O texto foi publicado a 29 de abril pelo site Notícias Diárias — no mesmo dia em que o primeiro-ministro António Costa recebeu todos os partidos com assento parlamentar para ouvir as suas opiniões sobre o fim do estado de emergência e o levantamento de algumas restrições. O artigo dá conta de declarações da ministra da Saúde, sugerindo que Marta Temido afirmou que o pico da infeção da Covid-19 em Portugal deverá ser atingido apenas no final de maio. Só que estas declarações, apesar de verdadeiras, são de 28 de março. E esta publicação é, por isso, enganadora.
Publicadas um mês depois e exatamente na véspera de serem anunciadas uma série de reaberturas, este texto estabelece erradamente uma relação de causa-efeito entre o levantamento de algumas restrições e um adiamento na incidência máxima da infeção em Portugal. Ou seja, transmite a ideia de que o pico de infeção teria sido adiado para o final de maio por causa das medidas para reabrir alguns estabelecimentos — e que irão ser implementas a partir de 4 de maio.
O texto, publicado a 29 de abril, foi partilhado na página do Facebook do Notícias Diárias a 30 de abril — exatamente no dia em que foram anunciadas as medidas de levantamento de algumas restrições, contribuindo ainda mais para gerar alarme entre os utilizadores da rede social. Só nesse dia, 30 de abril, a publicação foi vista mais de 200 mil vezes e contabiliza já cerca de mil partilhas.
O texto não faz qualquer referência ao dia ou à circunstância em que a ministra da Saúde teria feito estas declarações — que ocorreram na verdade a 28 de março, cerca de dez dias depois de ter sido declarado estado de emergência pela primeira vez. Aliás, o autor escreve que Marta Temido teria realçado que o “adiamento” do pico resultava “das medidas implementadas”. Lida sem qualquer contexto, a frase sugere que a governante se estava a referir às medidas de reabertura de estabelecimentos, quando, na verdade, estava a falar das medidas de confinamento adotadas no primeiro período do estado de emergência, declarado a 19 de março.
Mais: no final do texto do Notícias Diárias é indicada a fonte do mesmo, ou seja, o sítio onde o autor foi buscar informação, numa tentativa de dar credibilidade ao texto. Ora, a fonte que é indicada é um texto do Jornal de Negócios onde, de facto, estão estas declarações da ministra. Só que esse texto é de 28 de março, a data em que Marta Temido efetivamente disse que o pico de infeção tinha sido adiado para final de maio.
Portanto, é enganador utilizar estas declarações como se fossem atuais, até porque as circunstâncias foram mudando ao longo das semanas. Inicialmente, era até impossível prever. A 2 de março, quando foram anunciados os dois primeiros casos de coronavírus em Portugal, Graça Freitas dizia que o pico era “absolutamente desconhecido“. “Não conhecemos a dinâmica deste vírus, a velocidade com que se vai propagar”, dizia a diretora-geral da Saúde.
A 14 de março, na conferência de imprensa diária, Marta Temido ainda não conseguia avançar uma data para o máximo de incidência de infeções, mas explicava que Portugal estava numa curva ascendente: “Não sabemos quanto tempo é que esse movimento ascendente vai durar. Esse comportamento da curva depende da adesão de cada um de nós”.
O que se verificou: a 19 de março o país entrou em confinamento e isso teve efeitos. Dois dias depois, a ministra da Saúde anunciava que, fruto das várias medidas de contenção do surto tomadas, seria visível um “abrandamento da inclinação da curva”. E, por isso, de acordo com os modelos matemáticos consultados pelos especialistas, o pico seria a 14 de abril.
Dez dias depois, a 27 e março, era colocado outro cenário em cima da mesa: o pico poderia, afinal, ser um planalto. Isto é, não só já não iria ocorrer em meados de abril como seria mais longo. “Se calhar temos de começar a falar em planalto: quando chegarmos ao máximo dos casos da curva, andaremos ali alguns dias ou semanas [nessa fase], até porque sabemos que esta doença dura muito tempo”, explicava Graça Freitas.
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Logo no dia seguinte, Marta Temido detalhava que o pico tinha sido adiado para final de maio — as tais declarações utilizadas de forma enganadora — porque os portugueses confinados em casa tinham conseguido abrandar a curva. “Isto indicia que as medidas de contenção que temos todos tomado, como ficar em casa a não ser para ir trabalhar, muitos de nós, estão a ser efetivas”, explicava Marta Temido.
Mas três dias depois, numa reunião entre especialistas, médicos e elite política, na sede do Infarmed, era colocada, pela primeira vez ainda que com muita cautela, a hipótese de o pico já ter ocorrido. A 7 de abril, noutra reunião no Infarmed, essa hipótese era mais real: a incidência máxima de infeção podia ter ocorrido em março. E, finalmente, a 18 de abril, a confirmação: o pico do contágio em Portugal foi entre os dias 23 e 25 de março.
Conclusão
O site Notícias Diárias publicou declarações em que a ministra da Saúde diz que o pico da infeção da Covid-19 em Portugal foi adiado para o final de maio. Só que as declarações, apesar de verdadeiras, são de março. O texto, que fala das declarações como se fossem atuais, estabelece erradamente uma relação de causa-efeito entre o levantamento de algumas restrições anunciadas no dia 30 de abril e um adiamento na incidência máxima da infeção em Portugal. Ou seja, transmite a ideia de que o pico de infeção teria sido adiado para o final de maio por causa das medidas para reabrir alguns estabelecimentos e aliviar o confinamento — e que irão ser implementas a partir de 4 de maio.
Depois, as previsões de quando o pico seria atingido foram mudando à medida que as circunstâncias mudaram também. Por vezes, de um dia para o outro, os dados conhecidos apontavam para diferentes datas de incidência máxima de infeções em Portugal pelo que utilizar declarações de um momento específico noutra data pode gerar confusão nos leitores.
Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:
Enganador
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.
Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.