A falta de dinheiro continua a condicionar a solução definitiva para o crédito malparado nos bancos, um problema que mereceu a atenção do FMI na sua última avaliação pós-programa.  A plataforma que se quis criar, um meio de entendimento mais rápido para devedores em falta em vários bancos – regra geral no trio CGD, BCP e Novo Banco – tem dado resultados muito pouco visíveis. Só para dar um exemplo, um dos casos ainda por resolver é o de Joe Berardo, com uma dívida superior a 900 milhões de euros distribuída quase em partes iguais por aquelas três instituições – a CGD tem um pouco mais do que os outros.

Podemos começar o ano a dizer que já se vê luz ao fundo do túnel porque a CGD registou lucros e o BCP vai no seu segundo ano com resultados positivos. Mas é uma luz ainda muito longínqua, se considerarmos que a Caixa tem os seus resultados apoiados no negócio fora de Portugal e na valorização da dívida pública, enquanto o BCP ganha agora fôlego com a descida de imparidades. Queremos acreditar que dois dos grandes bancos do sistema estão a sair dos seus tempos mais negros, apesar de ainda existir, em termos globais, muito crédito para limpar.

O Novo Banco, bem pelo contrário, parece um buraco sem fim. Nos últimos dias antecipou-se o cenário de elevados prejuízos em 2017 – as contas devem ser apresentadas este mês –, com valores que podem chegar a 1,8 mil milhões de euros. Perdas que correspondem basicamente à limpeza dos activos problemáticos (imparidades) que, no seu conjunto, valem 7 mil milhões de euros.

A consequência desses prejuízos é um aumento de capital. Fazendo as contas ao contrário, as perdas não podem exigir um capital superior 1.250 milhões de euros, na expectativa de que o mercado esteja disponível para financiar uma parte. As contas fazem-se somando apenas dois valores: a Lone Star comprometeu-se a ir buscar ao mercado 400 milhões de euros e o Orçamento do Estado tem 850 milhões para “emprestar” ao Fundo de Resolução.

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Se as condições de mercado se deteriorarem, tudo se complicará e o aumento de capital poderá ter de se limitar a 850 milhões de euros. É que os 400 milhões a obter no mercado, de acordo com o consagrado no acordo de venda de 75% do banco à Lone Star, terão de ter uma taxa de juro aceitável, que ninguém revelou qual é, mas que podemos admitir que será um pouco superior aos 10,75% conseguidos pela CGD.

Temos ainda o problema da Caixa Económica Montepio Geral para resolver tudo indicando que a Santa Casa da Misericórdia vai mesmo entrar no seu capital. A notícia, originalmente dada pela SIC, de que a Santa Casa nomeou Manuel Teixeira para a administração da instituição é um sinal de que essa solução está a ser construída. É de admitir que se está apenas à espera de acalmar a opinião pública e a oposição – a voz mais audível é do PSD que chamou o tema ao debate quinzenal de 28 de Fevereiro na primeira intervenção de Fernando Negrão. O ponto essencial aqui, uma vez que não parece existir outra solução, é garantir que não se valoriza demasiado o Montepio para que a Santa Casa não perca dinheiro – 200 milhões por 10% é manifestamente excessivo.

Por tudo isto, não é estranho que o FMI se tenha manifestado preocupado com o ainda elevado valor do crédito malparado. Diz o Fundo, na sua sexta avaliação pós-programa, que embora tenha melhorado a estabilidade financeira, o elevado nível de crédito malparado (NPL) limita a capacidade de os bancos gerarem lucros e aumentarem o seu capital.

O secretário de Estado adjunto e das Finanças Ricardo Mourinho Félix afirma, em entrevista ao Dinheiro Vivo, que espera ver o crédito malparado reduzir-se para metade, dos actuais cerca de 40 mil milhões de euros para 20 mil milhões de euros, no prazo de três a quatro anos.

Tudo isto mostra que afinal a forma como agora estamos a resolver o problema do crédito malparado tem uma pequeníssima diferença em relação ao passado: hoje há um bocadinho mais de dinheiro mas não o suficiente.

Na era da troika, a total falta de dinheiro ia atirando os problemas para a frente até que explodiram, primeiro em 2014 com a resolução do BES – em parte também por responsabilidade de Ricardo Salgado – e em 2015 com o Banif. Lá foram andando o BCP e a CGD, gerindo o quotidiano até haver dinheiro. A Caixa conseguiu o seu enorme aumento de capital e obrigou o BCP a fazer uma limpeza mais profunda do que queria – já tinha desacelerado a limpeza e teve de a reforçar em 2016. Hoje há um pouco mais de dinheiro mas ainda não o suficiente para resolver de vez o problema que alguns bancos ainda têm.

Resta-nos esperar que a próxima crise aconteça depois 2021 ou 2022, os tais três ou quatro anos que o secretário de Estado diz que é o tempo necessário para baixar para metade o crédito malparado.