A direita que tem hipóteses no Portugal dos nossos dias é a que se apresente com uma matriz ideológica ao mesmo tempo democrática, liberal e conservadora com raízes humanistas, europeístas e cristãs.

Direita democrática porque aposta no aperfeiçoamento da democracia portuguesa apontando o que é necessário fazer para tanto, começando por uma mais que necessária revisão constitucional; ao nível central reformular o sistema político retirando monopólios aos partidos, ou seja, devolvendo o poder aos eleitores, estimular os instrumentos de democracia directa através do apelo à participação dos cidadãos na resolução dos respectivos problemas mediante a mais ampla consagração do referendo, acabar com a inacreditável predominância do governo como órgão legislativo, e reforçar a autonomia do Ministério Público; ao nível local diminuindo as avantajadas competências do presidente da Câmara e acabando com a sua total irresponsabilidade perante os outros órgãos autárquicos. Necessário é ainda desgovernamentalizar as autoridades reguladoras ditas, só por graça, «independentes», e reformar a gestão perdulária do sector público empresarial.

Direita liberal por defender a privatização do sector empresarial do Estado de modo a evitar encargos brutais para os contribuintes obrigados a pagar os tradicionais défices das empresas públicas; a concessão aos particulares de vários serviços públicos (não necessariamente todos) nos sectores essenciais como é, aliás, preferência legal; a implementação da regra do mérito aferido por concurso na escolha dos gestores públicos, em vez da respectiva nomeação política; a abolição do escandaloso critério da nomeação partidária para os cargos mais importantes da administração pública e da comunicação social, que mente aos portugueses de manhã, à tarde e à noite, mesmo da dita «independente», que permite o nepotismo e premeia a incompetência, pecha tradicional do nosso regime político.

Liberal por apostar ainda no culto da iniciativa empresarial privada como único critério seguro do crescimento económico e do aumento do emprego aproveitando as potencialidades oferecidas pela legislação que a permite (a chamada «directiva-serviços» e sua concretização legal). Liberal ainda por defender a consagração do princípio da subsidiariedade nas relações entre o Estado e a economia, o que tem a vantagem de reduzir o Estado e clarificar de uma vez por todas aquilo que ele pode e deve fazer em matérias económicas, de modo a impedir nacionalizações de empresas falidas e o crescimento desmesurado das despesas públicas e da dívida que o acompanha, e evitar ao mesmo tempo a tradicional desresponsabilização dos maiores empresários portugueses confiados na ajuda estatal que, sabem-no bem, um dia virá.

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Liberal, por fim, por entender que é o indivíduo e não o Estado que sabe o que lhe convém em matérias económicas, confiando no seu discernimento pelo qual será o primeiro responsável, porque aposta no empreendedorismo e na industriosa cabeça dos portugueses, repudia a subsidiodependência que apenas estimula a apatia e tolhe a criatividade, e  promove o associativismo privado empresarial e cívico como a melhor forma de defesa dos interesses colectivos. A melhor forma de dignificar a sociedade civil é estimular a criação de corpos intermédios entre o indivíduo e o Estado, com poderes de autoridade ou não, mas capazes de tratarem dos seus próprios interesses sem intromissões partidárias e sem se deixarem usar como espantalhos da política. Já Alexis, visconde de Tocqueville, dizia isto há quase cento e cinquenta anos.

É que os coitados dos portugueses, intoxicados durante décadas por propaganda socialista, pensam que a democracia é sinónimo de mais Estado, que é como quem diz, de mais governo que é o seu braço executivo. Não é. O Estado português é em larga medida um impostor. Mais Estado e mais governo servem apenas para arrumar empregos e aumentar os impostos. O que é preciso é mais contratos e menos funcionários. A democracia começa na sociedade civil.

Conservadora porque não quer remodelar a sociedade de cima a baixo e, pelo contrário, respeita e promove os valores e os códigos de conduta e colaboração que nela estão presentes desde há muito e deram boas provas, não por os aceitar todos de modo acrítico, mas por serem por vezes os mais seguros e credíveis instrumentos da emancipação moral e do civismo. Defende, portanto, a família, a educação de matriz familiar e não estatizada, a liberdade de escolha em matéria de ensino, a tolerância religiosa e sexual (dont ask, dont tell) e, de modo geral, a libertação no exercício de todos os direitos políticos e civis.

A formação conservadora está enraizada no humanismo cristão. Primado do indivíduo e das comunidades mais pequenas em que está inserido, família e associação, como instâncias do pensamento e da moral (small is beautiful). Encara o próximo como um fim em si mesmo, e não como um instrumento nas mãos do Estado para este exibir para propósitos eleitoralistas e estatísticos, e promove a autorresponsabilização de cada um individualmente considerado ou inserido na sua comunidade familiar, profissional ou partidária. Defende seguramente os direitos humanos e um Estado social prestador de serviços públicos, mas que seja sustentável, e não um pesadelo para a classe média pagante, nem o pretexto para o feroz autoritarismo esquerdista.

A extrema-esquerda portuguesa nunca compreenderá que as sociedades vivem num caldo cultural e cívico que não é de geração espontânea, nem se alimenta apenas de ideias abstractas marteladas à pressão e desconhecendo particularidades institucionais e históricas. Portugal não nasceu ontem, e os que querem cá viver e trabalhar serão recebidos de braços aberto,s mas têm de partir do princípio que têm de respeitar o húmus que já cá existia. Não pensem que vão conseguir que os portugueses se sintam culpabilizados e martirizados pelas desventuras dos imigrantes, e que só poderão redimir-se de tanta culpa renunciando à sua identidade e tratando-os como cidadãos de primeira superiores aos outros e com alforria para nos imporem os seus códigos culturais. Dir-se-ia que a extrema-esquerda portuguesa só ficará satisfeita quando nos vir a todos convertidos ao Islão, religião esta que, aliás, nas suas formulações maioritárias, moderadas e humanistas, merece todo o nosso respeito e consideração.

Os proteccionismos também não são toleráveis, nem a permanente desculpabilização dos que vivem da e para a marginalidade não assumindo as suas responsabilidades enquanto membros da comunidade, porque esta não pode dar-lhes apenas direitos, mas tem de impor-lhes também deveres e critérios cívicos de conduta. Os que mais recebem não podem ser os que menos contribuem. É uma questão elementar de repartição dos encargos públicos, ou seja, de justiça distributiva. É preciso não confundir o interesse geral com a soma dos interesses dos pequenos grupos activos que usam a respectiva liberdade como arma de arremesso contra os outros. O interesse da colectividade como um todo existe.

Em matéria penal o conservadorismo repudia medidas radicais mas entende que a moldura penal dos crimes contra as pessoas e a propriedade está errada, impondo-se sanções penais mais gravosas para os crimes que provocam maior repúdio social como a pedofilia e os crimes de sangue. É quanto basta mas é imperioso que se chegue lá. É também necessário rever em baixa o excessivo garantismo no processo penal que permite adiar julgamentos durante décadas, perante a total incompreensão e até revolta do público atónito. Se não for assim, a breve trecho a comunidade portuguesa ficará mais desorientada do que já está, porque não lhe preside um pensamento comum em matéria de censura social.

Pelas mesmas razões o crime de enriquecimento ilícito, especialmente dos membros da classe política, deve ser rapidamente consagrado e inserido numa disciplina eficaz. Por outro lado, é preciso criminalizar condutas consideradas irrelevantes como a pichagem dos muros das casas particulares. Há cidades históricas em que sobretudo nas zonas classificadas como património mundial não se vê um metro quadrado de parede que não esteja conspurcado sob o olhar ternurento das autoridades locais que querem assim dar aos jovens saídos das tocas onde viviam, sabe-se lá onde, a oportunidade de exprimirem a sua «criatividade» sem olhar às despesas e incómodos dos proprietários e à deterioração das zonas protegidas.

A direita com futuro é europeísta. Reconhece abundantemente que à UE devemos não apenas o apoio financeiro mas sobretudo a aplicação no nosso país de um acervo legislativo que consagra princípios de liberdade económica, concorrência, transparência e lisura na conduta dos órgãos do poder nas suas relações com os cidadãos. Se não fosse o direito europeu o nosso país estaria ainda muito mais imerso no proteccionismo, no nepotismo, na corrupção, no tradicional autoritarismo e no tão português desprezo pelo cidadão. Devemos muito à Europa liberal e democrática, muito mais do que aos saudosistas do passado revolucionário ou às maiorias parlamentares de esquerda.

Só assim é que a direita se assumirá como um projecto novo e descomprometido, nada passadista, nada herdando do passado e preparada para o futuro. Com tanto horror ao insepulto de Santa Comba como aos netos do Cunhal e aos profetas das minorias activas.

A vantagem desta direita é hoje a recuperação do debate político no nosso país. As pessoas já não querem saber do nível da poupança das famílias, nem das diatribes do investimento público, e estão fartas do cretinismo economicista com que as bombardeiam há décadas. Há que compreender esta lacuna e fazer chegar a questão crua e nua da opção política ao coração dos portugueses. A coisa só vai com modificações profundas, e para isso é necessário agitar as consciências.

O que fica dito não é nada contra nem a favor de quem quer que seja. Creio sinceramente que só assim é que a direita irá no bom caminho.