Não tenho por hábito pessoalizar os artigos que escrevo sobre o assunto da despenalização e legalização da morte a pedido, uma vez que a importância do mesmo transcende em muito cada um dos seus intervenientes.

No entanto, é difícil não reconhecer que, sem prejuízo da responsabilidade individual e colectiva dos deputados que têm aprovado as várias versões deste diploma, algumas pessoas têm tido um papel preponderante neste(s) processo(s) legislativo(s). Uma dessas pessoas é, sem dúvida, a deputada Isabel Moreira. A outra é o Presidente da República.

Como é do conhecimento público, e gáudio e orgulho próprios, a deputada Isabel Moreira tem sido a principal defensora, impulsionadora, autora e redactora da legislação que visa despenalizar e legalizar, sob certas condições, a morte medicamente provocada, seja por via da prática do crime de “homicídio a pedido da vítima”, seja por via da prática do crime da “ajuda ao suicídio”, comummente denominada de «lei da eutanásia».

Em recente artigo de opinião, intitulado “Eutanásia: mais um adiamento. Precisamos de paz”, publicado no Expresso online a 06.04.2023, a deputada Isabel Moreira teceu um conjunto de considerações que merecem ser comentadas, até porque o diploma em breve chegará a Belém.

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Nele, começa Isabel Moreira por se insurgir contra o facto de o Chega, por falta de tempo para analisar o texto final (só disponibilizado na véspera da reunião da Comissão), ter exercido o seu direito regimental potestativo ao adiamento da, segundo diz, “formalidade de aprovar a redação final” do decreto aprovado em Plenário no passado dia 31.03.2023, criticando o uso reiterado daquilo que apelida de “expedientes” para adiar “a democracia e o direito fundamental a uma morte autodeterminada”, dando ainda como exemplo o facto de o CDS (na anterior legislatura) se ter oposto à redacção final aprovada pela Comissão “para que o diploma fosse com incongruências para Belém”.

Estas críticas são extraordinárias e destituídas de qualquer fundamento.

Por um lado, considerar que o exercício de um direito, ainda por cima potestativo, dos deputados ou grupos parlamentares consubstancia um “expediente” dilatório é um absurdo jurídico. Por definição, o exercício de um direito potestativo depende unicamente da vontade do seu titular, sem ser necessário sequer apresentar qualquer justificação para o efeito. E se constitui um direito, não pode ser qualificado de “expediente” quando exercido.

Aliás, Isabel Moreira parece ter-se esquecido, por exemplo, que o próprio PS, no passado dia 26.10.2022, exerceu esse mesmo direito potestativo ao adiamento da votação na especialidade do texto final da lei da eutanásia.

Por outro lado, considerar que a aprovação da redacção final de um diploma – e, muito em particular, deste diploma – é uma (mera) formalidade é, também, um absurdo jurídico. Esta aprovação é uma formalidade importante, tanto mais que a experiência passada neste mesmo assunto tem demonstrado que alguns deputados e a Comissão têm aproveitado o momento da redacção final para introduzirem alterações substanciais no texto final dos diplomas (não aprovadas em Plenário), em clara violação do que dispõe o Regimento da Assembleia da República (RAR) a este respeito, i.e., que “A comissão parlamentar não pode modificar o pensamento legislativo, devendo limitar-se a aperfeiçoar a sistematização do texto e o seu estilo, mediante deliberação sem votos contra” (art. 156º, nº 2 do RAR).

Recorde-se que foi precisamente por ter sido desrespeitada esta norma regimental que o Chega apresentou reclamação (e depois recurso) da redacção final dada ao Decreto nº 23/XV, ambos indeferidos (infundadamente em minha opinião).

E recorde-se, também, que foi por terem sido introduzidas alterações substanciais que modificavam o pensamento legislativo (por sugestão, aliás, em grande parte da deputada Isabel Moreira) que o CDS apresentou na anterior legislatura, e no exercício de um seu direito regimental, reclamação contra a redacção final do Decreto nº 199/XIV (onde foram abusiva e ilegalmente alterados 26 dos 33 artigos do diploma), reclamação esta que, no caso, foi deferida pelo então Presidente da AR.

Como afirmou em tempos Vital Moreira (no seu blog Causa Nossa, a 30.11.2021) a propósito do veto político do Presidente da República relativamente ao Decreto nº 199/XIV: “Não dá para entender esta falha de rigor num diploma destes, já em segunda edição”; “Pouco cuidadosos foram e só de si mesmos se podem queixar”; e “eu preferira destacar a imperdoável incúria dos deputados”.

Assim, o exercício de direitos regimentais para pôr termo a violações não apenas de normas regimentais mas também de normas constitucionais não só não consubstancia um expediente dilatório, como não adia a democracia. Bem pelo contrário, pode evitar a sua morte.

Por outro lado, ainda, é curioso assinalar que a deputada Isabel Moreira defenda (agora) a existência de um “direito fundamental a uma morte autodeterminada” quando não há muito tempo defendia, por exemplo, na Exposição de Motivos do Projecto de Lei nº 104/XIV, que subscreveu conjuntamente com outros deputados do PS e apresentou em 21.11.2019, que: “Entendemos, como é consensual, que não existe um direito jurídico-constitucional à eutanásia ativa, «concebido como um direito de exigir de um terceiro a provocação da morte para atenuar sofrimentos» (…). Também não faz sentido, do ponto de vista jurídico-constitucional, a construção de um direito a morrer.

Ora, se não existe um direito fundamental a ser morto, nem um direito fundamental a morrer – o que subscrevo –, como é que poderia ou poderá existir um “direito fundamental a uma morte autodeterminada”?

Relembre-se que o Tribunal Constitucional (TC), no Acórdão nº 123/2021, de 15.03, para além de não ter reconhecido um “hipotético direito fundamental a uma morte autodeterminada”, afirmou que “O teor da consagração do direito à vida na Constituição portuguesa – a vida humana é inviolável – torna facilmente apreensível que aquele direito não tem uma dimensão negativa: ao direito de viver (e, portanto, de não ser morto) não se contrapõe um direito a morrer ou a ser morto (por um terceiro ou com o apoio da autoridade pública), um direito a não viver ou um direito de escolha sobre continuar ou não a viver”.

Mas mesmo se existisse um “direito fundamental a uma morte autodeterminada”, nunca o diploma que foi aprovado pelos deputados no passado dia 31.03.2023 (assim como os anteriores diplomas) – o Decreto da Assembleia da República nº 43/XV – seria adequado ou apropriado ao exercício de um tal “direito”, na medida em que neste diploma a morte da pessoa que pede para morrer não é autodeterminada, mas sim (sempre) heterodeterminada, pois mesmo no caso do suicídio medicamente assistido, e não apenas no caso da eutanásia, terão sempre de existir três pareceres (do médico orientador, do médico especialista e da Comissão de Verificação e Avaliação) favoráveis à antecipação e provocação da morte pedida. Ou seja, serão estes pareceres, em particular o parecer final da CVA, que determinarão que a morte poderá ser executada.

Deste modo, independentemente de a morte vir a ocorrer por eutanásia ou por suicídio medicamente assistido, ou seja, de os fármacos letais serem administrados ao “doente” pelos profissionais de saúde (médicos ou enfermeiros) ou serem autoadministrados pelo próprio “doente”, o diploma estabelece que a morte será sempre heterodeterminada, embora deva ser (agora) preferencialmente autoadministrada ou auto-executada.

Depois, no referido artigo, tenta a deputada Isabel Moreira justificar as duas alterações que foram introduzidas no texto do diploma reapreciado na sequência do Acórdão do TC nº 5/2023, de 30.01 e do veto presidencial por inconstitucionalidade, o agora Decreto nº 43/XV, a saber:

1ª – A eliminação, na definição de “sofrimento de grande intensidade”, dos adjectivos “físico, psicológico e espiritual” (art. 2º, al. f)); e

2ª – A (alegada) consagração da subsidiariedade da eutanásia em relação ao suicídio medicamente assistido, só podendo aquela “ocorrer quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente” (art. 3º, nº 5), i.e, “quando o doente estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais” (art. 9º, nº 2, in fine).

Quanto à 1ª alteração, diz Isabel Moreira que “Entendendo alguns juízes que a conjugação «e» é alternativa e outros juízes que é cumulativa, optámos por regressar ao conceito de sofrimento sem adjetivos, já legitimado pelo TC em acórdão anterior”.

Quanto à 2ª alteração, refere que “da leitura cruzada do acórdão e das declarações de voto, é plausível que se tivesse sido questionada a não consagração expressa da subsidiariedade da eutanásia em relação ao suicídio mediamente assistido, e de forma inequívoca, teria havido pronúncia pela inconstitucionalidade da referida não subsidiariedade. Foi, assim, antecipada mais esta exigência implícita, e nova, do acórdão”.

E diz ainda Isabel Moreira: “Mais uma vez chegou o tempo do PR, que acreditamos ser de conforto. A margem de conformação do legislador foi testada como nunca e respeitámos cada teste”.

É verdade: mais uma vez chegou o tempo do Presidente da República, o outro interveniente decisivo neste(s) processo(s) legislativo(s). Só que, ao contrário do que afirma Isabel Moreira, o tempo não é de conforto.

E não é de conforto, não apenas pela natureza, importância e gravidade da matéria em causa (como é que se pode falar em conforto quando se está a legislar sobre a morte provocada de pessoas …), como porque, mais uma vez, o legislador não passou no teste, reincidindo no uso de má técnica legislativa (como o TC assinalou no Acórdão nº 5/2023) e numa redacção deficiente, contraditória e inconstitucional, nomeadamente, mas não principalmente, por falta de clareza, de densidade e de determinabilidade da lei.

Por uma vez o legislador chumbou o teste da apreciação política presidencial e por duas vezes chumbou o teste da conformidade constitucional. Não tenho dúvidas que com este diploma chumbará outra vez estes testes, em particular o teste constitucional. Vejamos sucintamente porquê.

No que se refere à 1ª alteração, importa recordar que a norma que continha a definição de “sofrimento de grande intensidade” foi considerada inconstitucional por o TC (no Acórdão nº 5/2023) ter entendido, em suma, que com a definição dada a este requisito ou condição “foi criada, desta forma, uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei”.

Ora, eliminar os adjectivos “físico, psicológico e espiritual” dessa definição, para não se ter de definir se os mesmos são cumulativos ou alternativos, não só não resolve a inconstitucionalidade pronunciada pelo TC, como a agrava, permanecendo, com mais intensidade, a dúvida sobre o exacto âmbito de aplicação da lei no que se refere a este requisito.

Por outro lado, não é inteiramente correcto afirmar-se que houve um “regresso ao conceito de sofrimento sem adjectivos, já legitimado pelo TC em acórdão anterior”, uma vez que quando o TC se pronunciou, no Acórdão nº 123/2021, não existia o artigo com definições e o requisito era, além do mais, “sofrimento intolerável”, sendo que, na presente definição de “sofrimento de grande intensidade” mantêm-se os adjectivos de “persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa”.

Relativamente à 2ª alteração – a (suposta) consagração da subsidiariedade da eutanásia em relação ao suicídio medicamente assistido –, cumpre salientar que, tal como foi dito pela deputada Isabel Moreira, a mesma foi voluntariamente introduzida pelo legislador no diploma, uma vez que o TC, no Acórdão nº 5/2023, não se pronunciou pela inconstitucionalidade dessa falta de subsidiariedade, até porque essa questão não foi suscitada pelo Presidente da República.

Tendo esta alteração sido voluntariamente feita pelo legislador, ainda que por antecipação a um eventual e futuro juízo de inconstitucionalidade (em função das várias declarações de voto dos juízes do TC), não poderá vir o legislador queixar-se se o Presidente da República vier a questionar, junto do TC, em sede de fiscalização preventiva, a constitucionalidade do modo como essa subsidiariedade foi consagrada no diploma, como eu entendo que não poderá deixar de o fazer, atendendo, nomeadamente, às alterações concretas que foram feitas no diploma e principalmente àquelas que ficaram por fazer. Vejamos porquê.

No novo decreto foi aditado um novo nº 5 ao art. 3º, que dispõe que “A morte medicamente assistida só pode ocorrer quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente”; e foi alterada a parte final do nº 2 do art. 9º (referente à «Concretização da decisão do doente»), com a inclusão da frase “quando o doente estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais” e a retirada da frase “sendo a decisão da responsabilidade exclusiva do doente“, tendo a dita norma ficado com a seguinte redacção:

O médico orientador informa e esclarece o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a morte medicamente assistida, designadamente a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito, mas sob supervisão médica, quando o doente estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais.”

Ora, os conceitos utilizados nestas normas – de “impossibilidade” e de “incapacidade física” – suscitam, desde logo, inúmeras dúvidas quanto à sua determinabilidade: quando é que existirá “impossibilidade”? Em que situações? E a “incapacidade física” do doente será total ou parcial? Será permanente ou temporária?

Por outro lado, o legislador esqueceu-se de alterar várias outras normas do diploma que continuam a pressupor e a prever que será o doente a tomar a decisão quanto ao “método a utilizar na prática da morte medicamente assistida”, pelo que a suposta subsidiariedade da eutanásia em relação ao suicídio medicamente assistido – que pressupõe forçosamente que não é o doente quem toma a decisão de escolha do método, mas sim o médico orientador – só aparentemente foi consagrada neste diploma.

Com efeito, é preciso ter presente que em todas as anteriores versões do diploma a decisão quanto ao método a utilizar na prática da morte pedida sempre foi uma decisão da responsabilidade exclusiva do doente, tendo o legislador optado por tratar conjuntamente a prática da eutanásia e do suicídio medicamente assistido, estabelecendo exactamente o mesmo procedimento para ambas as situações até ao momento final da administração ou da autoadministração dos fármacos letais.

Apenas no presente diploma o legislador decidiu alterar duas normas no sentido de afirmar a subsidiariedade da prática da eutanásia em relação à prática do suicídio medicamente assistido. No entanto, o legislador manteve inalteradas várias outras normas das quais decorre, sem margem para dúvidas, que a decisão quanto ao método a utilizar na prática da morte caberá exclusivamente ao doente e não ao médico orientador. São essas normas as seguintes:

  • Mediante parecer favorável da CVA, o médico orientador, de acordo com a vontade do doente, combina o dia, hora, local e método a utilizar para a prática da morte medicamente assistida” (art. 9º, nº 1);
  • A decisão referida no número anterior deve ser consignada por escrito, datada e assinada pelo doente, ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, e integrada no RCE, sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo 3.º” (art. 9º, nº 3);
  • Após a consignação da decisão, o médico orientador remete cópia do RCE respetivo para a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que pode acompanhar presencialmente o procedimento de concretização da decisão do doente” (art. 9º, nº 4);
  • O RCE inicia-se com o pedido de morte medicamente assistida redigido pelo doente, ou pela pessoa por si designada nos termos do n.º 2 do artigo 11.º, e dele devem constar os seguintes elementos: (…) e) A decisão do doente sobre o método de morte medicamente assistida” (art. 16º, nº 1);
  • No decurso do procedimento clínico de morte medicamente assistida, os médicos e outros profissionais de saúde que nele intervêm devem respeitar os seguintes deveres: (…); c) Informar o doente sobre os métodos de administração ou autoadministração dos fármacos letais, para que aquele possa escolher e decidir de forma esclarecida e consciente” (art. 19º).

Parece, pois, evidente, a contradição que existe entre estas normas e as duas normas que foram alteradas pelo legislador neste diploma, pondo em causa a clareza, a segurança e a certeza jurídicas que se impõem, por maioria de razão numa matéria desta natureza, o que é, por si só, motivo mais do que suficiente para o Presidente da República enviar, preventivamente, o diploma para o TC.

Quanto às demais razões que deveriam e/ou deverão levar o Presidente da República a suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade de muitas das normas deste diploma junto TC (e não apenas destas), remeto para o que escrevi em anteriores artigos (em particular, no artigo intitulado Um mau pedido de fiscalização deu origem a um mau acórdão).

Permito-me fazer apenas uma observação: depois das críticas que lhe foram feitas, no Acórdão nº 5/2023, pela maioria dos juízes do TC e das fortíssimas críticas, quase a raiar a humilhação, que lhe foram feitas pela juíza relatora do acórdão (recém-chegada ao TC) na sua declaração de voto, se o Presidente da República tiver orgulho no seu passado de ilustre constitucionalista e sentido de dever e de responsabilidade no cargo que ocupa e na função que desempenha, então deverá mostrar aos juízes do TC que sabe fazer um pedido de fiscalização bem feito e devidamente fundamentado, nomeadamente suscitando de novo a questão da constitucionalidade da eliminação de todo o diploma da palavra ou ideia de “antecipação” da morte e da substituição da doença “fatal” por doença “grave”.

Recorde-se que, nos termos previstos no art. 279º, nº 3 da CRP, na sequência de um veto por inconstitucionalidade, “Se o diploma vier a ser reformulado, poderá o Presidente da República (…), requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas”. E são tantas as normas deste diploma que violam tantas normas e princípios constitucionais, que não será difícil ao Presidente da República escolher, é só querer.

Por último, no final do mencionado artigo, a deputada Isabel Moreira escreve: “Precisamos de paz. Os doentes precisam de paz. O país quer esta paz que legitimou onde está representado”.

Estas frases não podem deixar de nos chocar, pela insensibilidade, brutalidade e arrogância que as mesmas encerram. Precisamos de paz? Mas quem é que precisa de paz: a deputada Isabel Moreira? E a que paz se está a referir: a paz dos vivos ou a dos mortos?

Paz significa quietação de ânimo, sossego, tranquilidade, serenidade, calma, boa harmonia, concórdia. Como é que a deputada Isabel Moreira pode achar que legalizar e instituir um procedimento destinado a antecipar, provocar e executar a morte de alguém, seja por doença, seja por deficiência e dependência ou incapacidade, nos poderá dar paz? Como poderemos ficar em paz sabendo que o Estado, ao legalizar a morte (supostamente) a pedido, está a abrir as portas a um eugenismo social e a desistir de cuidar e de proteger os mais frágeis, vulneráveis e dependentes, empurrando-os para a morte, não seguramente em muitos casos por opção mas por falta dela?

Como é que poderá alguém ficar num estado de calma ou tranquilidade, sem perturbações e agitações, sabendo que o Estado e a sociedade podem matar alguém, ainda que (alegadamente) a seu pedido, com fundamento em que a pessoa tem uma lesão definitiva que a incapacita e coloca dependente de terceiros ou tem uma doença grave e incurável?

Quanto aos doentes, o que eles precisam é de serem cuidados em vida e da paz que esses cuidados lhes podem oferecer e proporcionar. Os doentes não precisam que o Estado e a sociedade lhes digam que a sua vida já não tem dignidade e que não merece ser vivida e lhes dêem meios para que a sua morte seja antecipada e provocada.

Quanto à frase “O país quer esta paz que legitimou onde está representado”, é de perguntar como é que a deputada Isabel Moreira sabe o que o país quer? E quanto à alegada legitimidade, é preciso recordar à deputada Isabel Moreira que os portugueses não votaram na consciência individual dos deputados eleitos: votaram em partidos e nos seus programas eleitorais.

Ora, como se sabe, esta matéria nunca constou dos programas eleitorais tanto do PS, como do PSD, tendo estes partidos dado liberdade de voto aos seus deputados para votarem de acordo com a sua consciência. Deste modo, a maioria dos deputados, onde se inclui a deputada Isabel Moreira, não foi, nem está, legitimada pelo povo português para aprovar uma lei desta natureza.

Precisamos de paz. Precisamos que morra a lei da eutanásia.