Anselmo Borges, que não trato por padre porque como tal não assina o seu nome, escreveu uma crónica intitulada “A Imaculada Conceição, o pecado original e o sexo” (Diário de Notícias, 2-12-23).
Neste texto, Anselmo volta a dizer que não tem “dúvida de que a Igreja, na sua história, foi contaminada por uma verdadeira obsessão pelo sexo, numa relação envenenada com a sexualidade e o prazer”. Se todos somos Igreja, não é descabido supor que a dita contaminação é dele também, o que explica esta sua insistência.
Borges começa por justificar esse seu texto com a nossa alegada ignorância. Como teme “que a maioria dos portugueses” não saiba “a razão do feriado de 8 de Dezembro”, faz o obséquio de descer das sumidades da Lusa Atenas, onde pontifica, para nos esclarecer e iluminar. Não o faz como mestre na fé, que não é, nem como professor da religião católica, que não parece professar, nem sequer como consagrado, pois não assume que o é, mas a título pessoal, pois são exclusivamente suas as doutrinas que prega, em flagrante contradição com os dogmas e o magistério da Igreja.
Anselmo Borges tem a pouco original tese de que foi Santo Agostinho quem inventou o pecado original, mas a verdade é que, já muitos séculos antes, São Paulo escreveu que, “tal como por um só homem entrou o pecado no mundo e, pelo pecado, a morte, assim a morte atingiu todos os homens, uma vez que todos pecaram. De facto, (…) desde Adão até Moisés reinou a morte, mesmo sobre aqueles que não tinham pecado por uma transgressão idêntica à de Adão, que é figura daquele que havia de vir” (Rm 5, 12-14).
O pecado de Adão e Eva foi pessoal, mas supôs a perda de uma série de prerrogativas que lhes tinham sido concedidas e que, por esse motivo, não foram transmitidas à sua geração que, por isso, carece de salvação, ou redenção. Não é estranho que assim tenha acontecido pois, se o neto de um milionário é filho de um pai pródigo, é provável que não receba a herança que, de outra forma, certamente, herdaria.
Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC), o pecado original é uma verdade de fé, que não se pode pôr em causa “sem atentar contra o mistério de Cristo” (CIC, 388-389). É uma realidade que se prova também pela existência do mal no mundo pois, caso contrário, seria preciso atribuir ao Criador esta tão manifesta e generalizada deficiência das suas criaturas, não obstante a sua criação à imagem e semelhança de Deus. Aliás, a inexistência do pecado original faria inútil a vinda de Jesus Cristo: de que nos viria, então, resgatar?! Porque é tão desejado, se ninguém dele carece, para obter a redenção?! De que nos redimiria, afinal, o desnecessário redentor?! Se não há pecado original, de que nos salva o prescindível salvador?!
A descrença de Anselmo também releva bastante ignorância científica, porque opõe à existência do pecado original, e da sua transmissão a todo o género humano (CIC, 404), a hipótese da evolução. Desconhece, pelos vistos, a plausível existência da chamada Eva mitocondrial, ou seja, de uma ancestral comum de toda a humanidade, que terá vivido há 150 ou 200 mil anos, no sul de África. Uma sequência “do seu DNA aparece em todas as gerações de seres humanos que viveram dali em diante, até aos dias de hoje, segundo pesquisas publicadas até ao momento”.
De ter havido evolução, hipótese científica muito possível, mas ainda não confirmada, essa teria acontecido previamente, até porque o discernimento e vontade, pressupostos pelo dito pecado original, só podem acontecer num ser racional e livre, ou seja, humano. Que Deus tenha formado o primeiro casal directamente, como sugere a Bíblia, ou por via de evolução, como uma interpretação não literal do Génesis também admite, é indiferente para o caso: a existência de uma provável ascendência mitocondrial comum a todo o género humano faz crível, cientificamente, a doutrina do pecado original e da sua transmissão, tal como há dois mil anos ensina a Igreja católica.
Excluído o pecado original, Borges nega também, como não podia deixar de ser, a necessidade do Baptismo, mais uma vez em aberta contradição, não apenas com o magistério da Igreja, mas também com as palavras de Jesus, ao instituir este sacramento como necessário para a salvação (Mt 28,19-20). Por este motivo, a Igreja desde sempre quis que os recém-nascidos sejam baptizados quanto antes. E, se está em perigo a vida do neófito, autoriza que qualquer pessoa, mesmo não cristã, administre este sacramento, com a condição de observar a sua matéria e forma, e ter a intenção de fazer o que faz a Igreja.
Sobre o Baptismo, Anselmo diz que “não é para apagar o pecado original, que não há”. Então, para que é?! Segundo este professor de Filosofia, “os pais baptizam os seus filhos, porque, desejando o melhor para eles, querem que eles entrem na Igreja, comprometendo-se a educá-los na fé como discípulos de Jesus.” Ou seja, o Baptismo é apenas a inscrição de alguém numa associação benéfica, como poderia ser um ginásio, uma academia de música, ou uma escola de ballet. Para Borges, o Baptismo fica reduzido a um iniciático rito social, como a inscrição de um recém-nascido num clube de futebol.
Outra fixação recorrente de Anselmo é o dogma da virgindade de Maria que, de forma pertinaz, nega ciclicamente. Citando Karl Rahner, diz que, na “virgindade de Maria, não se trata de biologia”. Ora a virgindade, ou é biológica, ou não é, porque se as palavras tanto querem dizer uma coisa, como o seu contrário, não significam nada. A virgindade é, por definição, biológica. Homem, ou mulher, biológico é um pleonasmo, porque é óbvio que o ser masculino, ou feminino, diz respeito ao sexo e, portanto, à biologia. Com a mesma falta de razão com que se afirma que Maria, apesar de não conhecer varão (Mt 1, 25; Lc 1, 34), não era virgem (?!), também se podia afirmar que a samaritana, que tinha tido cinco maridos e convivia maritalmente com um sexto homem (Jo 4, 18), afinal era virgem, mas não biológica…
Com certeza que a virgindade da Mãe de Jesus não é apenas biológica, porque também expressa a sua pureza imaculada e a sua fé intacta. Mas, se não fosse biológica, Maria não seria “virgem antes, no e depois do parto”, como a Igreja ensina e exige que os seus fiéis professem. O exegeta Jean Radermakers disse que “Mateus não se situa num plano de fisiologia, medicina, ginecologia ou sexologia, mas no de uma realidade mais profunda”, mas, se assim fosse, a Igreja não poderia afirmar o dogma da perpétua virgindade de Maria, porque este termo remete, necessariamente, para uma categoria biológica, qual é a de alguém cuja integridade física foi preservada.
Como se não bastassem as referências a K. Rahner e J. Radermakers, Anselmo Borges cita mais um ‘teólogo’ avesso à doutrina católica, Juan Masiá, que inventa, sem qualquer fundamento bíblico ou teológico, uma inexistente relação conjugal entre Maria e José e que, mais uma vez, contradiz frontalmente a verdade revelada. Obcecados com o sexo, cuja bondade e santidade na vida matrimonial não está em causa, estes senhores pensam que é essa a única via pela qual Deus pode fazer surgir uma vida humana, o que, em boa lógica, deveria levá-los a supor uma união conjugal na concepção de Adão e Eva… Se Deus pôde criar, por outra via que não a sexual, Adão e Eva, porque não pôde fazer que Maria, mantendo-se virgem, concebesse no seu ventre o filho de Deus?!
A repetida afirmação de que a Igreja tem “uma verdadeira obsessão pelo sexo”, diz mais de quem a profere do que da Igreja, porque é ele que, obsessivamente, não consegue libertar-se desta temática, certamente muito secundária na doutrina católica, bem como na moral cristã, pois referida apenas no 6º e 9º mandamentos da Lei de Deus.
Que o cardeal R. Marx tenha chamado “a atenção para a urgência da ‘mudança da moral sexual católica’, superando ‘uma imagem que tem estado marcada pela culpa e pelo pecado’”, também não surpreende: quando não se consegue, ou não se quer, praticar a virtude, o único caminho que resta é o da justificação do vício oposto. Foi assim, também, com os fariseus.
Ainda não era dogma a Imaculada Conceição da sempre Virgem Maria e já a Universidade de Coimbra exigia o solene juramento desta prerrogativa da Mãe de Deus a todos os seus estudantes, como condição prévia à obtenção de um grau académico. Pena é que agora, pelos vistos, alguns dos docentes dessa ilustre Academia, por ignorância ou má-fé, impunemente neguem este dogma mariano, solenemente proclamado pela Igreja católica em 1854, e logo confirmado pelas aparições marianas de Lourdes, em 1858. Maria é a nossa Padroeira e Rainha e, em Fátima, deu certeza à esperança de que um dia, que se espera próximo, o seu Imaculado Coração triunfará.