revelação poria em causa todas as declarações de Emmanuel Macron — um dos mais acérrimos defensores da vacinação contra a Covid-19 no contexto europeu — durante a gestão da pandemia. Segundo uma publicação que está a ser partilhada em francês, inglês e também em português no Facebook, um médico do norte de França teria descoberto que — em contradição com o que tinha garantido publicamente, e também ao arrepio de todas as mensagens de sensibilização da população — o Presidente francês “não foi inoculado com qualquer vacina Covid”.

No centro desta revelação estaria Michaël Rochoy, um médico de “clínica geral” de Nord-Pas-de-Calais, na faixa de território do país mais próxima do Canal da Mancha. E a descoberta teria sido feita depois de Rochoy perceber, numa consulta ao processo clínico de Macron, que não existia registo de qualquer vacinação contra o novo coronavírus ao Presidente francês. A curta, mas taxativa, publicação de Macron no X (antigo Twitter) — “Vacciné !” —, em maio de 2021, seria, afinal, mentira?

Há um fundo de verdade nestas publicações, mas que acabou por ser extrapolado para um argumento sem qualquer sustentação factual.

A 31 de maio de 2021, Macron deu nota pública de que tinha sido vacinado, através da sua conta no X. Não foram divulgadas fotografias ou vídeos desse momento, ao contrário de outros Chefes de Estado, que não hesitaram em desabotoar a camisa e mostrar-se, sentados num cadeirão, a receber a primeira dose da vacina. A discrição do Presidente foi mais tarde justificada por uma fonte próxima do próprio: “Não há necessidade de [fazer dele um] herói. Ele fez isso [receber a vacina] no dia em que a vacinação foi alargada à população adulta. O objetivo é que isso se torne um ato do quotidiano”, citaram os meios de comunicação franceses.

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É verdade que a divulgação das provas por parte de outros líderes de que esse momento aconteceu (com vídeos ou fotografias) não impediu que se gerassem teorias da conspiração sobre se tinham ou não sido vacinados. Mas a decisão de Macron pode ter aberto a porta à teoria da conspiração que agora recai sobre o Presidente francês. É assim que chegamos a Michaël Rochoy — e à investigação que conduziu e que o levou a ser alvo de um processo e a uma pena administrativa de duas semanas de suspensão do exercício de funções (lá iremos).

Durante meses, desde o início de 2021, o clínico foi alertando o Palácio do Eliseu para uma lacuna — ou um “erro”, como referiu — no acesso aos registos da população francesa. No essencial, Rochoy sustentava que bastava o nome, a data de nascimento e o número da segurança social de um cidadão residente em França para que qualquer profissional de saúde pudesse aceder ao green pass, ou registo de vacinação contra a Covid, dessa pessoa.

Ao fim de vários meses de alertas sobre a existência desta porta aberta para o sistema, e sem que nada fosse alterado na plataforma de forma a preservar os registos clínicos de milhões de pessoas, o médico decidiu ilustrar o problema com um francês em particular: Emmanuel Macron, o Presidente.

Foi então, ao aceder ao registo do líder francês, que Rochoy se deu conta de que entre a data do tweet de Macron — “Vacciné !” — e o seu registo clínico oficial existiam divergências. E é aqui que a história oficial se distancia da versão difundida nas redes sociais.

Os posts difundidos no Facebook, como o que é analisado neste fact check, contam que o médico teria descoberto “que o Presidente não recebeu qualquer dose da vacina Covid”. Na verdade, aquilo que Rochoy constatou foi que no local onde deveria constar o registo de 31 de maio (data do anúncio da toma da vacina) tinha sido inscrita a data de 13 de julho. Ao mesmo tempo, o médico foi dando nota pública no Twitter sobre a facilidade de acesso a registos clínicos no país.

Só por si, a ideia de que Macron teria anunciado ter recebido a vacina cerca de um mês e meio antes de, efetivamente, ter sido vacinado já levantaria suspeitas sobre a forma como o Eliseu geriu o processo de combate contra a pandemia.

Questionado pelo Observador sobre este caso — e sobre se encontrou algum indício que o levasse a suspeitar de que o Presidente francês não foi vacinado contra o novo coronavírus —, Michaël Rochoy referiu enquanto a situação nestes termos: “Emmanuel Macron tornou público, a 31 de maio de 2021, que tinha sido vacinado. E não tenho qualquer motivo para acreditar que isto seja falso.”

É o próprio Rochoy quem avança a primeira explicação para esse desfasamento temporal nos registos. “De acordo com o Mediapart [que acompanhou este caso logo em 2021] e o Eliseu”, Macron foi considerado elegível para a “vacinação a 31 de maio”; foi “vacinado a 31 de maio” (no dia que essa possibilidade foi alargada à população adulta em França); “mas foi registado a 13 de julho”, descreve o médico ao Observador. “A minha teoria (a mais óbvia) é que o médico do Presidente provavelmente preencheu o formulário de eligibilidade a 31 de maio, mas esqueceu-se de clicar em “continuar vacinação” (este foi, possivelmente, o seu único paciente a ser vacinado…)”, acrescenta Rochoy.

A data de 13 de julho não será um acaso em toda esta confusão administrativa. “Sem dúvida, os preparativos para o nosso feriado nacional, a 14 de julho [Dia da Bastilha], tornaram claro que o Presidente não tinha um passe [sanitário] ativo, e isso levou o médico a concluir” o processo administrativo. “A 13 de julho, ele poderia ter reparado que a vacinação foi feita a 31 de maio, mas fez o registo de forma descuidada”, conclui Michaël Rochoy.

Essa mesma teoria já tinha sido expressa pelo clínico que acedeu ao processo de Macron. “Ele pode ter pensado em alterar a data de prescrição, mas não a da vacinação. É um erro absolutamente plausível, mesmo quando se conhece o formulário.” O Palácio do Eliseu chamou-lhe um “imbróglio” técnico.

Tudo isto aconteceu ainda durante o ano de 2021. Mas, esta semana, o clínico voltou a ser notícia por lhe ter sido aplicada uma pena de suspensão da prática clínica por um período de duas semanas, pela consulta (não autorizada) do processo clínico do Chefe de Estado francês. Essa sentença deu origem ao rumor de que Rochoy teria descoberto uma mentira completa — Macron não foi vacinado, apesar de ter garantido o contrário —, quando na verdade se limitou a chamar a atenção para um desfasamento temporal entre a toma da vacina por parte de Emmanuel Macron e o registo dessa vacinação no green pass do Presidente francês (além de procurar alertar para a falha no sistema de registos).

Em momento algum o médico sugere que Macron não tinha tomado, de todo, a vacina contra o novo coronavírus, e chega a apresentar uma explicação para esse lapso.

Conclusão

Não é verdade que o médico de clínica geral Michaël Rochoy tenha denunciado que Emmanuel Macron não tomou a vacina contra o novo coronavírus. Ao Observador, o próprio médico diz não ter qualquer motivo para desconfiar de que a revelação do líder francês de tinha sido vacinado a 31 de maio seria falsa. Aquilo que Rochoy fez foi alertar para uma falha no sistema de registos da toma da vacina, que permitiria uma consulta quase livre por parte de qualquer elemento do serviço de saúde, e constatar uma diferença entre a data em que Macron anunciou ter sido vacinado e a data do seu registo oficial de vacinação.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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