Há quatro anos, durante a campanha presidencial norte-americana, as posições de Donald Trump sobre política externa provocaram clamor por toda a Europa. As críticas aos países free-riders na NATO, incumpridores da quota mínima de orçamento em Defesa, e a atitude belicosa em relação ao comércio com a China faziam Trump um corpo estranho aos olhos dos parceiros ocidentais.
Por um lado, a postura pouco ortodoxa do magnata justificava esse estranhar. Por outro, é um erro concentrar essa análise no hoje presidente dos Estados Unidos da América. Ele é o rosto de uma mudança, mas não o seu autor. Nem a pressão para o cumprimento das quotas orçamentais nem o posicionamento musculado em relação à China desaparecerão depois de Trump. Tanto Democratas como Republicanos estão com o presidente nesses dois tópicos, assim como estão ambos distantes dele no que a Vladimir Putin diz respeito.
Mais do que isso, é pertinente notar que a União Europeia se aproximou da política externa dos EUA depois do referido distanciamento inicial. A sensibilização para o aumento dos gastos em Defesa vai surtindo efeito e a última posição de Bruxelas sobre a China é de um realismo assinalável. Desde Tiananmen que o Conselho Europeu não era dedicado ao posicionamento comunitário em relação a Pequim. A noção de que um debate e uma estratégia são urgentes para o futuro da UE é, portanto, muito bem-vinda.
Xi Jinping assegurou recentemente a integração de três membros da zona-euro na sua iniciativa Belt and Road – Itália, Portugal, Luxemburgo – e a presença chinesa na Grécia é conhecida. Como advertiu Miguel Monjardino no semanário Expresso, o verdadeiro objetivo de Xi “não é aprofundar a globalização ou o multilateralismo, mas sim fortalecer o controlo do Partido Comunista Chinês sobre o país”.
Por cá, todavia, assinou-se e aceitou-se sem o mínimo de discussão pública ou escrutínio parlamentar. António Costa considera a Belt and Road “absolutamente central” apesar de não constar qualquer palavra sobre a parceria no seu programa eleitoral, no seu programa de governo ou na nota explicativa dos seus Orçamentos do Estado. O primeiro-ministro relativiza (“Todas as potências têm a vocação global de projeção dos seus interesses e da sua influência”), ignorando que há “interesses” e “influências” que não se enquadram num país de vocação atlântica, ocidental e democrática como o nosso.
Hoje, tornou-se evidente que a América e a China propõem ao mundo dois sistemas distintos de governação e interação global, sendo essa uma escolha que exigia mais diálogo e mais consciência histórica por parte do governo português. Poderão argumentar que, até agora, poucas alternativas foram apresentadas por parte de Washington. Mas os avisos estão lá.
William J. Burns, que serviu o Departamento de Estado de George H. Bush a Barack Obama, apelou recentemente à “oportunidade de segurar uma posição para moldar a arena internacional em mudança antes que outros o façam primeiro” – referindo-se, obviamente, à China. Conselheiros próximos de Trump, como John Bolton, têm defendido vigorosamente a NATO, mas insistem em idealismos como “a proteção do interesse nacional americano é a melhor e única estratégia para o mundo”.
Eu, que estive em D.C. há cerca de uma semana, não deixei de sentir o contraste entre a Biblioteca do Congresso – com o teto coberto de nomes como Heródoto, Dante, Goethe ou Shakespeare – e os bonés de centenas de alunos em visitas de estudo, que pediam “Make America Great Again”. No futuro, era importante que o autor do slogan se lembrasse que nenhum dos nomes daquele teto nasceu naquele continente, mas que foram todos filhos desta civilização.
E alguém tem de defendê-la.