|
|
Museu. Jardim. Esplanada. Rua. Levar a saúde mental aonde é preciso |
“Foi a primeira vez que aquela pessoa entrou num espaço para ter uma consulta [de psicologia] e não se sentiu como uma doente.” |
Arranca assim a reportagem sobre o projeto Consulta sem Paredes que publicámos este fim-de-semana. É uma história de sucesso sobre uma ideia que nasceu em modo experimental há três anos e que, graças a uma equipa de 26 profissionais de saúde mental, já garantiu cerca de quatro mil consultas. |
Os números são interessantes, mas o projeto é muito mais: todos estes atos clínicos – de psicologia, psiquiatria, psicoterapia e terapia familiar – foram realizados fora de consultórios. Fora de hospitais. Fora de clínicas. Fora de enfermarias. Todas estas consultas foram realizadas ao ar livre, em museus ou em espaços de criação artística. |
“Houve casos em que a consulta foi mais densa e eu chorei ou fiquei mais emocionada e ter gente à volta funcionou como proteção”, disse Micaela Fikoff à jornalista Catarina Pires, que assina o trabalho (com fotografias do Tomás Silva). Micaela é uma das mais de 400 pessoas que já beneficiou da iniciativa, dinamizada pelos fundadores do projeto Manicómio, que junta arte, criação e saúde mental e cujas raízes têm mais de vinte anos, primeiro no Hospital Júlio de Matos e recentemente num espaço na freguesia do Beato, em Lisboa (onde têm lugar alguns encontros entre terapeutas e pacientes). “Já tive consultas no consultório mas sinto mais à vontade num lugar aberto. A Consulta Sem Paredes é mais acolhedora para mim do que uma sala, ajuda-me a elaborar melhor as ideias, sinto-me menos ameaçada.” |
Para quem não conhece o projeto, a reportagem é uma novidade que funciona como pedrada no charco num conjunto de modos de funcionamento que continuam a contribuir para afastar as pessoas dos cuidados de saúde mental, acrescentando estigma onde está já está muito presente e erguendo muros onde estes já são muito altos. Numa área – a saúde mental – que talvez tenha deixado de ser considerada parente paupérrimo na família dos cuidados de saúde primários graças à pandemia de Covid-19 mas que continua a ser negligenciada quando se fala de financiamento ou contratação de profissionais, encontrar outros caminhos para chegar a quem mais precisa é um sinal de esperança. |
“Por que não podíamos ter essas consultas com valores mais acessíveis [as consultas custam 35 euros], num sítio bonito, sem listas de espera, num ambiente mais descontraído e numa relação mais horizontal e próxima entre o técnico e a pessoa”, pergunta Catarina Gomes, co-diretora do projeto Manicómio, em jeito de génese da ideia. |
E da ideia nasceu o conceito. A partir do conceito foi montado o projeto-piloto. E deste cresceu uma empreitada que, à sua medida e com dificuldades que foram sendo ultrapassadas aos poucos, contribui para aproximar as pessoas dos cuidados de saúde mental de que precisam. |
Além de Lisboa (no Beato e no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia) e de Cascais (na Casa-Museu dos Condes de Castro Guimarães), o projeto das Consultas sem Paredes deverá chegar a outras regiões do país dentro de alguns meses, com pequenos núcleos de técnicos de saúde mental espalhados por várias regiões. |
Terapia online – entretanto normalizada graças à pandemia –, terapia em caminhadas, terapia ao ar livre, terapia em museus, terapia numa esplanada, terapia num jardim, terapia fora do colete de forças (e a metáfora não é inocente) que prende os pacientes a ideias ultrapassadas e pouco acolhedoras sobre a forma como se pode procurar ajuda. As peças vão-se juntando ao longo puzzle da saúde mental que há cem anos ainda chamava os doentes de “alienados” e que desde então deixou de os isolar em “manicómios”, depois em hospitais psiquiátricos, mais tarde em hospitais centrais para situações agudas e hoje – se tudo correr bem – numa ideia de cuidados comunitários de saúde mental. E – se tudo correr ainda melhor – numa ideia que deixará de considerar a psiquiatria como o lado mais grave de um desafio de saúde mental, abraçando a psicologia e a forma como pode ajudar qualquer pessoa a sofrer menos. |
Há “consultas sem paredes” em Espanha, em França, no Reino Unido, na Bélgica, nos Estados Unidos, no Zimbabwe, na Austrália. A pesquisa fácil na internet revela soluções, ideias, projetos, iniciativas que contribuem, um pouco por todo o mundo, para aproximar quem precisa de cuidados dos profissionais que podem providenciar esses cuidados. Sem paredes nem muros pelo meio. Apenas pontes. Como esta que contámos nesta reportagem. |
Em breve teremos novos artigos sobre saúde mental. Entretanto, estes são os trabalhos mais recentes: |