Em 17 de dezembro do ano transato, o Congresso dos Deputados de Espanha (o equivalente ao nosso Parlamento) aprovou – por 198 votos a favor, 138 contra e duas abstenções – a proposta de lei orgânica, apresentada pelo partido que lidera o governo, PSOE, e define as condições para a prática da eutanásia.

No meio da atual crise pandémica, cerca de mês e meio depois, a nossa Assembleia da República – por 136 votos a favor, 78 contra e quatro abstenções – decidiu aprovar o projeto de lei apresentado pelo PS, que vem regular as condições especiais para a prática da eutanásia não punível. Embora com data de publicação incerta, a verdade é que nasceu um novo direito individual, que vem ao encontro de uma vontade social.

Eutanásia, palavra composta do grego antigo, pode traduzir-se, em termos gerais, por boa (eu) morte (thanatos), seja ela natural ou provocada. Numa aceção mais contemporânea e restritiva do termo, eutanásia pode definir-se como morte antecipada, a pedido da própria pessoa, maior de idade, que se encontra em estado terminal de vida, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, passando por extremo sofrimento e dor. Ajuda na morte, em suma.

Essa ajuda na morte compõe-se de duas modalidades, a saber: a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente (suicídio assistido); e a eutanásia propriamente dita, isto é, a administração dos ditos fármacos letais por profissionais de saúde (médicos ou enfermeiros). Primeiro, uma anestesia geral aplicada por via endovenosa (injetada numa veia), o doente fica em estado de sono induzido que o impede de sentir dor, e, depois, os barbitúricos, um composto químico mortífero à base de numerosos hipnóticos e sedativos. Em breves minutos a respiração extingue-se e o coração cessa de bater.

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Em termos legais, os procedimentos eutanásicos iniciam-se com um pedido dirigido ao médico escolhido pelo doente, o chamado médico orientador (médico assistente, médico de família ou pessoa de confiança). Seguidamente, o médico orientador emite um parecer sobre se o doente cumpre todos os requisitos e presta-lhe toda a informação e esclarecimentos sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, e o respetivo prognóstico, após o que verifica se ele mantém e reitera a sua vontade, devendo a sua decisão ser registada por escrito, datada e assinada. Por último, passa-se à confirmação pelo médico especialista na patologia que afeta o doente. O parecer tem de ser favorável, o mesmo é dizer coincidente com o parecer do médico orientador à antecipação da morte do doente. Se tal não se verificar, o procedimento é cancelado.

Na posse dos pareceres favoráveis dos vários médicos intervenientes, e reconfirmada a vontade do doente, o médico orientador remete-os à Comissão de Verificação e Avaliação do Procedimento Clínico de Antecipação da Morte, ficando depois a aguardar parecer favorável. Esse parecer deverá ser emitido no prazo máximo de cinco dias úteis.

Por fim, dar-se-á então a concretização da antecipação da morte, a qual poderá ter lugar na própria residência do doente ou noutro local por ele escolhido, desde que o médico orientador nele veja condições adequadas para o efeito, em termos de conforto e segurança clínica.

Sempre que o doente não possua as capacidades necessárias para decidir de forma livre e esclarecida é excluída a possibilidade da prática da eutanásia.

Isto dito, poder-se-á concluir que os diplomas legislativos ibéricos são semelhantes, já que ambos preveem o suicídio assistido e a eutanásia, a validação do seu pedido por dois médicos, a sua confirmação, pelo doente, durante as quatro fases do procedimento, podendo tudo ser parado em qualquer momento. Porém, a tramitação espanhola dura 40 dias desde o pedido inicial ao médico orientador, ao passo que a nossa ainda se desconhece.