O extraordinário aumento da escolaridade dos portugueses é, provavelmente, a mais importante transformação da nossa sociedade das últimas décadas. Foi uma transformação lenta, que durante muitos anos não foi visível nas estatísticas da educação. Hoje, continua a não ser visível nas estatísticas dos salários e da produtividade. No entanto, o aumento da escolaridade continua a ser a maior esperança para o desenvolvimento de Portugal.

Os sucessivos governos do regime democrático elegeram como prioridade a educação e a universalização do acesso a níveis de ensino cada vez mais elevados. O ponto de partida era muito baixo. O atraso na escolaridade dos portugueses remonta ao século XIX. Apesar dos progressos no ensino básico durante o Estado Novo, em 1974, cerca de um quarto da população continuava analfabeta. A nossa estrutura económica, baseada em trabalho pouco qualificado, contribuiu certamente para adiar os avanços na escolaridade. Alargar e aumentar a escolaridade implicava aumentar a despesa pública, violando um princípio sacrossanto do Estado Novo. Por outro lado, aumentar o número de anos de escolaridade reduzia a oferta de trabalho, gerando uma pressão para o aumento dos salários, o que certamente gerava a oposição dos sectores económicos mais dependentes de mão-de-obra. Alargar a escolaridade implicava um enorme investimento, a formação massiva de professores e a construção de instalações.

O aumento da escolaridade implicava também que as famílias conseguissem vislumbrar na educação um meio para melhorarem as condições de vida dos seus filhos. No início da década de oitenta, apenas 6,4% da população com mais de 15 anos tinha pelo menos o ensino secundário e a escolaridade média era cerca de cinco anos. Ou seja, a larga maioria da população não tinha estudado e não tinha experimentado os benefícios da educação. Essas famílias, com baixa escolaridade, eram também famílias com baixos rendimentos, para quem as despesas de educação exigiam grandes sacrifícios, muitas vezes com cortes em bens essenciais. Muitas famílias não conseguiam vislumbrar os benefícios da educação. Muitas famílias não tinham meios para permitir que os filhos prolongassem os estudos para além da escolaridade obrigatória.

O aumento da escolaridade obrigatória foi decisivo para aumentar os níveis de escolaridade da população portuguesa. Em 1979, foi aprovada uma lei para a entrada em vigor dos seis anos de escolaridade obrigatória. Em 1986, a escolaridade obrigatória aumentou para os nove anos. E, em 2009, a escolaridade obrigatória aumentou para os 12 anos. Este último aumento da escolaridade obrigatória está associado a uma forte redução do abandono escolar, que diminuiu de mais de 40% no início dos anos 2000 para 6% em 2022 (9,6% na UE). O tardio aumento da escolaridade obrigatória para 12 anos pode muito bem ter sido um dos mais graves erros das políticas públicas da nossa democracia.

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Neste contexto, o alargamento do acesso a níveis superiores de escolaridade ocorreu de forma muito gradual. No entanto, à medida que os níveis mais elevados de escolaridade foram aumentando e à medida que pessoas mais qualificadas foram entrando no mercado de trabalho, a mudança no panorama da escolaridade da população portuguesa foi acelerando. Em 2022, 44% da população entre os 25 e os 34 anos tinha concluído o ensino superior (42% na União Europeia). Em 2020, 26% da população em idade ativa tinha o ensino superior (12% em 2006). Depois de muitas décadas de investimento, a população mais escolarizada começa a deixar de ser uma pequena minoria para se tornar predominante em muitos sectores de atividade.

Para além do investimento público, ao longo das últimas décadas, as famílias têm também dedicado uma parte significativa do seu rendimento disponível a despesas de educação. A par da habitação, o investimento em educação é o principal investimento da generalidade das famílias portuguesas.

E como tem evoluído o retorno deste enorme investimento do Estado e das famílias?

Um artigo recente do Banco de Portugal apresenta dados interessantes sobre a evolução dos salários em Portugal no período 2006-2020, comparando a evolução dos salários de diversos grupos sociodemográficos. Um primeiro facto a registar é o fraco crescimento dos salários reais. Os autores mostram que naquele período o salário médio real dos trabalhadores do setor privado registou um crescimento anual médio de 1%. Um segundo facto a registar é que o grupo dos trabalhadores mais jovens e com ensino básico registou o maior crescimento salarial dado ter beneficiado dos aumentos do salário mínimo. Esta dimensão da evolução salarial é positiva e contribuiu para a redução da desigualdade salarial. No entanto, um terceiro facto surpreendente é o da diminuição do salário real médio dos trabalhadores com ensino secundário e superior. No caso do ensino superior, a diminuição do salário real médio foi de 1745 euros em 2006 para 1611 em 2020. É verdade que o salário real médio dos trabalhadores com ensino superior era ainda 52% superior ao de um trabalhador com o ensino secundário (60% em 2006). Essa vantagem salarial dos licenciados continua a justificar o grande investimento das famílias em educação. No entanto, esta diminuição dos salários reais dos trabalhadores mais qualificados ajuda-nos a compreender por que razão o enorme aumento da escolaridade não é visível nas estatísticas da produtividade: a procura de qualificações não tem acompanhado o enorme aumento da oferta. Isto é, a economia não tem conseguido aproveitar o aumento das qualificações dos portugueses e transformar em valor económico a acumulação de capital humano das últimas décadas. O aumento das exportações, associadas a empresas mais competitivas e inovadoras e com gestores e trabalhadores mais qualificados, sugerem que podemos estar a atingir um ponto de viragem no nosso modelo económico. Mas só quando os salários dos mais qualificados aumentarem de forma sustentada saberemos que algo de verdadeiramente estrutural está a mudar na economia portuguesa. Só nessa altura teremos a viragem para um novo paradigma baseado no conhecimento e nas qualificações.