Os últimos oito anos de governação socialista e de maioria da esquerda e extrema-esquerda na Assembleia da República foram profícuos na aprovação de medidas governativas e legislativas absolutamente desastrosas não só para o presente, como para o futuro dos portugueses e de Portugal.

Seria, por isso, expectável que a Aliança Democrática (AD), após fazer o diagnóstico desse desastre governativo e legislativo, elencasse e apresentasse, no seu Programa Eleitoral para as eleições legislativas do próximo dia 10 de Março, as medidas, governativas e legislativas, que se propõe adoptar e implementar destinadas a corrigir esse desastre, caso venha a ganhar as eleições, a ter maioria na Assembleia da República e a governar o país.

Assim aconteceu, de facto, com muitas matérias, em particular as relacionadas com a economia (que ocupam quase metade do Programa Eleitoral da AD 2024), para além das relativas à educação, cultura, ambiente, agricultura, coesão territorial e saúde, entre outras.

Sucede que algumas matérias foram esquecidas ou talvez propositadamente excluídas do Programa Eleitoral da AD 2024. Entre essas matérias estão o aborto, a eutanásia, os ataques à liberdade de educação e a promoção da ideologia de género nas escolas.

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Com efeito, com excepção de algumas medidas destinadas a incentivar a natalidade, a apoiar as famílias, os jovens adultos e as pessoas idosas, e a aumentar a prestação de cuidados de saúde continuados e paliativos, o Programa Eleitoral da AD 2024 não tem uma medida, nem sequer uma palavra, sobre: (i) a protecção da vida humana, desde a concepção até à morte natural; nem sobre (ii) a protecção da liberdade da educação, livre de quaisquer directrizes políticas ou ideológicas, dos direitos dos pais e das famílias quanto à educação dos filhos menores e do direito destes a terem um desenvolvimento saudável, integral e harmonioso.

Como não tem uma só palavra sobre a revogação, revisão ou sequer alteração da legislação que (em particular no último ano) foi aprovada pelo parlamento sobre as referidas matérias, ao contrário do que sucede relativamente a tantas outras matérias em que a AD assume o compromisso de revogar e/ou alterar a legislação existente (sendo que também se esqueceu da alteração ao estatuto de várias das ordens profissionais).

(i)  Quanto à protecção da vida humana, será que a AD pretende vir a revogar a Lei nº 22/2023, de 25.05, que “Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal”, ou dito de forma mais correcta, a lei que despenaliza, em certas situações, os crimes de homicídio a pedido da vítima e ajuda ao suicídio e que legaliza o procedimento de morte medicamente provocada?

Ou será que a AD pretende apenas esperar, como recentemente afirmou o líder do PSD num debate televisivo, que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre o pedido de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade da quase totalidade das normas da referida lei que foi apresentado em 02,11,2023 pela maioria (mais de 70%) dos deputados do PSD?

Estando em causa uma lei que é contranatura, iníqua, ilegítima, ilícita, antiética, imoral e inconstitucional – um verdadeiro atentado à dignidade da pessoa humana e ao dever e responsabilidade do Estado e da sociedade em cuidarem das pessoas mais frágeis, vulneráveis e dependentes -, devia a AD ter assumido, no seu Programa Eleitoral, o firme e expresso compromisso de revogar de imediato a Lei nº 22/2023, de 25.05. Infelizmente não o fez.

No que respeita ao aborto, numa altura em que tem vindo a aumentar a pressão mediática dos activistas para ser alargado o prazo de 10 semanas do aborto por livre opção da mulher, seria importante saber qual a posição da AD sobre o assunto. É que, no Programa Eleitoral da AD 2024, fala-se na “Remoção dos obstáculos à natalidade desejada”. E quanto à natalidade indesejada, qual é a posição da AD?

Não mostrando, assim, grande preocupação com a protecção da vida humana (de todas as vidas humanas), já, pelo contrário, a AD mostra grande preocupação com a protecção da vida animal, ao ponto de incluir no seu Programa Eleitoral, entre tantas outras medidas de revisão e/ou revogação legislativa, a seguinte medida com vista à protecção animal: “Rever, clarificar e reforçar a legislação que penaliza o abandono e os maus-tratos a animais de companhia”.

Pois eu pergunto: e o abandono e os maus-tratos a pessoas idosas, não são merecedores de reforçada protecção penal? Não devia a AD ter proposto a criação de um novo e autónomo tipo legal de crime para protecção dos idosos, com vista a reforçar a tutela penal dos seus direitos, como no passado (em 2015) foi proposto pelos deputados do PSD e do CDS-PP? Infelizmente não propôs.

(ii) Quanto à protecção da “liberdade de educação” (expressão ausente do Programa Eleitoral da AD 2024), à protecção dos direitos dos pais e das famílias relativamente à educação dos filhos menores e à protecção do direito das crianças e jovens a terem um crescimento e um desenvolvimento saudável, integral e harmonioso, é totalmente incompreensível e inaceitável que a AD não tenha apresentado sobre estas matérias qualquer medida, nem sequer tenha dito uma só palavra, depois de oito anos de governação e endoutrinação socialistas e de promoção da nefasta ideologia de género nas escolas, junto do pessoal docente e auxiliar e em particular junto das crianças e dos jovens (desde a mais tenra idade) e em todos os materiais escolares e documentos de referência de apoio à educação sexual, para a saúde e para a cidadania. Tudo isto feito sob a capa da defesa da não discriminação, da inclusão e da promoção dos alegados e pretensos “direitos à autodeterminação da identidade e expressão de género”.

 

Mas este silêncio da AD é ainda mais incompreensível e inaceitável quando em final de legislatura foram aprovadas pelos deputados três importantes e iníquos diplomas sobre estas matérias.

E ainda que dois desses diplomas não venham, felizmente, a tornar-se lei, uma vez que foram (em 29.01.2024) devolvidos pelo Presidente da República sem promulgação (embora com insuficiente fundamentação) e o respectivo processo legislativo irá caducar, pois a Assembleia da República encontra-se dissolvida, não podia a AD deixar de se pronunciar sobre a matéria dos mesmos no seu Programa Eleitoral.

E não podia deixar de o fazer dado que esses diplomas legislativos atentam contra normas e princípios constitucionais estruturantes de um Estado de Direito que se baseia na dignidade da pessoa humana e no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais.

Em todos eles encontramos o mesmo padrão: em defesa da ideologia, nega-se a biologia; em defesa da autonomia, nega-se a anatomia, em nome da liberdade, nega-se a realidade; em nome da igualdade, nega-se a alteridade; em nome da individualidade, nega-se a pessoalidade; em lugar da evidência objectiva, promove-se a percepção subjectiva; em lugar da ética, promove-se a técnica; em lugar da espiritualidade, promove-se a tangibilidade; e em lugar da humanidade, abre-se a porta à transhumanidade (e até à animalidade).

O primeiro desses diplomas, aprovado em votação final global no dia 15.12.2023 – o Decreto da Assembleia da República nº 127/XV – “Estabelece o quadro jurídico para a emissão das medidas administrativas a adotar pelas escolas para a implementação da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, e procede à sua alteração”. Sobre este diploma tive oportunidade de me pronunciar nomeadamente no meu artigo intitulado “A inaceitável e inconstitucional promoção da ideologia de género nas escolas”.

O segundo diploma, aprovado na generalidade, na especialidade e em votação final global tudo no mesmo dia 05.01.2024 – o Decreto da Assembleia da República nº 132/XV – “Modifica o regime de atribuição do nome próprio e de averbamentos aos assentos de nascimento e de casamento, alterando o Código do Registo Civil”. Sobre este diploma vide o excelente artigo de José Ribeiro e Castro intitulado “As últimas do género: a lei malandra”.

O terceiro desses diplomas, aprovado em 21.12.2023, foi, surpreendente e inexplicavelmente, promulgado pelo Presidente da República (sem qualquer observação) e deu origem à Lei nº 15/2024, de 29.01, que “Proíbe as denominadas práticas de «conversão sexual» contra pessoas LGBT+, criminalizando os atos dirigidos à alteração, limitação ou repressão da orientação sexual, da identidade ou expressão de género, alterando a Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, e o Código Penal”.

Sobre a extrema gravidade desta lei no que toca, nomeadamente, à liberdade de educação, à liberdade do exercício de determinadas profissões (tais como, por exemplo, professores, psiquiatras e psicólogos) e à liberdade de consciência, de religião e de culto, remeto para o meu artigo intitulado “A proibição e criminalização das denominadas terapias de “conversão sexual” e para o excelente artigo de José Ribeiro e Castro intitulado “Uma bebedeira de extremismo e de loucura”.

Em suma, apesar da importância de todas estas matérias e de, inclusive, o PSD ter votado contra a aprovação dos referidos primeiro e terceiro diplomas, não encontramos no Programa Eleitoral da AD 2024 uma só palavra sobre estas matérias.

Pelo contrário, é possível encontrar no Programa Eleitoral do CHEGA várias propostas sobre algumas destas matérias, tais como, por exemplo, as seguintes: “107. Revogar a Lei n.º 22/2023, de 25 de maio que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, envolvendo a sociedade e promovendo a consciencialização sobre as questões relacionadas com o princípio do direito à vida, fundamental e inviolável”; “151. Garantir que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento passe a ser opcional e o seu currículo assegure imparcialidade ideológica, priorizando a inclusão de conteúdos voltados para a literacia democrática e financeira”; “215. Promover o combate à cultura woke e ideologia de género que quer entrar na sociedade portuguesa através dos estabelecimentos de ensino”; “301. Criar um fundo de emergência para as famílias que pensem recorrer ao aborto por razões materiais (por exemplo, razões do foro financeiro ou falta de apoio logístico familiar), garantindo que não é a situação de vulnerabilidade económica o factor decisivo para a interrupção voluntária da gravidez”; “302. Devolver à família a competência de educar, revendo o papel do Estado no Ensino, retirando todo o conteúdo doutrinal e/ou ideológico dos currículos escolares e dos organismos estatais de apoio ao Ensino”; “303. Assegurar aos encarregados de educação a sua participação em todo o processo educativo, garantindo que os filhos não são expostos a conteúdos e actividades que extrapolam os fins escolares, como é o caso de materiais de propaganda à ideologia de género”.

Ora, fazendo o CDS-PP parte da AD, esperar-se-ia que propostas ou medidas semelhantes constassem do Programa Eleitoral da AD para 2024, até porque neste é dito que o programa apresentado é “fruto de um amplo debate e de uma coligação ambiciosa entre partidos que partilham uma visão reformista, moderna e humanista para o nosso país”.

Desconheço qual terá sido o contributo do CDS-PP para a elaboração deste Programa Eleitoral. Aquilo que eu conheço é que várias destas matérias estavam incluídas em anteriores programas eleitorais do CDS-PP, como, por exemplo, nos seguintes:

– No Compromisso Eleitoral Legislativas 2022: “DIGNIDADE DA PESSOA, a qual envolve (i) a defesa intransigente da vida, desde a concepção até à morte natural, (ii) a garantia da liberdade do cidadão perante o Estado, (iii) a promoção de condições que permitam dignidade ao longo da vida, (iv) a defesa do Estado social”; “FAMÍLIA, célula básica da sociedade, (i) potenciadora de importantes factores de desenvolvimento pessoal e núcleo de liberdade que deve ser protegido, (ii) impedindo o Estado de definir os valores nos quais os filhos devem ser educados; (iii) promovendo a natalidade e (iv) combatendo a ideologia de género e a sexualização da educação”; “Reconhecendo que cada indivíduo é um ser único e irrepetível, defendemos de modo intransigente a vida desde a concepção até à morte natural”; “Cuidar dos nossos idosos, reduzir a pobreza estrutural e combater a exclusão que ofende a dignidade humana, é um dever a que uma direita de cariz social e cristã não se pode furtar”; “Impedir a legalização da Eutanásia”; “Rede de cuidados paliativos: devidamente financiada e dotada e com cobertura nacional”; “Libertar o ensino de cargas ideológicas, recusar o endoutrinamento pelo Estado, e reconhecer à família o papel da transmissão de valores”; “Tornar a Disciplina de Cidadania optativa”; “Rejeitar a ideologia de género e contrariar a sua promoção”

– Programa Eleitoral Legislativas 2019: “Sabemos que a família é o centro de uma sociedade equilibrada e feliz e que cada pessoa deve poder constituir a família que deseja, sem que cada filho seja visto quase como um luxo a que poucos podem aspirar. Queremos liberdade para construir um projeto”; “Para o CDS uma sociedade humana cuida de quem cuidou e ajuda as famílias a organizarem-se para cuidarem dos seus idosos e doentes, tal como coloca em primeiro plano a qualidade dos serviços de saúde para todos, independentemente da natureza do prestador”; “O CDS é contra a despenalização e institucionalização da eutanásia e não viabilizará, com o seu voto, qualquer projeto legislativo que presuma, que estabeleça, que perspetive ou que abra possibilidade à despenalização da eutanásia. Trata-se de um compromisso inegociável”; “Cuidar dos cidadãos envelhecidos, desprotegidos, ou abandonados, contrariando a sua marginalização, é essencial no seio de uma socie[1]dade evoluída, moderna e solidária, pelo que deve ser encarada como uma das mais nobres responsabilidades do Estado em benefício dos seus cidadãos”; “Assim, a par da premente reforço das respostas sociais, seja em meio institucional, seja em meio familiar, queremos: a) Criminalizar o abandono intencional e doloso de idosos; b) Criminalizar o aproveitamento de vantagem económica de idoso (…)”; “A aposta na liberdade de educação e na autonomia das escolas é, por isso, incondicional”; “Só uma escola de qualidade acessível a todos, de acordo com um princípio de liberdade de escolha, condiz com o princípio de igualdade de oportunidades e só uma escola com autonomia suficiente para se adaptar à sua comunidade escolar pode puxar pelo melhor de cada um de nós”; “Manteremos evidentemente a defesa dos atuais colégios com contratos de associação que prestam um bom serviço público de educação, criando efetivamente uma igualdade de oportunidades para todos”.

E se estas matérias não foram consideradas suficientemente importantes para serem incluídas no Programa Eleitoral da AD 2024, já, ao invés, matérias como o “combate às alterações climáticas”, a transição energética e a descarbonização, e, bem assim o “combate à desinformação” mereceram amplo destaque e profunda atenção.

Aliás, quanto ao “combate à desinformação”, deve constituir sinal de preocupação duas das medidas propostas pela AD no seu Programa Eleitoral: por um lado, “Reforçar o papel, independência e eficácia da regulação e supervisão e reforçar o papel da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) na fiscalização e na sanção de práticas de desinformação e de manipulação da informação, garantindo a sua independência, a sua eficácia e a sua articulação com outras entidades nacionais e internacionais”; e, por outro, “Estimular a criação e o reconhecimento de plataformas de verificação de factos (fact-checking), que possam contribuir para a validação, a contextualização e a correção da informação que circula nas redes sociais e nos meios digitais”.

Estas medidas lembram aquilo que constava dos vários números do famigerado artigo 6º (“Direito à proteção contra a desinformação”) da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital, aprovada pela Lei nº 27/2021, de 17.05, e que em boa hora foram revogados pelos deputados (através da Lei nº 15/2022, de 15.08), devido às denúncias públicas quanto à reposição da censura e aos pedidos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade que foram apresentados junto do Tribunal Constitucional, por causa da sua ostensiva inconstitucionalidade.

Ora, aquilo que foi, e bem, revogado, é agora em parte retomado pela AD, ao propor o reforço dos poderes da ERC, a fim de fiscalizar e sancionar as práticas de desinformação e a manipulação da informação, e ao propor o estímulo à criação de plataformas de verificação de factos.

Para terminar, diria o seguinte: no Programa Eleitoral da AD 2024 é dito que, sem prejuízo de todas as medidas e políticas propostas, o seu “eixo mais relevante são as políticas sociais e a promoção do bem-estar das populações. Queremos uma sociedade mais justa, mais solidária e mais humana, que respeite a dignidade da pessoa humana, que proteja os mais vulneráveis, que valorize o trabalho e o mérito, e que estimule a responsabilidade e a cidadania. Queremos uma sociedade mais aberta, mais diversa e mais inclusiva, que promova uma imigração regulada e acolha os migrantes, que incentive a natalidade, que promova a longevidade com qualidade de vida, que combata todas as formas de discriminação e de violência, e que celebre a pluralidade e a tolerância. Queremos uma sociedade mais transparente, mais ética e mais democrática, que combata a corrupção, que reforme a justiça, que defenda a segurança e a ordem pública, e que reforce a soberania nacional e a integração europeia, a visão atlantista a e lusofonia”.

Eu também quero tudo isto. Mas, antes de tudo, quero uma sociedade que realmente respeite a dignidade da pessoa humana, a dignidade de todas as pessoas, qualquer que seja o seu estádio de desenvolvimento, a sua condição económica ou social ou o seu estado de saúde. Uma sociedade que efectivamente proteja a vida humana, desde a concepção até à morte natural, e que, ao invés de permitir, oferecer ou promover a morte como opção ou solução, crie e proporcione condições para que todas as vidas se considerem dignas de ser vividas.

Quero também uma sociedade que proteja especialmente as crianças e jovens e que promova o seu crescimento saudável, integral e harmonioso, no respeito pela sua integridade moral e física e pela importância da família.

E quero uma sociedade onde as liberdades de educação, de aprender e ensinar, de expressão, de informação, de consciência, de religião e de culto sejam protegidas e asseguradas.

É tudo isto que eu quero. Será que também é isto que a AD quer? Gostava de saber antes do próximo dia 10 de Março.