Esta semana vim aos EUA para uma conferência de estudos de segurança. Viajar é, como diziam os clássicos, sempre uma educação. O que aprendi ou reaprendi desta vez?
A guerra da Ucrânia, os EUA e nós
Este foi o tema incontornável da conferência em que participei, reunindo especialistas de todos os EUA e não só, na Universidade da Flórida. Foi assim nas sessões de trabalho e nos momentos informais, embora à partida a conferência abrangesse todos os temas de segurança global. No meio de muitas incertezas, ficou evidente que, se há europeus que acham que os EUA estão a lucrar com guerra, entre os especialistas norte-americanos é muito claro que são eles que continuam a garantir o essencial da segurança da Europa. E têm dados sólidos para o afirmar, em termos de quem forneceu mais dinheiro e mais armas à Ucrânia, para não falar dos mais de 100.000 soldados norte-americanos na Europa, nomeadamente nos países da linha da frente com a Rússia.
Aqueles que acham que o problema de falta de paciência com uma certa complacência europeia no campo da defesa se resume a Trump estão iludidos. É fundamental que as promessas europeias de investimento reforçado na sua defesa se concretizem, se traduzam em capacidades militares efetivas e em disponibilidade para as usar, pelo menos na defesa da Europa e na gestão de crises na sua vizinhança próxima. Caso contrário iremos reforçar uma corrente mais isolacionista e mais nacionalista nos EUA, pondo a NATO em risco, se não de extinção, pelo menos de paralisia. Imaginam o que seria a Europa enfrentar a invasão russa da Ucrânia com Trump na Casa Branca? A maioria das elites europeias não quer pensar num mundo sem os EUA ativamente envolvidos na segurança europeia. Mas é bom que percebam que a possibilidade existe e ajam em conformidade. Trump pode estar em queda nas sondagens. Mas a tendência para maior retraimento, e maior atenção ao Indo-Pacífico, vai para além dele ou do Partido Republicano.
Também houve, infelizmente, grande consenso sobre as dificuldades de uma paz rápida na Ucrânia. Embora muitos considerem vital manter canais de comunicação com Moscovo, até para gerir o risco de escalada, poucos acreditam que haja condições para uma paz rápida e negociada.
Um grande país
Nada como viajar pelos EUA para ser relembrado da sua enorme diversidade e dimensão. O sistema político norte-americano muitas vezes parece-nos disfuncional. E tem reais problemas. Eles resultam, por exemplo, de as regras eleitorais, mesmo para eleições nacionais, estarem nas mãos dos 50 Estados. Mas muito do que pode parecer disfuncional resulta de um sistema constitucional desenhado para evitar uma excessiva centralização de poder num país destinado a ter uma dimensão continental. Hoje os EUA são o terceiro maior país do Mundo, com mais de 9 milhões de km2, para não falar da grande diversidade dos seus 330 milhões de habitantes, alimentada por sucessivas vagas migratórias.
Desta vez “só” tive de fazer três escalas para chegar à Universidade da Florida, em Gainesville. Mas passei de um verão em Dezembro – embora um taxista me tenha informado que estava relativamente fresco, “só” 26º C – para uma invernosa capital. Há diferenças importante mesmo no interior de um único Estado. Disseram-me que na Florida “the more you go North, the more you feel in the South”! Ou seja, culturalmente, o norte da Florida está mais próxima do resto do Sul dos EUA. Já a maior cidade do sul da Florida, Miami, é muitas vezes apelidada de “capital da América Latina” por causa da enorme e influente comunidade hispânica.
O que nos importa isto? Alguma coisa, tendo em conta que o presidente dos EUA tem um grande impacto na vida global e a Florida é um dos Estados que tem sido decisivo nas eleições presidenciais norte-americanas. Depois de, durante o seu primeiro século de existência, a Florida, como outros Estados no Sul, ter sido geralmente dominado pelo Partido Democrático. Nas últimas décadas tornou-se num dos mais importantes Swing States – aqueles que ora votam num, ora noutro dos dois partidos que dominam a política norte-americana desde o século XIX. Há outros fatores a complicar a complexa geografia política norte-americana. Primeiro exemplo, Gainesville e o respetivo município, Alachua County, são solidamente democráticos, como é o caso da maioria das cidades universitárias nos EUA. Segundo exemplo, a comunidade latina, pelo menos na Florida, parece estar a tornar-se mais Republicana.
Esta semana os democratas podem celebrar o fim das eleições intercalares com a importante conquista de uma maioria, ainda que mínima, no Senado. Foi assim graças à eleição, na segunda volta, de mais um senador democrático pela Geórgia. Nesse Estado o vencedor tem de ter uma votação acima dos 50% ou há uma segunda volta. Mas se a Florida se tornar solidamente Republicana a situação pode tornar-se bem mais difícil para os Democratas nas próximas eleições presidenciais, em 2024. Dos quatro Estados mais populosos dos EUA, e que têm mais votos no Colégio Eleitoral que escolhe o presidente, a Florida era o único que oscilava entre Democratas e Republicanos. Os outros três – Califórnia, Nova Iorque ou o Texas – são previsivelmente Democráticos ou Republicanos. O que é garantido é que, na política como no resto, os EUA continuarão a dar espetáculo, e é um espetáculo importante para o resto do Mundo.