Queremos viver melhor? Enquanto cidadãos de um país, membros de uma comunidade será que queremos mesmo viver melhor? Vários povos viram-se perante esta pergunta (desafio) e nem sempre os cidadãos que os compunham responderam afirmativamente. Um caso especial foram os Irlandeses que, se até à década de 60 seguiram uma política proteccionista e monopolista decorrente da nacionalização das empresas, rapidamente mudaram de rumo. A partir dos anos 60, a Irlanda fechou empresas públicas que não produziam, liberalizou a economia, abriu-se ao comércio externo e apostou na educação universitária, a par do ensino técnico. Se há 100 anos a Irlanda era dos países mais pobres da Europa, actualmente é um dos mais ricos do mundo.
A Irlanda beneficia de um sistema fiscal com baixas taxas de imposto e isso é possível porque o endividamento público foi, em 2022, de apenas 44,7% do PIB, abaixo dos 60% previstos no Tratado de Maastricht. Foi essa boa gestão dos dinheiros públicos, a que se somam as notáveis qualificações dos irlandeses (derivadas de um sistema de ensino de excelência, nomeadamente na área tecnológica), que deu lugar ao investimento estrangeiro e ao natural aumento dos salários. A Irlanda não realizou campeonatos europeus de futebol, não construiu estádios que ficaram vazios, não fez exposições universais nem se prepara para organizar um campeonato mundial de futebol. Nenhum governo irlandês foi na cantiga que este tipo de investimentos, de despesa, produz riqueza. Pelo contrário, consideraram que a riqueza e a melhoria de vida dos irlandeses decorria do trabalho, do rigor, da poupança, do capital, do investimento e da educação. Foram estes os princípios, e os investimentos, que prezaram.
A partir de certo momento, os irlandeses, num processo que cada um tomou individualmente, por si e em interacção com familiares, amigos, colegas, vizinhos, no âmbito da comunidade política, até se formar uma maioria sólida, escolheram viver melhor com as implicações que isso tem no que diz respeito à responsabilidade que a decisão acarreta. Viver melhor não é fácil porque pressupõe trabalho e consistência.
Consistência que foi o que mais nos faltou nas últimas décadas. Se tirarmos um breve período de tempo e alguns momentos muito pontuais, as decisões foram as erradas. Gastámos mal, investimos em produtos que não geravam riqueza, mas davam brilho e pagavam orgulho. E continuamos a fazê-lo como se comprova no sector da habitação. Uma breve passagem de olhos pelos factos divulgados pelo Instituto Mais Liberdade mostra-nos que o preço das casas é elevado porque há pouca construção. Para que haja mais construção será preciso menos burocracia camarária, menos taxas, mais empresas privadas, menos impostos aos lucros das empresas e menos impostos na compra e venda das casas, nomeadamente no IMT e (este é o mais clamoroso) no Impostos das Mais Valias, que torna caríssimo a decisão de venda de uma casa. O exemplo da habitação é demonstrativo dos erros que continuamos a praticar porque, apesar dos dados serem conhecidos, o país continua a apostar no cavalo errado, como se vê pelo pacote legislativo que o governo apresentou para o sector.
A grande ironia é que a explicação talvez esteja no mercado eleitoral. À semelhança do que sucede na economia, na política os partidos vendem um produto. Anos a vender socialismo depois de anos a aguentar com o corporativismo chegámos a um momento em que a maioria não percebe por que motivo a solução não funciona. E à semelhança do que sucede nas empresas monopolistas que ainda vendem um produto cujos consumidores compram por falta de outra solução, a maioria dos partidos políticos (que é de cariz socialista) continuam a oferecer opções ideológicas que nos levam a crer que a resposta à pergunta inicial é não. Não, queremos viver melhor. Podemos preferir acreditar em mitos, mas viver melhor é algo que, no fundo, não queremos. Ou se queremos, não o desejamos o suficiente para pormos de lado o PS e quejandos.
A 11 de Janeiro de 1980, Francisco Sá Carneiro discursou no Conselho da Europa. O que disse o primeiro-ministro de então? Simplesmente que não queria que, com a sua adesão à CEE, Portugal ficasse conhecido como um país com bom clima e boas praias, mas pobre e atrasado. Sá Carneiro desejava um Portugal rico à semelhança dos outros países europeus. E sejamos sinceros, o seu desejo nem era utópico. Sá Carneiro era o primeiro-ministro do país com as fronteiras mais antigas do continente, de um povo que se espalhara pelo mundo e que se voltava para a Europa. As credenciais estavam lá. Mas no fim, foram os irlandeses que tomaram a decisão mais difícil de querer viver melhor.