Na presença do dr. Costa e da ministra Temido, foi ontem lançado um livro que, cito o Correio da Manhã, “vai explicar aos portugueses como é que se conseguiu controlar a pandemia de Covid-19 em Portugal durante os últimos dois anos”. “A obra”, continuo a citar, “é da autoria de especialistas e peritos ouvidos aquando das reuniões com Governo e DGS no Infarmed, e que foram orientando as medidas tomadas para combater a Covid com estudos científicos. Os sete especialistas e co-autores do livro são Raquel Duarte, Felisbela Lopes, Filipe Alves, Ana Aguiar, Hugo Monteiro, Marta Pinto e Óscar Felgueiras.”
Alta comédia é isto: meia dúzia de linhas, um potencial de galhofa infinito. Tem graça a pretensão de que se “controlou a pandemia”, quando Portugal é hoje líder mundial em matéria de “casos” por milhão de habitantes (e o 13º desde Março de 2020), e, durante estes dois anos, bateu vários recordes internacionais de “casos” e mortes. Tem graça a noção de que se “combateu a Covid” com “estudos científicos”, e não com desvairados palpites políticos. Tem graça – e coerência – que “especialistas” apresentem um livro junto dos autênticos autores, os governantes que sempre lhes disseram o que deviam dizer. E tem graça que o evento decorresse a uma sexta-feira 13.
Mas o que tem mais graça é a fotografia que acompanha a notícia. Como não vejo canais televisivos, nunca conhecera os rostos dos “especialistas” que tanto nos iluminaram neste período de trevas. Conheci agora. Reagi com pasmo, a que se sucedeu o riso e, por fim, uma cabal compreensão. Sabem aqueles adultos com cara de que passaram a escola a levar porrada dos colegas? Esqueçam: estes são aqueles adultos que em adultos continuam a levar porrada dos colegas. Raras vezes contemplei uma pandilha cujas dificuldades de integração social fossem tão evidentes. Não admira a obsessão com as máscaras.
Ao contrário das caras, o que não tem graça nenhuma é o descaramento. Após 25 meses em que se espalharam ao comprido a um ritmo quase diário, e ajudaram a provocar uma desgraceira sanitária, mental e económica, seria decente que os “especialistas” surgissem em público apenas para pedir desculpa. Ou que, no mínimo, regressassem de mansinho às catacumbas onde os desenterraram. Nada disso. Sem um pingo de vergonha na cara (e que caras, insisto), cometem um livro e a pesporrência de nos “explicar” coisas. Porquê?
Porque o poder assim os manda. Porque o poder prefere legitimar “cientificamente” (risos) os desastres em lugar de admiti-los. Porque ao poder não convém que a Covid desapareça, na medida em que a histeria respectiva facilitou, e de que maneira, a subjugação dos cidadãos. E o poder adora cidadãos subjugados. E distraídos.
É por isso que, além do livrinho dos “especialistas”, nos últimos dias assistimos ao retorno da Covid. Ou melhor: ao retorno da Covid aos noticiários. O que mudou? Na verdade, pouco. Os “casos” subiram, conforme aliás andaram recentemente a subir nos sítios que demoraram a levantar as restrições ou nem as levantaram de todo (Austrália, Nova Zelândia, Itália, etc.). Nos países há muito desmascarados, a quantidade de infecções já é estatisticamente nula, o que levanta interessantes questões sobre imunidade natural que os “especialistas” e os políticos não vão responder. Quanto a internamentos e mortes, não há motivo para alarme, o que significa que há que inventar motivos para alarme. Há dias, soube-se que o hospital S. João registou um máximo de urgências. Os “telejornais” correram a atribuir o drama à Covid. Faltou informar das entrelinhas: dos 1022 pacientes atendidos, 144 eram do “foro” respiratório, 53 testaram positivo à Covid e 2 (dois) ficaram internados. No que toca à desonestidade de algum “jornalismo”, também não há novidades.
Não é necessário ser-se virologista, matemático, primeiro-ministro, apicultor ou cartomante para comparar umas dúzias de gráficos e constatar que, a prazo, o coronavírus é olimpicamente indiferente aos esforços para o “conter”. Porém, é necessário não se ser rematadamente palerma para verificar que a Suécia, sem “medidas”, exibe um bocadinho menos de mortos (proporcionais) que Portugal, e que o Texas, praticamente sem “medidas”, um bocadinho mais. Ou que a Dinamarca, que desmontou a tenda em Fevereiro, justamente em cima do lendário “pico”, conta com metade das vítimas daqui. E que esses três irresponsáveis lugarejos, meros exemplos entre dezenas, estão neste momento a roçar o zero em “casos”, hospitalizações e mortes. Se não for prejudicial, incluindo para o próprio “controlo da pandemia”, a acção política e “especializada” é, na melhor das hipóteses, inútil.
O problema é que toda esta monumental trapaça tem pouco a ver com a Covid, que é um pretexto, e pouquíssimo a ver com a segurança das pessoas, as quais, de resto, são o alvo. Ao notar o apreço com que os portugueses reagiram aos açaimes, literais e metafóricos, uma “comissão técnica”, nomeada pelo dr. Costa, já cozinhou uma “lei de protecção em emergência de saúde pública”, que dará ao parlamento, ou seja, ao dr. Costa, e a um “conselho científico”, escolhido pelo dr. Costa, rédea solta para decretar calamidades, destruir vidas e encarcerar dissidentes: quem, a propósito de uma epidemia ou da febre do feno, não aceitar ficar preso em casa, acabará preso na cadeia – dois anos, para achatar a curva. A vigorar, a dita lei transforma-nos numa extensão ibérica de Shangai, e a Constituição no tapete do dr. Costa. A democracia, portanto, desceu ao ventilador. Mesmo sem máscara, o país está irrespirável.