A superioridade moral e a intolerância da esquerda mais radical nas questões de costumes são insuportáveis. Quem não concorda com as suas opiniões é desqualificado como reacionário, homofóbico, e até mesmo considerado, como aconteceu com Gentil Martins, como um “velho” (a indecência de alguns esquerdistas radicais ultrapassa sempre os limites razoáveis). Estes ataques surgem regularmente, especialmente quando se discute a homossexualidade.

Há aqui questões que devem ser tratadas de um modo diferente. Uma diz respeito aos direitos e à discriminação contra os homossexuais. É óbvio que ninguém pode ser discriminado, sobretudo na vida pública e profissional, por ser homossexual. Também é óbvio que esta discriminação existiu, e continua a existir. Uma sociedade justa e livre não deve discriminar orientações sexuais, nem raças, nem religiões, nem géneros. Mas também não deve discriminar ideologias nem doutrinas. Todos nós sabemos os obstáculos que existem à promoção profissional de pessoas conservadoras e liberais em certas universidades ou em certos ministérios (em Portugal, na Europa e nos Estados Unidos). Em suma, todas as formas de discriminação são injustas e devem ser combatidas.

Passemos agora aos direitos dos homossexuais. Há dois direitos que têm sido muito discutidos nos últimos tempos: o casamento e a adopção de crianças. Em ambos os casos, sou favorável ao alargamento desses direitos aos homossexuais. Aliás, não entendo a oposição de muitos católicos ao casamento dos homossexuais na medida em que não se podem casar pela igreja, o único casamento reconhecido pelos católicos. Embora reconheça que é uma questão moral mais complicada, também aceito que homossexuais possam adoptar crianças. Um casal de dois homens ou de duas mulheres pode educar devidamente os seus filhos. Acho que é mesmo bizarro discutir as capacidades de educação de um adulto de acordo com a sua orientação sexual.

Nesta discussão chegamos, no entanto, a um problema que não pode ser evitado. O plano da defesa de direitos individuais, especialmente de minorias, é diferente do modelo de sociedade que defendemos e com o qual nos identificamos. Defendo os direitos dos homossexuais ao casamento e à constituição de família, mas sou contra uma visão da sociedade na qual a normalização da homossexualidade leve ao exagero absurdo de se considerar que é indiferente ser educado por uma família de duas mães (ou pais) homossexuais ou uma família de pais heterossexuais. É muito diferente e é um disparate afirmar o contrário.

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E, no ponto essencial, a questão nem sequer tem a ver com a orientação sexual. Sempre que possível, as crianças devem ser educadas pela mãe e pelo pai naturais, e não apenas pelo pai ou apenas pela mãe. Como é óbvio, no caso de um casal de homossexuais as crianças, na melhor das hipóteses, só são educadas ou pela mãe ou pelo pai. As crianças gozam do direito a poderem ser educadas pela mãe e pelo pai naturais. Chegamos aqui ao ponto fundamental da questão. Para a esquerda radical, o verdadeiro propósito não é a defesa da liberdade ou dos direitos dos homossexuais. O objectivo central é o ataque à família tradicional, essa instituição “burguesa” responsável por muitos dos males das sociedades capitalistas. O desejo de desqualificar a família tradicional é tão forte que os leva ao exagero de colocar a maternidade e a paternidade naturais no mesmo plano da maternidade e da paternidade adoptivas. A sociedade alternativa que, em ultima análise, sugerem seria constituída por crianças feitas em laboratórios e educadas, indiferentemente, pelos pais e mães naturais ou adoptivos. Seria o 1984 de Orwell no seu pior.

Há certamente um meio caminho virtuoso entre a defesa da não-discriminação e dos direitos dos homossexuais e uma visão da sociedade onde tudo é indiferentemente igual. Os liberais devem defender os direitos dos homossexuais e lutar, contra os ataques das esquerdas radicais, por uma sociedade assente na família tradicional. Julgo que a maioria dos portugueses revê-se nesta posição.

Mas a instrumentalização da homossexualidade pela esquerda radical para fins políticos é ainda mais evidente quando se observa o modo como trata a questão da liberdade em geral. As esquerdas radicais defendem a liberdade a la carte. As mesmas esquerdas que defendem a liberdade à homossexualidade, são contra a liberdade de escolha na educação – o Estado deve decidir as escolas onde estudam os nossos filhos –, na saúde – o Estado deve escolher os hospitais que nos tratam –, nos serviços – são a favor das nacionalizações de sectores vitais como a banca e as seguradoras – e no modo como se gasta os rendimentos do trabalho – defendendo impostos elevados.

As esquerdas radicais defendem o direito dos homossexuais a adoptar crianças, mas depois gostariam de impedir esses mesmos casais de escolher livremente a escolas dos seus filhos, os hospitais onde se tratam, os bancos onde pedem créditos e o modo como gastam o dinheiro que ganham. O grande embuste das esquerdas é reduzir os homossexuais à sua homossexualidade. Mas os homossexuais são muito mais do que homossexuais. Têm famílias, são profissionais, são consumidores de serviços, são contribuintes. E são acima de tudo cidadãos livres. O que deixariam de ser se um dia as esquerdas que agora os defendem com tanto zelo e fervor ideológico impuserem ao nosso país o seu programa político.