A palavra “Esquizofrenia” faz parte do nosso vocabulário actual. O conceito foi descrito pela primeira vez em 1893  pelo Psiquiatra Emil Krapelin e teve a sua actual nomenclatura cunhada em 1908 pelo Psiquiatra Eugene Beuler. Apesar de  ser, por vezes, utilizada como um adjectivo para algo incomum, ou estranho, é, na sua verdadeira definição, uma Doença  Mental. O termo deriva de raízes gregas, sendo que “esquizo” significa divisão e “frenia” significa mente. O Psiquiatra  enfatizava que a divisão do funcionamento psíquico é uma característica fundamental da doença. Desde a sua descrição inicial, houve avanços científicos significativos no diagnóstico, compreensão e tratamento dessa doença.

O estigma contra as pessoas com esquizofrenia está muito presente e manifesta impacto negativo na relação com  o outro, leva a exclusão social e discriminação. A esquizofrenia está associada a crenças estigmatizantes e equívocos, entre os quais as mais prevalentes são a associação a perigo e violência, diminuição da inteligência e competências, imprevisibilidade  e não confiabilidade, ou a não existência de tratamento. Existe percepção errada que a pessoa doente não é capaz de ter uma  vida estável, estabelecer compromissos ou que é incapaz de funcionar em sociedade, mas na realidade as pessoas com este  diagnóstico são mais propensas a serem vítimas de violência e não o contrário.

Segundo a Organização Mundial de Saúde esta doença afecta aproximadamente 24 milhões de pessoas ou 1 em  cada 300 em todo mundo. “A genética predispõe, o meio espoleta”, actualmente não se acredita que exista causa única na sua génese, a interação destes referidos elementos poderão condicionar o aparecimento da doença. Sabe-se também que o consumo de substâncias, nomeadamente a cannabis, está associado a um maior risco de desenvolvimento de doença.

Falamos de uma doença crónica, o que significa que, uma vez diagnosticada, ela afecta a pessoa ao longo da vida,  com impacto em diferentes áreas como: pensamentos, emoções, comportamento, relações interpessoais, emprego e autocuidado e outras áreas importantes da vida, de maneira episódica e continua. O diagnóstico médico é estabelecido com  base em critérios de sistemas de classificação reconhecidos, elaborados a partir do estudo contínuo da doença. É importante  destacar a importância de diferentes olhares especializados, de equipas multidisciplinares e a perspectiva da pessoa doente para uma melhor compreensão de como a doença se manifesta e seu impacto real no dia a dia. Dessa forma, é possível  desenvolver um plano de tratamento mais personalizado, com melhores resultados terapêuticos.

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A esquizofrenia é, portanto, uma doença complexa, caracterizada por perturbação em diferentes domínios mentais.  Os sintomas desta doença podem ser divididos em positivos e negativos. Os sintomas apelidados de positivos poderão ser delírios (“realidade privada” com impacto no livre curso da vida de uma pessoa), alucinações (experiência sensorial reconhecida como real, mas sem existência de fonte exterior), perturbações da estrutura do pensamento ou comportamento  muito desorganizado. Por outro lado, os sintomas negativos são a perda de capacidade de associação lógica, isolamento, apatia, perda de vontade, prejuízo da atenção e memória, dificuldade no planeamento de tarefas e organização do dia a dia,  entre outros sintomas. Enquanto os sintomas positivos tendem a estar presentes de forma persistente, mas episódica (episódio psicótico), e respondem mais favoravelmente ao tratamento farmacológico, os negativos necessitam de uma abordagem mais integrativa e tendem acompanhar a pessoa ao longo do percurso de vida. A presença ou a ausência, a extensão e impacto destes sintomas no dia a dia estão dependentes das características individuais, de abordagens  farmacológicas e não farmacológicas.

Embora não haja uma “cura” definitiva, há diferentes abordagens em constante desenvolvimento que permitem  uma gestão cada vez mais adaptada, precisa, com menos efeitos secundários, e com resultados terapêuticos cada vez mais  positivos. A medicação antipsicótica, abordagem psicofarmacológica central da doença, surge nos anos 1950, sendo a sua formulação injectável (de longa duração) dos anos 60. Estas descobertas revolucionaram o tratamento desta doença. Esta  classe farmacológica permite redução dos sintomas positivos e melhor controlo dos sintomas negativos. A formulação injectável veio permitir melhoria da adesão ao tratamento e maior prevenção de recaídas. A prática clínica tem assistido ao  desenvolvimento progressivo destes psicofármacos desde os antipsicóticos apelidados de “primeira geração”, até aos mais  recentes considerados de “terceira geração”. A escolha mais adequada do psicofármaco irá sobretudo depender da  manifestação da doença na pessoa. Mantendo o foco de eficácia e eficiência nos sintomas descritos, verifica-se o progressivo  desenvolvimento de moléculas com menos efeitos secundários (a curto e a longo prazo). Esta melhor tolerabilidade e segurança estão associadas a melhoria de adesão de tratamento, sendo também um factor preponderante na escolha da  terapêutica mais adequada para a pessoa em tratamento.

A abordagem da pessoa doente envolve também medidas não farmacológicas. Falamos de acções e psicoterapias dirigidas por equipas multidisciplinares compostas por Enfermeiro especialista, Psicólogo, Psiquiatra, Terapeuta Ocupacional, assim como Assistente Social e Auxiliar de Acção Médica com formações especificas. Consiste em acções directas de apoio, sessões de psicoeducação, psicoterapia individual, psicoterapia em grupo, terapia ocupacional, terapia  familiar, treino de competências sociais, terapia pela arte, remediação cognitiva, terapia vocacional, grupos de suporte,  formação de cuidadores, acções comunitárias de sensibilização, entre outras medidas. Estas técnicas, também elas em  crescente desenvolvimento e estudo, contribuem para uma gestão mais eficaz dos sintomas, melhoram sensibilidade e apoio social e comunitário, com resultado último na melhoria da qualidade de vida da pessoa em tratamento, com efeitos positivos  a longo prazo. O advento das tecnologias de informação e comunicação trouxe também novas opções terapêuticas através do uso de telefone, computador, smartphone, tablet, óculos de realidade virtual/aumentada, com recurso a inteligência artificial.  Estas ferramentas permitem acesso facilitado a cuidados de saúde, detecção precoce de sintomas, intervenções terapêuticas, gestão de medicação, treino cognitivo e reabilitativo, educação e apoio, ou a colheita de dados pertinentes para uma descrição mais pormenorizada e personalizada das manifestações da doença na pessoa.

Existe um número crescente de estudos que  demonstram a validade com resultados positivos e promissores destas “novas” abordagens terapêuticas.  A pesquisa e avanços científicos nesta área são contínuos e a colaboração entre a pessoa em tratamento, os serviços  de saúde, a academia, a indústria e a comunidade são essenciais para o desenvolvimento e melhoria dos cuidados de saúde  prestados.

Receber o diagnóstico de esquizofrenia não é uma “sentença”, embora tenha um impacto negativo na vida. Não cativa a capacidade de desfrutar de emoções positivas, de actividades prazerosas individuais ou em grupo, de manter um emprego, ter amigos ou família. Ter uma doença faz parte de quem somos, mas não nos define por completo. A esquizofrenia  afecta diferentes áreas da vida e é experienciada de forma única por cada pessoa. É importante que a pessoa com  esquizofrenia possa ter mais conhecimento sobre a doença e sobre como a doença se manifesta em si, tal como é fundamental  que todas as pessoas conheçam esta doença e que estejam atentas às limitações e necessidades específicas individuais, de uma forma empática e compassiva.

O autor escreve segundo acordo ortográfico de 1990.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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