Elisa Ferreira, comissária europeia para a Coesão e Reformas, sintetizou em entrevista ao Negócios e à Antena 1 aquele que deveria ser o nosso maior desejo: “Portugal deveria aproveitar esta oportunidade para se preparar para não pedir mais dinheiro”. Está a referir-se fundamentalmente ao Fundo de Coesão, mas podia ter ido mais longe e desejar que dependessemos apenas dos recursos que também chegam aos países mais ricos. Elisa Ferreira diz aliás que “é penoso ver que Portugal, com estes anos todos de apoio, ainda está entre os países atrasados”.
É mesmo penoso, desesperante até, verificar que somos muito pouco autónomos para satisfazer as nossas necessidades quando a crise nos bate à porta, ou até sem crise. Obviamente que a comparação é abusiva, até porque nesta crise todos os países da União Europeia vão ser apoiados, mas o Fundo de Recuperação e Resiliência corresponde a mais uma ajuda externa que nos chega em menos de uma década. Vamos ter aliás, e tal como acontecia no plano da troika, objectivos para cumprir.
Os sinais não são promissores, mas esperemos que desta vez, com o Plano de Recuperação e Resiliência e com mais uma vaga de fundos estruturais, o país consiga sair da estagnação económica e degradação dos serviços públicos que marcaram as primeiras duas décadas do século XXI. E não são encorajadores os sinais pelo que na última semana se leu e ouviu sobre o PRR. Festejaram-se os milhares de milhões que vão chegar já entre Julho e Agosto – dependendo das versões -, mas nenhuma atenção mereceu a pergunta: onde vamos aplicar esses primeiros recursos?
Estamos viciados em dinheiro europeu, como a União Europeia está viciada em relatórios e documentos variados. Os sites da Comissão Europeia são hoje um labirinto como uma babilónia são as mil uma políticas que anuncia nos mais diversos relatórios.
Os documentos que analisam o PRR português tal como os dos outros países (e que se pode ver aqui) são um exemplo do palavreado em que se transformaram os relatórios da Comissão Europeia. Assim criam uma barreira entre essa enorme burocracia e os cidadãos, não havendo comunicação que os salve. Aliás, quando precisam de comunicar directamemente, por exemplo, com os jovens, descobre-se que não conseguem despir-se do “tecnocracês”. Por muito optimistas que queiramos ser em relação ao futuro da União Europeia, o que tem vindo a acontecer coloca as maiores dúvidas sobre a capacidade de o projecto aguentar no longo prazo. Mas esse é um outro tema.
Vamos ao PRR português. Aos poucos, aqueles que ainda não tinham percebido, vão compreendendo que não há almoços grátis. Os milhares de milhões a fundo perdido vão ser bastante mais escrutinados que os fundos estruturais. Ainda este fim-de-semana, em entrevista ao jornal Público, o ministro do Planeamento Nelson de Sousa avisava que “vamos a exame todos os semestres”. Palavras do ministro: “Para cada desembolso – e está previsto serem feitos dois por ano – há um conjunto de indicadores e metas a atingir”.
Em termos gerais, embora mais condicionado às metas que a União Europeia quer cumprir do que às nossas necessidades, o PRR português acaba por responder às necessidades mais urgentes do País. É verdade que muitos empresários e alguns partidos políticos se queixaram da falta de recursos para o sector privado, mas olhando para o País, para aquelas que são as necessidades mais urgentes, o que está planeado é o dinheiro ir para o que é mais urgente fazer.
A questão é que os nossos problemas não se resolvem fundamentalmente com dinheiro. Ajuda, é necessário, mas ter dinheiro não é suficiente. É preciso haver vontade de fazer mudanças, haver coragem para desagradar por vezes a classes de população que fazem perder eleições. E se não formos obrigados nada disso vai acontecer.
O problema central é a baixa produtividade que parece ter um bloqueio. Diz a Comissão Europeia no documento que analisa o PRR português que o baixo crescimento da produtividade se explica pelos baixos níveis de capital por trabalhador, baixos níveis de investimento especialmente em intangíveis, capacidade moderada de inovação e baixos níveis de qualificação. Outros factores citados são o elevado peso de empresas micro e sub-capitalizadas, um mercado de capitais subdesenvolvido, ineficiências no sistema de justiça e restrições à concorrência nas profissões reguladas.
Este parágrafo da avaliação sintetiza bem o que é preciso fazer e como não é fácil concretizá-lo. Por exemplo, o baixo rácio de capital por trabalhador. Como convencer os empresários que não é possível produzir mais se os equipamentos não respondem? Quantos de nós não enfrentou já esse problema nomeadamente com computadores que há muito “morreram” e continuam a ser usados na empresa, bloqueando a cada instante e obrigando a interromper o trabalho? Como se convence os empresários a investir, mesmo levando em conta que alguns não têm na falta de dinheiro a razão para isso?
Mas face a esse retrato, há muita coisa que o Estado pode fazer. Melhorar as qualificações, desenvolver o mercado de capitais, tornar a justiça mais célere nomeadamente a tributária ou acabar com o excesso de poder das ordens são temas de políticas públicas. A formação profissional tem de melhorar e vale a pena perder menos tempo a falar de indicadores de educação ou curriculum e focar a atenção no que os alunos aprendem. Há, por exemplo, um défice na nossa capacidade de organização que podia ser combatido com a educação e formação. Há também empresários que deviam ter cursos de gestão nas suas mais diversas vertentes, da financeira aos recursos humanos.
Não podemos continuar a depender dos apoios europeus sem que isso nos faça crescer. Por muito que dizer que se cresceu acima da média europeia possa servir para a propaganda política, o certo é que temos sido ultrapassados por outros países da ex-Europa de Leste e não conseguimos chegar aos 3% de crescimento. Repare-se que passado o efeito da pandemia, voltamos a ter previsões de crescimento pouco acima dos 2% em 2023, como ainda a semana passada perspetivou o Banco de Portugal. Um crescimento demasiado baixo e apesar dos subsídios europeus. É de facto penoso que depois de tantos apoios ainda sejamos dos mais pobres da Europa.