No final do século XX a economia alemã estava estagnada e o desemprego ultrapassava os 10%. O financiamento da segurança social e do próprio estado social era uma preocupção séria, agravada com a aproximação da idade de reforma dos baby-boomers e o não aumento da população. Eram precisas reformas: das leis laborais, do financiamento da segurança social e do sistema fiscal. Foram essas reformas que Gerhard Schröder apresentou na sua agenda 2010 e que levou a cabo durante a sua chancelaria.

As reformas de Schröder implicaram o fim de certas protecções laborais dos trabalhadores, o que tornou a contratação mais fácil às pequenas e médias empresas; permitiram a expansão do trabalho temporário e de curta-duração, o que ajudou as novas empresas a estabelecerem-se no mercado; simplificaram-se os apoios ao desemprego, procederam-se a cortes nos impostos que correspondem aos nossos IRS e IRC e criaram-se as chamadas taxas ambientais que impulsionaram uma indústria mais amiga do ambiente, bem como à criação dos respectivos empregos; foi aumentada a idade da reforma para os 67 anos e deu-se liberdade aos trabalhadores para que aderissem a planos de reformas privados; atribuiu-se a cidadania aos imigrantes que viviam na Alemanha, de forma a tornarem-se parte integrante do país e do esforço para o financiamento do estado social; estendeu-se o horário de funcionamento das escolas, o que facilitou a vida a muitas famílias que não conseguiam conciliar a escola dos filhos com os seus empregos, além de se aumentarem as licenças de maternidade e de paternidade.

Gerhard Schröder era socialista. Levou a cabo reformas como a referidas porque entendia que o futuro do estado social dependia de mais crescimento económico e que este só se conseguia com mais liberdade. Ao fazê-lo, Gerhard Schröder preparou a Alemanha para o século XXI.

Gerhard Schröder era socialista. Este aspecto é muito curioso porque nenhum socialista encetou em Portugal reformas com a mesma amplitude. Os Alemães tiveram Gerhard Schröder. Porque é que nós levámos com José Sócrates e António Costa?

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O que Schröder fez na Alemanha é o que há anos discutimos ser urgente fazer em Portugal. Se assim é, por que não o fizemos também? O que se passa com os socialistas portugueses para que sejam tão retrógrados? Para que estejam tão presos às ideologias que os factos comprovam levar à pobreza? Porquê tanta teimosia? Porquê tamanha estagnação?

É possível que a história acabe por recordar o ex-chanceler alemão com mais simpatia que os seus contemporâneos. Depois de Schröder, o SPD perdeu as eleições de 2005, 2009, 2013, 2017 e se este ano as venceu foi por uma unha negra. Se em 1998 obtiveram mais de 40% dos votos expressos, em 2017 ficaram-se pelos 20%. Mesmo a vitória deste ano foi alcançada com apenas 25%. Um futuro governo liderado pelos socialistas alemães vai implicar muita cedência, muita paciência e muita persistência. Ser socialista alemão não foi fácil nos anos que já passaram e não será fácil nos que virão.

É este tipo de dificuldades que um socialista português não está disposto viver. Um socialista português não quer dividir, mas simplesmente reinar. O país é dele. Para quê ser sábio? Para quê o sacrifício? Para quê o altruísmo? Para quê o desafio? Não será com certeza para, eventualmente, ser reconhecido pela história. A ambição imediata não se alimenta de história nem do reconhecimento público dos que ainda não votam ou sequer nasceram. Mais: quem conheça a história portuguesa sabe que somos um povo de fraca memória. Os socialistas portugueses não encetaram qualquer reforma, nunca vão levar por diante uma que seja porque não querem pagar o custo político dessas mesmas reformas. Na verdade, enquanto na Alemanha o SPD perdeu quatro eleições consecutivas, por cá dificilmente o PS sai do poder. O país está estagnado há mais de 20 anos e é dessa estagnação que os socialistas vivem. Para quê mudar?

É sabido o quanto D. Pedro V desprezava os políticos portugueses. Não gostava de Saldanha, que se considerava inteligente quando não passava de um bom intriguista, e desconfiava do entusiasmo de Fontes Pereira de Melo. Nem o príncipe Alberto, marido da rainha Vitória e tio que tanto apreciava, o convenceu das qualidades deste último político. O rei queria modernizar o país mas, e conforme Maria Filomena Mónica retrata na biografia que sobre ele escreveu, “horrorizava-o a ignorância popular, o fanatismo dos padres e a corrupção dos políticos”. Quando subiu ao trono, D. Pedro pretendia (e volto a citar Maria Filomena Mónica) “estimular os melhoramentos materiais, impedir a centralização do Estado, apoiar-se em políticos competentes, fazer eleições limpas, insistir para que se fizesse um registo da propriedade pública, fomentar a instrução pública e, tanto quanto possível, diminuir as desigualdades sociais.” A apatia do país alimentada e aproveitada pelos políticos que o rodeavam, deprimia-o.

O mais extraordinário na história portuguesa do século XIX é o quanto esta se repete nos nossos dias. Cada político de então, a sua personalidade, crenças, sonhos, desejos, pequenez, se espelha nos actuais. Eram poucos os que sobressaíam (Palmela, Lavradio) como são poucos os que actualmente se realçam pela positiva. Os banais lá terão as suas razões. Na verdade, praticamente ninguém se recorda do Duque de Palmela e do Conde do Lavradio. Um dá nome a uma rua secundária em Lisboa, enquanto o outro nem isso. Entretanto, o Saldanha é cada vez mais o novo centro da capital. Já há 160 anos se destacavam os que sabiam como sobreviver. Caso regressasse, D. Pedro V ficaria ainda mais abatido, mas sentir-se-ia vingado. No fundo, ele conhecia Portugal melhor que ninguém.