Li por aí muitas tiradas lindas e pomposas que nos garantem que perante Marine Le Pen e derivados há que debater, rebater, vencer pelos argumentos, conversar piedosa e pacientemente até trazer as ovelhas tresmalhadas que seguem estes produtos políticos tóxicos de volta ao bom caminho. É argumentação muito bonita, quase digna de uma parábola no Novo Testamento do bom pastor que nunca abandona quem se perde pelos extremismos – mas de uma ingenuidade assombrosa.
Sobre proibições e censura já perorei a semana passada. Sucede que, lá porque uma pessoa ou um ideário político não é ilegal e, donde, proibido, tal não significa que tenhamos de divulgar e, pior, conversar com tais ideólogos ou seguidores. Como aparentemente muitos parecem defender. O argumento vai na linha ‘se não se divulga e não se conversa, esta exclusão só dá força ao excluído’.
Suspiro. É um caso típico de nunca se aprender nem com as lições mais ostensivas. Os argumentos que leio para defender o convite para a Webb Summit a Marine Le Pen são tal qual os que lia para defender a liberdade de expressão dos extremistas islâmicos dentro da Europa. A quantidade de vezes que me disseram – quando eu clamava que deixar estas pessoas a falarem à solta era perigoso, que estavam a usar as liberdades que lhes disponibilizávamos contra nós – que não, o Ocidente venceria estes obscurantistas dando-lhes liberdade e provando com a tolerância que somos superiores. Deixá-los dizer que os crentes deviam guerrear e matar os infiéis. Tinham todo o direito de dizer isto. Só se torcia o nariz quando (e a quem) de facto guerreasse e matasse infiéis.
Durante tempo de mais agiu-se como se a incitação à violência não estivesse relacionada com a violência. Que anjinhos tantos foram. Só ao fim de demasiados atentados terroristas – de demasiadas mortes – se endureceu a legislação que limita a liberdade de expressão nos casos de incitação à violência ou nos discursos de ódio vindos dos radicais islâmicos.
Finalmente lá se percebeu que não, que a maneira mais eficaz de combater esta erva ruim era não lhe dar espaço para crescer. Ao fim de vários anos a apelar ao ódio e à violência e a radicalizar jovens, protegido pelas leis e pela claque da liberdade de expressão absoluta, Anjem Choudary (por exemplo) foi preso por incitação ao terrorismo. Não sem que outros continuassem a defender o seu direito à liberdade de expressão sem limites e a prisão como um abuso estatal.
Casos como os de Marine Le Pen são mais ambíguos. Estamos no fio da navalha e reconheço que não tenho respostas absolutas para estes casos. Sei, porém, que o mantra da liberdade de expressão sem limites e a necessidade de debate não colam.
É possível que haja uma fina barreira vermelha entre a incitação ao terrorismo e à violência e ao discurso de ódio. Em boa verdade temos todos o direito de odiarmos quem quisermos, desde que não lesemos direitos do nosso objeto de ódio. Não faz sentido ilegalizar sentimentos. Mas se o ódio é expresso em palavras públicas, levanta-me reservas. Não podemos enterrar a cabeça na areia e fingir que o discurso da extrema direita é só palavras inócuas. Os membros destes grupos começam a ser estudados e, sem surpresa, verifica-se que desumanizam e diabolizam os indivíduos que odeiam – dos mexicanos às feministas. E sabemos bem que diabolizar e não ver o outro como partilhando da nossa humanidade é o primeiro passo para aceitar ou perpetrar violência sobre esse outro.
Já pelo menos dois massacres foram feitos nos Estados Unidos por dois sinistros incels – os celibatários involuntários que não conseguem ter namoradas nem casos sexuais e se vingam das mulheres que os repudiam matando a eito. Ora esta cultura incel divulga pela net um brutal ódio às mulheres e revela desejos de vingança. Quem pode garantir que os massacres não são incentivados por este discurso de ódio? (De resto, discurso de ódio contra as mulheres é o que não falta pelas redes sociais.)
Não sei a resposta a dar a estes ódios, e outros, que brotam publicamente. Mas sei que, não sendo solução criminalizá-los, é irresponsável e cúmplice dar-lhes palco, estender-lhes convites, normalizá-los, legitimá-los. Inclusive palco online. A maioria das pessoas que usa a internet tem a mesma capacidade crítica sobre o que lê que Homer Simpson tinha para a televisão.
Também é inútil tentar conversar com radicais para os converter à sensatez. Lamento dar a notícia a quem ainda não tinha percebido esta realidade. Devemos conhecê-los, vigiá-los, mas é perda de tempo tentar recuperá-los. Os que aderem a estes movimentos têm tendências tribais fortes e não são necessariamente permeáveis a factos e informação que contrariem crenças; pelo contrário, fornecer informação, mesmo se contraditória, serve para reforçar as posições iniciais.
Há sinais aqui e ali que vão no bom sentido. O Reino Unido proibiu há pouco tempo a entrada a agitadores de extrema-direita. Fez muito bem: não se devem importar temporariamente produtos radioativos; são perigos de segurança pública. Tal como seria inaceitável permitir a entrada a um conferencista islâmico que pregue o rancor ao mundo não muçulmano sunita, ou que se estendesse a passadeira a um oficial norte-coreano que explicasse como organizar campos de concentração para opositores políticos ou ao guerrilheiro de extrema-esquerda que acumula com professor de explosivos, também não há necessidade de receber estes provocadores carregados de mensagens de ódio.