Era uma vez uma poderosa geração que acordava cedo, fazia atividade física, se arrumava correndo, pegava trânsito, respondia mensagens sem olhar para o lado, ia trabalhar, entregava prazos e mais prazos, almoçava com pressa, ignorava pedintes, trabalhava mais e mais, pegava trânsito, respondia mais mensagens, tinha momentos corridos e raros em família, recorria a uma dose de álcool ou a algum comprimido calmante, ia para a cama tarde.

Com ou sem casamento, com ou sem filhos, era mais ou menos essa a rotina. Pressa era a palavra de ordem. Tempo era o que mais faltava. Chegava a ser uma queixa sexy “nossa, estou sem tempo até para respirar”. As pessoas gostavam de dizer isso, achavam chique. Coisa de gente bem sucedida. Era uma geração de meteoros. Um brilhava mais do que o outro, um corria mais do que outro. A única semelhança residia no poder: cada um em sua profissão, todos acreditavam que estavam no controle.

Até que surgiu um vírus. Um vírus em formato de coroa, rindo daqueles que se acham os verdadeiros príncipes e princesas batalhadores do século XXI. O vírus deu uma olhada e riu deles: por bem ou por mal vocês vão ter que parar, meus queridos. O vírus deu uma gargalhada quando descobriu que essa geração achava que controlava o mundo, os mercados, o comércio, o tempo, o poder, o futuro. O vírus riu com gosto. Logo ele, minúsculo, invisível.

O vírus veio e, quanto maior a arrogância dos sujeitos, mais categóricas eram as afirmações a seu respeito: escândalo. Bobagem. Drama. É só uma gripe. É só uma coisa temporária. É só. É só. O vírus ouvia tudo isso e se perguntava “como eles podem dizer tantas coisas sobre mim sem fazer ideia de quem eu sou?”. O vírus estava extremamente surpreso com as inúmeras verdades absolutas que aquela geração julgava saber.

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E então ele decidiu que eles precisavam ter um pouco mais de consciência da sua pequeneza. Assombrou as ruas até que todos tivessem que se trancar em casa. Riu daqueles que tinham armas. Riu daqueles que tinham carros que andavam em alta velocidade. Matou gente rica. Gente importante. Contaminou a realeza. Contaminou estrelas de Hollywood. Contaminou influencers do Instagram. Diferente de quase todas as grandes ameaças contemporâneas, não poupou os donos das contas bancárias mais robustas.

Estagnou os mercados. Parou produções. Mandou empregados para casa. Seria ele, a famosa mão invisível? Quando o vírus achou que não poderia se surpreender ainda mais com a arrogância humana, ouviu presidentes dizerem que aquilo era um alarde. Ouviu empresários dizerem que “era uma pena se alguns morressem, mas que a economia não podia parar”. O vírus ficou surpreso, achou que as pessoas ligavam mais umas para as outras. Parece que não.

A verdade é que o vírus estava pela terra de passagem. Estava indo para uma outra galáxia, onde ele não ameaça ninguém. A passagem por aqui era só uma escala. Mas ele percebeu rapidamente que não poderia ir embora. Percebeu que assim que ele partisse as pessoas voltariam para suas vidas como se nada tivesse acontecido. E começariam a correr outra vez. E voltariam a não olhar para os lados. E voltariam a acreditar que são poderosas, soberanas. Voltariam a achar que o mundo é algo que os homens controlam.

E então o vírus resolveu ficar. Enxergou isso como uma espécie de missão. “Enquanto eles não aprenderem, eu fico”. Acomodou-se confortavelmente em bancos de praça, em assentos de transportes públicos, em prateleiras de supermercado, em lábios cobertos por batom vermelho, em mãos que controlam milhares de dólares. Dizem por aí que o vírus não para de repetir “enquanto eles não aprenderem, podem ter certeza de que eu fico, enquanto eles não aprenderem, podem ter certeza de que eu fico.”.