Muita coisa pode ter mudado na supervisão dos bancos. Regras mais apertadas, maiores exigências de capital, uma actuação mais baseada em regras e menos influenciada pela rede de amigos porque feita a partir Frankfurt. A margem de manobra para se fazerem asneiras neste momento reduziu-se. Só uma cosia não parece ter mudado: a protecção de antigos devedores e responsáveis, com um poder difícil de compreender. Uma revelação implícita no que disseram os dois membros da Comissão de Acompanhamento feita na semana passada. Uma semana em que também se soube que no Montepio Associação Mutualista as leis, as regras e os governos são para desprezar.

Comecemos por este último tema. Por motivos insondáveis, assistimos à incapacidade ou falta de vontade do Governo de avaliar a idoneidade de António Tomás Correia para se manter à frente dos destinos do Montepio Geral Associação Mutualista. De tal maneira que fez uma clarificação da lei à pressa, rapidamente promulgada pelo Presidente da República, para atirar a batata quente para a Autoridade de Seguros e Fundo de Pensões (ASF).

Não deixa de ser interessante ver o Governo, que tantas vezes se imiscui nas competências das autoridades de regulação e supervisão atirar para cima do supervisor uma competência que, sem a lei “clarificada”, seria sua: a de avaliar se António Tomás Correia tem condições para se manter à frente da maior associação mutualista do país. Como pode ser revelador também o facto de ter sido mais fácil tirar Ricardo Salgado, conhecido como o Dono Disto Tudo, do BES do que retirar Tomás Correia da associação mutualista do Montepio.

O centro do poder percebe-se em parte pelo que disse o Padre Vítor Melícias e foi reportado pelo Observador. “Não é um secretariozeco ou um qualquer ministro que vai afastar uns órgãos sociais democraticamente eleitos”, disse o Padre Vítor Melícias, conforme se pode ler aqui no Observador num relato do Conselho Geral da associação que decorreu na terça-feira dia 12 de Março.

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O Governo não se sentiu insultado por isso, nem nenhum outro órgão democraticamente eleito, permitindo-se que os órgãos sociais de associações possam dizer e actuar como se tivessem maior legitimidade democrática e autoridade do que os governos e o parlamento. Mais: o Governo assim insultado resolveu rapidamente retirar de cima de si a competência de supervisão que lhe dava poder para demitir Tomás Correia e entregá-la ao supervisor dos seguros. O Padre Vítor Melícias poderá agora substituir “secretariozeco” e “ministro” por “supervisorzeco” e dizer a mesma coisa. Nessa altura não estranharemos se virmos o Governo a colocar-se contra o supervisor.

A tudo isto assistimos como se fosse normal. Há de facto poderes que a razão desconhece. Mas este não é único. Há outros.

A equipa da Comissão de avaliação dos ativos problemáticos do Novo Banco foi ouvida no Parlamento. O seu presidente José Rodrigues Jesus não podia ter sido mais frontal nem podia ter fornecido mais dados aos deputados para resolverem o problema, se é que o querem resolver. Disse José Rodrigues Jesus que é preciso “muita coragem” para resolver casos de crédito malparado no Novo Banco que “são muito maus”. E é preciso “coragem” por causa dos “nomes de estimação” que são os que “aparecem nos jornais”. E que estão presentes no famoso trio: CGD, BES/Novo Banco e BCP

Na prática estamos a falar de empresas e nomes que datam do tempo da troika e estão mais do que identificados. Um dos primeiros retratos foi concluído em Janeiro de 2014 no ETRICC (Exercício transversal de revisão das imparidades dos créditos concedidos a certos grupos económicos que foi publicado pela primeira vez no livro que escrevi “A vida e a morte dos nossos bancos” )

Só para identificar os grandes montantes, estamos a falar da Promovalor de Luís Filipe Vieira do Benfica que em Janeiro de 2014 era responsável pela segunda maior dívida de grandes grupos ao BES – a primeira era o próprio grupo Espírito Santo. O Novo Banco reestruturou essa dívida há um ano vendendo activos à Capital Criativo de Nuno Gaioso Ribeiro.

Mas estamos também a falar da dívida de Joe Berardo, distribuída pelos três bancos, e que ascende no seu conjunto a quase mil milhões de euros e que ninguém manifesta vontade de resolver a sério – nem que seja ficando com a colecção Berardo e outros bens, como a quinta da Bacalhoa e os imóveis que se dá ao luxo de exibir.

O que é mais preocupante nas declarações da Comissão de avaliação dos ativos problemáticos do Novo Banco é perceber que mesmo depois de já se ter decidido injectar quase dois mil milhões de euros no Novo Banco, depois da sua venda à Lone Star, há devedores que continuam intocáveis.

É preciso dizer que esses devedores, que podem continuar a dever sem pagar e que podem continuar a ter o mesmo reconhecimento social, estão a beneficiar de dinheiro que é de todos nós. É preciso dizer que é incompreensível que o Governo revele ter medo de demitir o presidente de uma associação mutualista. Há casos que nunca se resolverão na banca com este medo de enfrentar os responsáveis pelos seus problemas. Por muito que a União Bancária torne a banca mais segura.