“Estima-se que, até 2050, vão existir 200 milhões de refugiados climáticos.” — Ia o primeiro debate para as Europeias ali pelos 13 minutos quando o candidato do Livre, Francisco Paupério, anuncia ir em seguida a um “ponto fundamental”. O ponto fundamental era o recente Pacto da UE para a Migração e Asilo. Para Francisco Paupério o pacto não está “preparado para esse acontecimento”. Qual acontecimento? A chegada à Europa de milhões de refugiados climáticos. Mais precisamente de 200 milhões de refugiados que, sem explicar porquê, Paupério afiança se vão dirigir para a UE: “Estima-se que, até 2050, vão existir 200 milhões de refugiados climáticos. Esses refugiados climáticos vêm sobretudo das zonas do Médio Oriente e do Norte de África e vão ter sobretudo o objetivo de chegar à União Europeia, à procura da liberdade e da democracia que tanto defendemos e este pacto não está preparado para esse acontecimento.

Para lá do óbvio (pacto algum consegue preparar um território para a chegada em tão curto espaço de tempo dum número de migrantes que ultrapassaria os 25 por cento da população residente), Paupério, que haveria de ser considerado a grande revelação do debate por muitos comentadores, não perde tempo com detalhes nem contradições. Por exemplo, se as alterações climáticas evoluírem como antecipado por alguns especialistas, os países da União Europeia, também eles quotidianamente assolados por emergências climáticas, não são de modo algum o melhor destino para os refugiados climáticos. Aliás, e por ironia, um dos países mais beneficiado nos cenários das alterações climáticas é a Rússia que, a fazer fé nas declarações feitas no ano passado pelo seu representante no Fórum Económico da Eurásia, irá ganhar mais de 40 milhões de hectares de terras agrícolas com o aquecimento global.

A explicação para este aparente paradoxo – os refugiados climáticos fogem para territórios também eles em emergência climática – está no final da explicação de Francisco Paupério: “Esses refugiados climáticos vêm sobretudos das zonas do Médio Oriente e do Norte de África e vão ter sobretudo o objetivo de chegar à União Europeia, à procura da liberdade e da democracia que tanto defendemos”. Num passe de mágica os refugiados climáticos deixaram de ser refugiados climáticos e passarão a demandar a UE em busca da liberdade e da democracia. Onde irá Paupério fundamentar esta última garantia, a de que os refugiados climáticos apoiam o modelo da UE de liberdade e democracia? A experiência com as recentes levas de refugiados na Suécia, Alemanha ou França mostram que, entre os refugiados acolhidos nestes países, vários mostram pouco apreço, para não dizer desprezo, pelo modo de vida europeu.

Paupério não está a falar de clima. Está a fazer política. Os bons libertadores do hemisfério norte, depois de terem anunciado durante décadas o melhor dos mundos possíveis às nações nascidas dos processos ditos de descolonização, e que mais não foram que processos de entrega à tutela soviética dos novos estados, falam agora como se esses territórios não tivessem outro futuro além da emigração com destino à mesma Europa de que outrora os quiseram libertar.

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Obviamente não assumem que o modelo a que chamaram libertação levou frequentemente a estados falhados ou na melhor das hipóteses a oligarquias ditatoriais. O seu sonho é agora usar esses povos na versão refugiado, uns dias climático, noutros político, noutros imigrante, para erodirem as democracias liberais, cujos estados, por obra e graça do emergentismo, são reduzidos a uma espécie de ONG. A emergência substituiu a revolução como factor detonante duma alteração inexorável. O ambiente místico-irracional que se gerou em torno do clima legitima tudo e o seu contrário. Francisco Paupério dá conta disso mesmo ao ser interrogado sobre o que deveria fazer a UE perante os 200 milhões de refugiados: na UE deveria “haver corredores humanitários para essas pessoas” e a UE “ter programas de inclusão que funcionem”. Ora para uma tal percentagem de imigrantes não existem programas de inclusão nem corredores humanitários, existe sim uma tragédia mais que anunciada.

O candidato Paupério é livre de defender o que entende. O que não se entende (ou pelo menos eu não entendo) é a anomia com que suas propostas foram recebidas. Uma anomia reveladora da forma como, por autocensura, desistência ou fatalismo, nos deixámos aprisionar na armadilha ideológica do emergentismo.

P.S.Cerca de 20 estudantes estão bloqueados no interior do edifício C, de dois andares, da FCSH na Avenida de Berna em Lisboa para reivindicar um cessar-fogo imediato em Gaza e o fim ao fóssil até 2030.” Os meninos rabinos do fim ao fóssil são a nova versão das criancinhas que antigamente ameaçavam suster a respiração se não lhes fizessem as vontades. Como bem sabe quem já lidou com birras (e também quem as fez) as birras só resultam porque o birrento conta com o embaraço que gera nos outros. O pior que pode acontecer a um birrento é deixarem-no a fazer birra sozinho. Ora é precisamente isso – deixá-los a fazer a birra sozinhos – que defendo para os 20 estudantes que se bloquearam no interior do edifício C, da FCSH na Avenida de Berna, em Lisboa, para reivindicar um cessar-fogo imediato em Gaza e o fim ao fóssil até 2030.

Por favor, deixem-nos ficar lá! Sem aquecimento, sem água, sem electricidade e obviamente sem telemóvel, internet, mensagens nas redes sociais e pedidos de comida, tudo bem aventuranças resultantes não só do recurso ao fóssil mas também do progresso tecnológico em que Israel tem um lugar de destaque. Assim estas 20 criaturas podem antecipar o que nos aconteceria caso se cumprissem as suas reivindicações. Quando finalmente resolverem sair contam-nos como foi. Obrigada, e por mim até o mais tarde que puder ser.