Devo um pedido de desculpas a Pedro Sánchez. Há uns dias, depois de o ouvir dizer, em Madrid, que o seu Governo aprovou um plano definido como “regeneração democrática”, com o objectivo de “regular” os meios de comunicação social e combater a chamada “desinformação” de opositores políticos e de qualquer pessoa que se atreva a questionar a sua ideologia, elegi-o como neto de Lenine/Marx. Até ouvir Luís Montenegro, que está para a direita como Sánchez para extrema direita, a apresentar o seu plano para a comunicação social, utilizando os mesmos termos do seu homólogo espanhol: combater a desinformação e “regular” as redes sociais, que considera “inimigas da democracia e inimigas da própria actividade da comunicação social”.
Agora, surge um dilema angustiante: quem são os herdeiros dos comunistas do século passado?
Vale a pena lembrar que a “desinformação” foi elevada, na URSS comunista, ao papel de uma verdadeira ciência ou, melhor, de uma técnica com a qual desorientar o adversário, minar as suas certezas e enfraquecer a sua determinação. E obviamente destruir a sua imagem. Agora, com a inversão táctica dos netos de Lenine e de Marx, ela é usada contra quem desinforma – ou seja, quem não se conforma – com os mesmos tons moralistas de ontem.
Pois bem, o “Plano de Acção Democrática” aprovado no passado dia 17 de Setembro, que Sanchez prometeu apresentar – depois de ter denunciado estar no centro de uma “máquina de lama” posta a circular pela galáxia da direita e da extrema direita – visa regenerar a democracia num sentido social-comunista, que lhe permitirá, entre outras coisas, monitorizar, não só os accionistas da propriedade editorial dos meios de comunicação social que operam em Espanha, mas também os assinantes, as fontes de financiamento e a publicidade institucional, que passará a ser usada para premiar a comunicação social “amiga” e punir a comunicação social que ele descreve como pseudo-media. Uma divisão clara entre bom e mau que constitui um sério ataque à liberdade de expressão.
Um ataque que, não tendo Luís Montenegro tomado na íntegra como exemplo, dado que, ao contrário do que pretende fazer Sánchez, não prevê “regular” os media ou limitar o financiamento público para combater a desinformação, mas, antes, tornar o financiamento público estrutural, ou seja, tornar dependentes dele aqueles que em teoria têm o dever de o controlar e escrutinar. E fá-lo convencido de que sem o dinheiro dos contribuintes, os media, não podem “salvaguardar o rigor da informação” e, portanto, garantir uma “democracia mais robusta”.
Não passa pela cabeça de Luís Montenegro que o rigor da informação depende, antes de tudo o mais, da disposição para ela por parte de quem informa: escreve, fala, circula no espaço público, como independente e também como informado, ou seja, como competente. Assim como também não lhe ocorre pensar que não é o financiamento público, directo ou indirecto, que garante “bons profissionais”, até porque desde há anos que os meios de comunicação social portugueses absorvem uma enorme quantidade de dinheiro público, sem que a qualidade do serviço jornalístico tenha melhorado. É-lhe igualmente indiferente a ideia de que existe o risco de estes serem forçados a “falar bem” do seu governo por medo de perderem o apoio financeiro, o que seria contra as regras mais elementares da democracia e, portanto, também contra o respeito pelos cidadãos e pelos leitores, independentemente de Luís Montenegro fazer questão de dizer que o executivo “não quer intervir no funcionamento dos órgãos de comunicação social”.
Mas pior e mais grave do que tornar os media dependentes de financiamento publico, é a vontade manifesta de Luís Montenegro de “regular”, isto é, de submeter à censura e à punição qualquer pessoa que cometa o que o seu governo vier a definir como desinformação nas redes sociais.
Sim, porque ao dizer que “é preciso ter garantias da fidelidade daquilo que lá se diz”, o que na verdade Montenegro está a querer dizer é que, não podendo acabar com as conversas na taberna das redes sociais, cabe-lhe zelar e garantir que o que ali se escreve é a verdade e somente a verdade. Não a verdade (ou informação) factualmente verdadeira que um utilizador possa divulgar (como já acontece quando publicamos links de artigos, notícias, imagens, etc.), mas apenas a verdade que o seu Governo vier a classificar como tal.
Em Espanha, Pedro Sánchez trabalha numa lei capaz de impedir que “alguém possa manipular” o que os cidadãos pensam. Em Portugal, Luís Montenegro trabalha numa lei que visa processar criminalmente os cidadãos pelo que dizem nas redes sociais. Ou seja, ambos querem estabelecer o Ministério da Verdade.
Tal como no comunismo soviético: aqueles que não pensam como os detentores dos direitos de autor da democracia, devem ser reprimidos como portadores de ódio, submetidos a tratamentos de saúde obrigatórios, sancionados quando não enfiados na cadeia. Princípios diferentes dos seus já não são a liberdade de expressão (principal pilar da democracia), mas desvios intoleráveis aos quais se aplicam proibições inflexíveis. Os temas sobre os quais é proibido discordar aumentam a cada dia. Da imigração descontrolada às teorias de género, do clima à guerra e assim por diante.
E o mais extraordinário é a quase absoluta indiferença, inclusive por parte dos media, face aos bons e sinceros democratas que correm no sentido da redução da democracia a um regime em que só é permitida uma verdade, a deles: a versão actualizada da propaganda das ditaduras do século XX.
A censura está de volta e os rebanhos fazem fila sonolentos em direcção à ravina. Sinistro.