A guerra iniciada pela Rússia em solo ucraniano parece estar para durar. E com isso, várias são as publicações nas redes sociais sobre o tema. Muitas partem de informações credíveis e devidamente comprovadas por órgãos de comunicação social independentes. Outras não, manipulando e disseminando notícias falsas. No caso de uma publicação de Facebook do passado dia 18 de junho, que fala sobre uma suposta medida de Zelensky relativamente a livros russos na Ucrânia, o conteúdo relatado, ainda que não esteja comprovado, entra para a categoria onde é extremamente difícil confirmar a veracidade dos factos. Trata-se, por isso, de uma publicação enganadora.

Publicação viral alega que Zelensky ordenou a destruição de várias obras russas.

“Zelensky ordenou a destruição de qualquer livro publicado, traduzido ou escrito na língua russa, incluindo clássicos como os de Tolstoy ou Dostoiévski. Desde a queima de livros na época de Adolf Hilter que não se via nada igual. Pior: países da NATO encobriram a notícia.” É assim que o autor da tal publicação designa a suposta medida do presidente ucraniano, partilhando também uma imagem de uma suposta notícia que fala precisamente disso: governo de Zelensky ordenou a destruição de 100 milhões de livros. Porém, não existe link acessível ou fonte credível que permita comprovar as acusações feitas na publicação original.

Procurando por notícias do género, só é possível encontrar artigos, em ucraniano, sobre uma suposta intenção de retirar mais de 100 milhões de livros com “propaganda russa” das livrarias da Ucrânia. Essa intenção foi manifestada pela diretora do Instituto do Livro na Ucrânia, Oleksandra Koval. O objetivo, segundo Oleksandra Koval, seria o de retirar, numa primeira fase,”pelo menos os livros ideologicamente danosos publicados durante a época soviética”. “Bem como toda a literatura russa que tenha conteúdo anti ucraniano”, acrescentou, citada por um jornal independente ucraniano, o The Institute of Mass Information. No entanto, durante a entrevista, Oleksandra Koval diz ainda que é da opinião de que todos os livros em língua russa deveriam ser retirados da esfera pública, bem como das bibliotecas escolares”. Exceção feita aos livros científicos que não contenham qualquer tipo de ideologia.

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E já mesmo no fim da entrevista, a diretora daquele instituto diz que, mesmo depois da retirada da “propaganda russa”, cerca de cem milhões de livros em língua russa continuaram a estar disponíveis nas livrarias na Ucrânia, o que representaria perto de metade dos materiais que existem agora.

A 5 de maio deste ano, o ministério da Cultura e das Políticas de Informação da Ucrânia divulgou numa nota pública a intenção de remover literatura russa das coleções disponíveis em livrarias daquele país. O objetivo seria depois substituir essa literatura por obras ucranianas “de alto calibre”, bem como livros de editoras daquele país. Esta medida seria para combater a propaganda russa, que contribuía para a disseminação “das mentiras russas que envenenam tudo à sua volta”, segundo se lê no comunicado de imprensa.

Olhando para as redes sociais oficiais de Oleksandra Koval, de facto, existe um apelo para que se faça um boicote à literatura russa. Não só na Ucrânia mas um pouco pelo mundo inteiro. Apesar de a intenção estar lá, e de ter sido expressa pela diretora do Instituto do Livro na Ucrânia, essa realidade é distinta da afirmação de que “Zelensky ordenou que se destruíssem 100 milhões de livros russos”. Ora, segundo a agência Reuters, no passado dia 19 de junho, o parlamento ucraniano votou para aplicar várias restrições a obras da Rússia, da música aos livros:  a importação comercial de livros impressos em países como a Bielorrússia ou a Rússia estaria banida; passar música russa pós-1991 nos média e em transportes públicos; a proibição de cidadãos russos, a não ser que renunciem à sua cidadania, publicarem livros.

Noutro artigo, neste caso do Kyiv Post, escreve-se que a restrição à impressão de livros russos publicados na Ucrânia não se aplica a materiais publicados até 1 de janeiro de 2023. Por outro lado, qualquer pessoa que traga livros russos, mas que não planeie distribui-los comercialmente (não mais que dez cópias), pode perfeitamente mantê-los durante a sua estadia no país.

Até ao momento não existe qualquer informação credível que confirme que esta “destruição” massiva de livros tenha ocorrido no país invadido. O parlamento ucraniano aprovou uma medida que restringe fortemente a circulação de obras — literárias, musicais e outras —, mas a alegação do post analisado (Zelensky deu ordens para destruir 100 milhões de títulos ucranianos) não tem sustentação factual.

Conclusão

Não é possível aferir, com a máxima assertividade, que Volodymir Zelensky tenha ordenado recentemente a destruição de 100 milhões de livros na língua russa. Das várias informações recolhidas pelo Observador, esta suposta intenção está ligada a dois fatores: a aprovação do parlamento ucraniano de banir conteúdos russos, da música à literatura, do país e a algumas entrevistas por parte de Oleksandra Koval, diretora do Instituto do Livro na Ucrânia, onde a própria alega a intenção de retirar vários livros russos das prateleiras de bibliotecas daquele país. Ainda assim, e como a notícia referida pelo autor não consta de nenhum órgão de comunicação social credível, estas informações carecem de uma confirmação fidedigna.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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