Tenho-me divertido imenso a ler uns ensaios sociológicos que têm saído a tentar explicar por que razão é que a direita cresce nos países europeus e também no nosso. Os autores não são movidos por preocupações científicas, apesar de dizerem que é essa a preocupação. Não fazem senão jornalismo barato e preconceituoso. Analisam o fenómeno do crescimento da direita na Europa e no nosso país em especial mas passam ao lado da questão. Em vez de verem nele o resultado da falência da esquerda diagnosticam o «perigo» para a democracia vinda da direita «radical» e da «extrema direita» que nem sequer se dão à preocupação de distinguir e de minimamente explicar o que por elas entendem. Lá está; de um lado estamos nós os eleitos e do outro os réprobos direitistas manchados pelo pecado original.
Depois de muito esforço, os autores concluem que, afinal, as pessoas com ideologias de direita existiram sempre, mas que mercê de estigmas inoculados na sociedade durante décadas, como no caso particular do nosso país, receavam manifestar as suas opiniões, a não ser em privado, com receio de represálias sociais e profissionais, pelo que não se apresentavam como participantes activos na vida política. Ou seja, a direita não evoluiu: foi a mesma de sempre, anquilosada nos recônditos cerebrais de uns tantos esclerosados, mas que subitamente teve oportunidade de exprimir a sua raiva antidemocrática, cheia de discurso «de ódio», reaccionária e outras patetices.
Que houve sempre muitas pessoas de direita, mas que, no caso particular do nosso país, receavam manifestar-se, é uma banalidade de base ao alcance de qualquer pessoa com pouca instrução. Toda a gente sabe disto. Apresentar esta conclusão como o resultado de um esforço científico baseado em inquéritos e sei lá que mais, pago pelos contribuintes, tal a dificuldade, é completamente ridículo, e só prova que quem o faz não percebe nada do país em que vive. Apresenta como científico aquilo que é óbvio. Mas o pior não é isso; o pior é que não compreende nada porque são preconceituosos os pressupostos de que parte.
É evidente que o povo de direita existiu sempre e continuará a existir. Só os analistas de esquerda é que não o vislumbram. E não o vislumbram porque não percebem o país em que vivem. A esquerda portuguesa é seguramente a mais estúpida da Europa. Julgavam, os coitados, que os eleitores estavam rendidos aos encantos dos dislates que apregoaram durante décadas, e que os mais recalcitrantes eram uma minoria sem expressão, como não podia deixar de ser, na perspectiva dos iluminados esquerdistas que temos. Quando os eleitores começaram a dar mostras que não iam nas cantigas deles ficaram muito surpreendidos: Pois não eram as ideias de esquerda a maravilha revelada?!
Vai daí, concluem, tantos direitistas perderam a timidez logo que na cena política apareceram partidos políticos e líderes credíveis como o CDS, o Chega e a Iniciativa Liberal e outros que souberam interpretar e dar voz a tão importante sector da opinião pública, atrofiada até então.
Vejamos. O crescimento da direita ou melhor, das direitas que muitas são e cada vez mais heterogéneas, não se deve a um desabafo que esteve reprimido durante décadas à espera da oportunidade para se fazer ouvir. Nada disso. A direita existiu sempre, como disse. Mas o seu exponencial crescimento recente deve-se, todavia, a um factor que a esquerda portuguesa nunca aceitará porque o não pode aceitar. Deve-se ao cansaço com os disparates ideológicos que a esquerda tem tentado impingir designadamente na estatização da educação, na da saúde, na da cultura e nos habituais objectivos presentes no discurso político, em geral, polvilhados agora com toda uma série de dislates ideológicos. A esquerda está há mais de setenta anos apostada na hegemonia ideológica e tem procurado assegurá-la através da venda de uma série de banalidades e de disparates que provocaram uma compreensível reacção. Mas a esquerda nunca compreenderá que o avanço da direita se deve a defeitos seus e procura explicá-lo sem ver o fundo da questão que é como quem diz, sem aceitar que tem as maiores culpas no cartório. A única opinião inteligente que li vinda da área da esquerda, creio eu, foi a de um colunista habitual do Correio da Manhã que atribui lucidamente o ressurgir da direita a essa impostura que é o wokismo.
Vai daí os sociólogos de serviço adivinham cavilosas tendências ideológicas nos portugueses que estavam adormecidas mas que vieram agora ao de cima. Não passa pela cabeça daqueles indígenas que a opção pela direita é um resultado da falência da maioria das propostas da esquerda moderada, da falta de lucidez do partido comunista e das enormidades da extrema-esquerda. São razões mais que suficientes para esgotarem a paciência a qualquer cidadão comum, farto que queiram fazer dele burro.
E para rematar com chave de ouro, evidente é que aqueles fantásticos sociólogos lusos fazem tudo para achincalhar, sem qualquer preocupação científica, o actual crescimento da direita atribuindo-lhe logo as mais cavilosas intenções contra os ciganos, a favor da violência doméstica, xenofobia, racismo, autoritarismo, crueldade com os animais e outros dislates.
Não querem saber estas luminárias pagas pelo contribuinte que a «extrema-direita» portuguesa é um grupo sem expressão eleitoral, que não tem sequer consciência do que é e cuja actividade é caso de polícia. Por sua vez, a direita a que chamam «radical», é uma invenção deles destinada a estigmatizar quem preferir reformas mais avançadas do que aquelas com que o actual governo timidamente avança.
Depreende-se de tanta inanidade que os portugueses que não se sentem confortáveis com a actual situação logo são de «extrema-direita» ou de direita «radical» e, portanto, sempre um perigo para a democracia, cada vez maior pois que a direita agora até se atreve a ter expressão parlamentar o que só a «normaliza» e consequentemente a faz crescer. A esquerda nacional tem hoje muita dificuldade em ver o que é obvio. Não foi a direita que cresceu. A esquerda é que falhou e os eleitores tiram as evidentes consequências disso.
Não esclarecem sequer o que entendem por direita «radical» e por «extrema-direita». Não dizem o que são, onde estão, nem existe qualquer apreciação crítica: só os costumeiros chavões ideológicos, retirados do triste e estúpido ideário do camarada Dimitrov (que nem sabem quem foi). Os qualificativos são puramente ideológicos e falsos.
É aqui que a ciência, embora banal, deixa de existir e que o preconceito ideológico da esquerda dos tais sociólogos vem ao de cima: quem ousar discordar dela é pecador pois que é com este qualificativo que os tais sociólogos lusos apresentam a direita, a tal que existiu sempre e que se revela agora em força. Não lhes passa pela apoucada cabeça que a direita de hoje é a reacção à estúpida esquerda que temos e não o pecado original.
Em conclusão, a mensagem e o objectivo daqueles estudos ditos sociológicos, por mais que se apresentem com roupas pseudo-científicas, não é científica. É ideológica: estigmatizar a direita chamando-lhe radical ou extrema, isolar os portuguese que por ela optam e obscurecer o debate ideológico. Normalizar a direita? Nunca. Ver nas pessoas que por ela optam meros cidadãos democratas, conservadores e tolerantes que apenas recusam que os instrumentalizem? Nunca.