O insulto está na ordem do dia. Insulta-se cada vez com maior frequência e menor consequência. Há alguns séculos – ou mesmo décadas -, um insulto, ainda que subtil, era pretexto para um duelo. Alguém morria, ou ficava diminuído, e o assunto estava encerrado.
Hoje, não se duela – insulta-se, e não se passa nada.
Há o insulto público, tão generalizado que já ninguém liga: é o que se passa entre condutores na via pública, seja o insulto verbal ou gestual, intimista – “grande besta” murmurado para o parceiro do lado ou para os próprios botões, que não respondem – ou estentóreo – um impropério lançado janela fora ao espertalhão que mudou de faixa sem fazer sinal.
Há o insulto audiovisual, de que é exemplo o futebol falado na televisão, insulto rasteiro, alto e em estereofonia, ou mesmo em polifonia. Pela frequência, diária, pelo número de canais ocupados, cinco e seis à vez, pela qualidade dos intervenientes, entre o analfabeto e o escasso alfabeto, pela rastejadura constante, é dos mais tristes ultrajes à arte nobre do insulto.
Há o insulto parlamentar ou político, cujo clássico português é o gesto do ministro em plena assembleia a imitar um touro prestes a investir. Num areópago onde a justa verbal é inevitável e clássica, importaria definir os limites do admissível e proibir a sua ultrapassagem, distinguindo o arroubo discursivo, o insulto elegante e elevado do vitupério indigno da representação popular.
E há ainda, finalmente, o insulto generalizado, melhor, o insulto que se generalizou. Vive na Internet, nas redes sociais, nas caixas de comentário, é em geral soez e básico, constituindo um verdadeiro veículo de comunicação, lixo atirado contra o lixo recebido. Todos quantos frequentam esse novo espaço público, sejam cronistas ou simples comentadores, habituaram-se a ser insultados com liberalidade por outros cronistas ou comentadores. Fazem mal. Não se trata de liberdade de opinião, mas de liberdade da “bandalheira” (perdão) que gera o caos.
Quem insulta assim quer resposta; crê ganhar importância. Pública visibilidade. Está enganado, pois até para insultar é preciso inteligência. O insulto não é em si mesma uma coisa má. Há que saber insultar. Em tempos idos, a capacidade de insultar com inteligência era um sinal de civilidade e cavalheirismo. Aqui ficam alguns conselhos, à laia de guia para um bom insulto.
- Insulte com inteligência, com um toque de paradoxo. Como por exemplo, na frase de Talleyrand sobre Chateaubriand “julgava-se surdo, porque há muito tempo não ouvia ninguém falar dele”.
- Insulte com inteligência, com um qb. de ironia: “Fizeste-te a ti mesmo e veneras o teu criador” (adaptação livre de uma frase de John Bright sobre o primeiro ministro inglês Disraeli). Ou o célebre, de Óscar Wilde, “ele não tem inimigos, mas é intensamente detestado pelos seus amigos”. Claro que a ironia deve estar tão próxima do real quanto possível, não pode ser um simples jogo de palavras…
- Não use palavrões para insultar (nem para fazer rir, já agora). Não é que não possam resultar, é que levam o insultado a ripostar na mesma moeda e lá se perde a capacidade de insultar com inteligência. Os palavrões, explica a ciência, têm origem no sistema límbico e não nas zonas mais nobres do cérebro, pelo que em geral respeitam a dois elementos básicos (e fundamentais) da existência, o sexo e os excrementos. Usar palavrões é por isso recorrer ao básico da existência e não dignifica quem os usa, não tem em geral graça senão ao mesmo nível (básico) e não estimula respostas inteligentes geradas no neocortex, onde moram os pensamentos elevados.
- Não grite quando insulta. Vai receber gritos de volta e o resultado será uma grande gritaria. Não resulta, acredite.
- O insulto mais poderoso é aquele em que quem insulta prova no processo a inferioridade do oponente. Um sorriso irónico, mas não demasiado ostensivo, deve pontuar a frase insultuosa, sendo ainda melhor manter um ar neutro, simpático até.
- Insulte como quem graceja, num tom prazenteiro. Escreveu Bernard Shaw: “Mark Twain e eu (…) pomos as coisas de modo a fazer as pessoas, que de outra forma nos enforcariam, acreditar que estamos a brincar”. Não era o caso de Churchill que, sobre um ministro trabalhista disse certa vez “tem todas as virtudes que eu detesto e nenhum dos vícios que aprecio”.
- Um insulto tão inteligente que o insultado não perceba demonstra per se tudo aquilo que o insultante busca provar sem necessidade de mais nada. É brilhante, mas frustrante, se não houver espectadores, pois o insultado continuará a considerar estar a razão do seu lado. Não havendo testemunha que o comprove, mais vale fazer-se entender, o que quem insulta com elevação sabe perfeitamente fazer, pondo-se ao nível do ou dos visados.
- Não repita os insultos, tornam-se vazios e sem efeito.
- Seja tão sucinto quanto possível, muitas palavras perdem-se pelo caminho e com elas o sentido do insulto. Mas lembre-se que um bom insulto tem de conter algum ácido. Tem de ser memorável, pode ser injusto por vezes, como o célebre “a música de Wagner é melhor do que soa”, de Mark Twain, mas nunca revela raiva ou indignação.
- Um bom insulto é muito melhor do que um elogio insincero. Até para o insultado.
O insulto fácil e límbico, a injúria, rebaixam quem os usa e quem os recebe. Ao invés, a estética do insulto inteligente é a da beleza sublime. Quem insulta sem graça nem elevação perde a razão, mesmo que a tivesse antes de abrir a boca ou fazer um gesto. E isso vale para todo o tipo de insulto, o público, o audiovisual, o político ou o do espaço público digital.
Mas o pior de tudo é a banalização. Do palavrão ao insulto, só uma coisa é proibida: a vulgaridade. Pena é que seja tão vulgar…