Admitindo que André Ventura se mantém irrevogavelmente contra o Orçamento do Estado, o que, por estes dias, é um prognóstico arriscado, o melhor que poderia acontecer a Pedro Nuno Santos era ir a eleições agora. Por muito que esta ideia possa ser contra-intuitiva, o limbo em que se encontra o PS está a dinamitar as hipóteses de afirmação dos socialistas como alternativa a Luís Montenegro.

Objetivamente, as eleições foram em março e raro foi o dia em que Pedro Nuno Santos não teve de responder sobre se viabiliza ou não o Orçamento do Estado. E o pior ainda nem chegou. Se ou quando viabilizar o documento, não haverá dia em que André Ventura não o cole a Montenegro para vestir o fato de verdadeiro líder da oposição.

Quando as próximas eleições chegarem (daqui a dois ou daqui a quatro anos), ninguém se lembrará de como Pedro Nuno Santos pôs o “interesse nacional” à frente das “ansiedades partidárias” e salvou o país de uma crise política. Tal como ninguém se lembrou que Rui Rio suspendeu a oposição a António Costa durante a pandemia e que, antes disso, clamou insistentemente por pactos com PS. Ou que António José Seguro moderou o combate político a Pedro Passos Coelho durante a intervenção da troika e até se predispôs a estudar a hipótese de um governo de salvação nacional. Ou que Marcelo Rebelo de Sousa salvou três Orçamentos de António Guterres.

Os três tiveram o mesmo destino: a derrota. O primeiro caiu perante uma maioria absoluta; o segundo foi corrido do partido sem ir a votos nas legislativas; e o terceiro, já muito desgastado internamente, deitou a toalha ao chão e saiu por vontade própria. E nem sequer existia um partido com a dimensão do Chega, bastante eficaz em captar o descontentamento e o desencanto com os partidos do “regime”.

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Esta é a dura realidade de quem se senta no lugar de líder da oposição — e está por nascer o primeiro que não queira chegar a primeiro-ministro e devolver o partido ao poder. Os discursos sobre o “interesse nacional”, mesmo que genuínos, mesmo que racionais e coerentes, mesmo que certeiros, são ótimos para quem assiste de fora – ou para quem, cinicamente, deseja que o adversário interno tenha uma morte prolongada no tempo. Mas o resultado prático, por muitas voltas que se dê, é sempre o mesmo: capitaliza quem está no poder; perde quem serve de boia de salvação.

A história, aliás, é muito pouco simpática para os líderes de oposição. Nunca é demais repetir. Desde a primeira vitória de Aníbal Cavaco Silva, em 1985, só por duas vezes um primeiro-ministro em funções perdeu uma corrida às urnas: Pedro Santana Lopes (ao fim de cinco meses) e José Sócrates (ao fim seis anos, com um país em bancarrota). Ambos em circunstâncias absolutamente extraordinárias, quase irrepetíveis.

Até Pedro Passos Coelho, depois de quatro anos duríssimos, impopulares, até traumáticos, conseguiu derrotar António Costa – anos mais tarde, quando a ‘geringonça’ caiu de vez, quando muitos diziam que tinha chegado o seu fim, que o país estava pelos cabelos com o PS, Costa tiraria da cartola uma maioria absoluta.

Os portugueses são avessos à mudança e conservadores no momento do voto. Preferem a segurança do que conhecem à aventura do desconhecido. Tem sido sempre assim há 40 anos e não há nada que aponte seriamente noutro sentido – os 50 deputados do Chega podem ter mudado o equilíbrio de forças, é verdade, mas falta perceber se esta é a verdadeira força de André Ventura ou se foi uma reação do eleitorado a escolhas vistas como pouco entusiasmantes, a oito anos de entorpecimento do regime e às circunstâncias em que caiu António Costa.

Voltando a Pedro Nuno Santos. Viabilizando o Orçamento do Estado, o secretário-geral do PS garante dois anos e meio de sobrevivência a Luís Montenegro. O instinto patriótico e o dever democrático serão louvados de forma apaixonada, seguramente. E serão esquecidos com a mesma intensidade e rapidez.

Ninguém se lembrará dos ganhos de causa do PS ou da forma como condicionou Montenegro – que o digam Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, que praticamente desapareceram às mãos de António Costa depois de lhe terem salvado a carreira política.

Com Pedro Nuno Santos não será muito diferente: depois de ter dado a mão a Montenegro (se vier a dar, subentenda-se), será (injustamente) apresentado como bengala da Aliança Democrática. Mas é assim mesmo. Em política, muitas vezes, o combate de narrativas é mais importante do que a verdade.

Chegados até aqui, se houver eleições antecipadas, Pedro Nuno Santos tem hipóteses sólidas de as vencer? Olhando para a nossa experiência coletiva (Cavaco Silva, em 1987, António Costa, em 2022), a resposta é não, não tem hipóteses sólidas de as vencer. A história diz-nos que aqueles que são percecionados como causadores de uma crise política são penalizados nas urnas.

Sobretudo nestas circunstâncias especiais, depois do realityshow em que se transformou o processo negocial, depois de se ter instalado a ideia (justa e amplamente partilhada) de que o Governo se aproximou muito das pretensões do PS, depois de linhas vermelhas que se esbateram e outras que já ninguém percebe, quando o debate está erradamente centrado na ideia de que tudo depende de 1 ponto percentual no IRC (é muito mais do que isso), a situação está ainda mais difícil para Pedro Nuno Santos. Embrulhou-se de tal forma que até já pessoas do universo socialista sugerem que seria um absurdo chumbar agora o Orçamento.

Mas, mesmo assim, imaginando que o país vai de facto a votos. Uma eventual clarificação eleitoral, por muito dolorosa que fosse e mesmo em cenário de derrota do PS, permitiria a Pedro Nuno Santos libertar-se da pressão que tem sofrido para ser a boia de salvação de Luís Montenegro e, a partir daí, relançar o partido como verdadeira oposição ao Governo. É perfeitamente possível que, depois de ter provocado eleições, o país nunca mais lhe desse uma terceira oportunidade para chegar a primeiro-ministro. Mas Montenegro, presumivelmente aliado a Rui Rocha, ficaria livre para aplicar o seu programa — e ser julgado por isso.

Em alternativa, continuar nesta posição de opositor-coadjuvante, pode garantir-lhe mais anos à frente do PS – mas dificilmente deixará o partido em melhores condições de vencer as legislativas daqui a dois anos, em 2026, ou daqui a quatro, em 2028. Pior: a força que deve servir de alternativa à Aliança Democrática estará muito mais enfraquecida.

E é simples perceber porquê: salvo qualquer desastre, é difícil imaginar que um país que renovou a confiança em José Sócrates apesar de tudo, que preferiu Passos a quem prometia virar a página da austeridade, que deu uma maioria absoluta a António Costa depois de toda instabilidade, vá chumbar um Governo que, em seis meses, já garantiu aumentos salariais para quase todos os setores que estavam na rua, que ultrapassou os socialistas pela esquerda no aumento do salário mínimo, que aumentou pensões, que vai reduzir impostos e que está a acelerar Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o que significa dinheiro para fazer obra que se veja. Um Governo com dinheiro para gastar e empenhado em não cometer erros é muito difícil de derrotar.

Tudo somado, não há muitos cenários em que Pedro Nuno Santos possa ter um final feliz. Não há decisões fáceis entre o risco de uma morte lenta e uma última oportunidade de recolocar o PS no trilho da autonomia estratégica e lutar pelo poder novamente mais tarde, com todo o risco associado. Pedro Nuno Santos, que se meteu numa camisa de forças de livre e espontânea vontade, sobrevalorizando a sua argúcia e subestimando o adversário, terá agora de escolher um de dois caminhos ou esperar que um milagre chamado Ventura o liberte da escolha.