Às crianças diz-se que não existem perguntas estúpidas. Queremo-las curiosas, desinibidas e estimuladas, com vontade de aprender, com pensamento crítico. Mas dos cidadãos adultos, o que secretamente se espera é o inverso: que obedeçam, que não questionem, que evitem perguntas inconvenientes — que mintam, até, caso a verdade surja incómoda. O problema é que tudo tem um limite e os créditos de manobra obtidos pelo contexto excepcional da pandemia esgotaram-se: a irracionalidade das autoridades públicas tornou-se insuportável, porque inconsequente e atentatória da liberdade e dos direitos dos cidadãos. Querem obediência, confiança nas instituições e cumprimento das regras? Então, dêem-nos respostas satisfatórias a perguntas como estas.
Primeira pergunta: por que razão uma pessoa vacinada, quando em contacto com um caso positivo à Covid-19, tem de cumprir isolamento profilático? O caso de António Costa, comunicado ontem, é paradigmático: tendo tomado as duas doses da vacina, cumprindo distanciamento físico e usando máscara, ficará a cumprir confinamento profilático determinado pela DGS por, apesar de todos estes cuidados, ter contactado com um membro do seu gabinete. Mas, note-se, não é preciso usar o Primeiro-Ministro como exemplo. Há centenas de relatos de situações de pais ou mães em isolamento profilático porque, apesar de vacinados, um dos seus filhos menores testou positivo à Covid-19. Uma forma de atribuir lógica a isto seria aceitar a premissa de que a vacinação é muito menos protectora e útil do que nos garantiram — e que, afinal, estes métodos de contenção da doença são ineficazes (ou seja, vamos andar neste registo confina/desconfina para sempre). Uma outra forma é, simplesmente, reconhecer que a DGS está aos papéis.
Segunda pergunta: por que razão encerraram todas as escolas em vários concelhos da região do Algarve? Recorde-se que os professores e pessoal auxiliar estão vacinados e que o risco de contágio/doença nos mais novos é significativamente mais baixo do que nos adultos. Recorde-se também que, enquanto se encerram as escolas, há vários sectores económicos em funcionamento normal (há uns meses, a prioridade era as escolas, lembram-se?). Além disso, sublinhe-se a disparidade de critérios, visto que os indicadores de casos e incidência Covid-19 naqueles concelhos (e no Algarve) são melhores do que, por exemplo, em Lisboa, onde as escolas se mantêm abertas. Se os critérios são incompreensíveis, as decisões só podem ser contestadas. O problema não é novo. Mas continua sem solução: da DGS, nada se entende.
Terceira pergunta: como justificar a suspensão de direitos de cidadania, com limitações à circulação das pessoas, de forma tão leviana e inconsequente? Qual é a mais-valia de levantar uma cerca sanitária à volta dos 18 concelhos da Área Metropolitana de Lisboa ao fim-de-semana, sabendo-se que essa restrição da liberdade de circulação é um duríssimo ataque aos direitos dos cidadãos e que os seus efeitos no combate à pandemia são quase nulos, com a circulação a fazer-se nos dias úteis? E para que serve um certificado digital para circulação que não é aceite universalmente, sugerindo que é indiferente estar-se vacinado ou não? Na Alemanha, por exemplo, quem vem de Portugal tem de cumprir quarentena, diga o que disser o certificado digital.
Há algo que une estas três perguntas: a reiterada desvalorização da vacinação como factor de protecção. Ora, vivemos em pandemia há mais de um ano. Durante todo esse período, tolerámos as incoerências da DGS e do Governo com uma benevolência ímpar, à espera da vacina para retomarmos as nossas vidas normais. Agora o problema ganhou uma magnitude inesperada: as incoerências da DGS despertam dúvidas sobre a utilidade da vacina. Se as regras de isolamento, de protecção e de circulação não mudam para os vacinados, para que serve afinal todo este esforço da task force? Reparem: eu não tenho dúvidas sobre os benefícios da vacina. Mas na DGS alguém parece tê-las. Convinha que se explicasse.