O reacender do conflito entre Israel e o Hamas continua a revelar-se um cenário produtivo para a desinformação. São muitas as imagens manipuladas e afirmações descontextualizadas que se tornaram virais desde 7 de outubro de 2023, data do primeiro ataque do grupo islâmico a um festival de música perto do kibutz de Re’im. É o caso de várias publicações que se têm espalhado nas redes sociais nos últimos meses, que alegam que um “ator” associado ao Hamas está a fazer-se passar por médico, jornalista, combatente e até vítima de ataques israelitas, em diferentes “vídeos de propaganda” do grupo terrorista. Será verdade?
Num destes posts, o autor escreve que o “ator” aparece “em quase todos os vídeos de propaganda”, em vários cenários, seja “a festejar, ferido, morto” ou a fazer-se passar por “médico” ou “correspondente internacional”. Escreve ainda este utilizador do Facebook que o “Hamas tem estúdios cinematográficos interessantes e cómicos”, em referência às imagens que acompanham a publicação e que, supostamente, mostram o já referido ator , em diferentes contextos. Num outro post semelhante, lê-se que o mesmo jovem fingiu “ser vítima de um ataque aéreo” israelita, mas que, na verdade, se trata de um “famoso ator do Hamas” conhecido como “Pallywood”. Questiona-se ainda, nesta publicação, como é possível “acreditar” em alguma informação vinda de “terroristas”, em referência ao grupo islâmico.
A acompanhar as publicações estão vários vídeos e capturas de ecrã que mostram indivíduos com semelhanças físicas, em diferentes cenários: deitados numa cama de hospital, a ajudar um homem com ferimentos, vestidos com fardas militares ou identificados como jornalistas. Aparecem ainda alegadamente, em simultâneo, a festejar um ataque aéreo do Hamas, mas em pânico após um ataque israelita. Mas será que o protagonista nos vídeos é sempre o mesmo?
Fact Check. Apoiantes do Hamas estão a “marcar” lojas e estabelecimentos comerciais em Moscovo?
A resposta é simples: não. Na verdade, estamos perante diferentes pessoas. Mas vamos por partes.
Usando a ferramenta Google Images, que permite pesquisar imagens em vez de palavras, percebemos que o vídeo que mostra um jovem ferido, em sofrimento, deitado numa cama de hospital, já está online pelo menos desde julho de 2023 — ou seja, alguns meses antes do reacender do conflito na Faixa de Gaza, no dia 7 de outubro. Através da página de Facebook que partilha este vídeo, percebemos que se trata de uma vítima de um ataque israelita ao campo de refugiados de Nur Shams, no noroeste da Cisjordânia ocupada. O ataque foi noticiado em vários meios de comunicação, como o canal Al Jazeera ou o jornal Times of Israel.
A ONG palestiniana InternationalSolidarityMovement chegou a publicar um artigo sobre o jovem retratado: trata-se de Mohammed Zendiq, um rapaz de 16 anos que, no dia 24 de julho, ficou ferido durante uma invasão das forças israelitas ao campo de refugiados. De acordo com o artigo, Zendiq ficou várias semanas internado e teve mesmo de amputar uma perna. Uma publicação posterior, desta vez na rede social Tik Tok, mostra Mohammed já numa cadeira de rodas, acompanhado por algumas das pessoas que o rodeiam no vídeo original. O jovem tem também vários vídeos publicados na conta pessoal do Tik Tok, incluindo vários gravados durante as semanas em que esteve internado e que, igualmente, têm elementos comuns às publicações já referidas.
Mas vamos a um outro vídeo, que mostra um homem alegadamente a passear pelas nas ruas de Gaza. Também através do Google Images, percebemos que se trata de Saleh Aljafarawi, um homem que, na conta pessoal do Instagram, se descreve como criador de conteúdos e cantor. Saleh publicou vários vídeos — onde aparece a andar pelas ruas ou em cenários de guerra, sempre a falar sobre o conflito na Faixa de Gaza —, incluindo as duas gravações referidas nos posts em análise. Um deles foi publicado logo a 7 de outubro, dia do primeiro ataque do Hamas a Israel, e mostra o jovem visivelmente satisfeito, enquanto vê mísseis a cruzarem os céus. O segundo, que mostra Saleh perturbado no que parece ser um hospital, foi publicado a 13 de outubro, já depois de uma semana de conflito.
Saleh foi, igualmente, entrevistado pelo canal Al Jazeera pouco depois do início da guerra, sendo, na altura, apresentado como “jornalista”. Nessa entrevista, relata que foi forçado a viajar do norte para o sul de Gaza, bem como ameaçado diretamente pelas forças israelitas, nomeadamente através de publicações na rede social X, antigo Twitter. Olhando para a conta oficial do Estado de Israel, percebemos que, de facto, Saleh foi denunciado como um “ator do Hamas”.
Based on what we’ve seen from Saleh we can expect to see him in many more roles in the future.
And there are dozens more videos like his online.
Bottom line: pay attention to the media sources you are consuming online. pic.twitter.com/sVAIOyYlj2
— Israel ישראל (@Israel) November 6, 2023
Ou seja, ainda que vários utilizadores aleguem que os vídeos mostram um ator do grupo islamita Hamas, em diferentes contextos, na realidade, as duas imagens — as de um jovem ferido no hospital e as de um jovem, criador de conteúdos, nas ruas de Gaza a mostrar-se a sua satisfação perante os ataques do Hamas contra território israelita — mostram duas pessoas diferentes. Os vídeos estão também descontextualizados e, em alguns casos, foram gravados ainda antes do escalar mais recente do conflito na Faixa de Gaza.
De resto, publicações semelhantes já foram, igualmente, desmentidas por outros fact checkers internacionais, como o da AFP.
Conclusão
Publicação é falsa. Ao contrário do que alegam os utilizadores, os vídeos partilhados têm diferentes protagonistas. Não mostram um ator contratado pelo Hamas, mas sim, respetivamente, um jovem ferido em ataques israelitas e um criador de conteúdos palestiniano pro-Hamas. As redes sociais dos protagonistas comprovam, igualmente, que nem todos os vídeos foram partilhados depois do início do conflito entre Israel e o Hamas.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.