Conduzia ao mesmo tempo que habilmente espreitava as últimas mensagens recebidas, num malabarismo ágil e trivial. De soslaio no mundo virtual e um piscar desatento ao peão que atravessava a passadeira. Um segundo bastou, para que aquele desconhecido passasse a ser o primeiro de todos os meus problemas. O momento em que ambos perdemos sonhos, sorrisos, dias. Bastou um erro para que as nossas vidas se desfragmentassem, um passo em falso, sem retorno. Este episódio paralisante nunca se deu na verdade, mas tenho-o presente como um alerta que traz à luz a nossa pequenez, nos reduz a um lugar insignificante onde as nossas escolhas pouco valem. Isto do querer, do lutar, do insistir parece perder a razão, a lógica.

Subia a escadaria da Sé pelo braço do meu pai, emoldurada por uma música especial e eternizada nos olhos de quem nos testemunhava. Voltámos para casa com uma porta pintada de fresco e uma história para escrever. Uma opção, uma vontade ou determinação? E até que ponto não foi um acaso? Porque fomos sair naquela noite e entre milhares nos encontrámos? Foi o destino? Foi o amor, dirão os românticos.

De todas as narrativas capazes de provocar a diferença entre o antes e o depois, esta é a que mais me transcende: entrei às 20 horas na urgência para ter um filho… a última primavera abafada de que me lembro. Não foi nem difícil nem fácil, foi forte. Aquele pequeno ser engelhado, visceralmente protegido, ocupou logo o seu lugar no mundo e a eternidade no meu coração. O que mudou naquele segundo? Tudo. A mulher passou a mãe e assentou em mim uma preocupação constante, que domino a cada sopro.

Esta linha ténue do que era e já não é, faz da vida uma aventura curiosa, que nos desassossega, angustia e limita. A consciência que nada prevemos, dominamos ou quase nada decidimos, determina o nível de coragem com que encaramos os riscos, seguimos por atalhos e repetimos lengalengas seguras como mantras. Há, em cada um de nós, uma ansiedade premente sobre o futuro, que aparentemente se dilui na sucessão dos dias e materializa na morte de alguém, numa alegria inesperada, numa surpresa boa.

Mas há que contar também com os que nos podem torcer a travessia. Uma decisão de quem governa, o resultado de um exame, uma ida ao médico, uma rasteira no último degrau que nos deixa de muletas durante três meses. O efeito que provocamos na vida dos outros com as nossas atitudes é tão poderoso como assustador e uma capacidade que devemos assumir com responsabilidade.

Para os mais céticos estamos cá uma vez e podemos seguir um dos caminhos: correr livremente, aceitar a fragilidade da mudança e deixar-nos embalar pela magnitude do que nos chega. Ou tentar contrariar as circunstâncias com a determinação que podemos mudar de rumo. Sinceramente, prefiro a opção menos derrotista mesmo que nada faça sentido. Fincar os pés e traçar a nossa sorte, impedir que façam de nós uma marioneta frouxa e desconexa. Assumir que existem bermas na estrada, que há muros altos que não nos deixam ver o mar, mas seguir em frente com a convicção que não vale a pena gerirmos segundos para perdermos vidas.

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