O que é a liberdade?

Na Wikipédia encontramos a seguinte definição: “liberdade é, em geral, a condição daquele que é livre; a capacidade de agir de si mesmo; autodeterminação; independência; autonomia. Pode ser compreendida sob uma perspetiva que denota a ausência de submissão e de servidão, própria da liberdade política, mas também se pode relacionar com a questão filosófica do livre arbítrio. Liberdade é a revolta do indivíduo contra todo tipo de autoridade, divina, coletiva ou individual”.

Mas será a liberdade realizarmos a nossa vontade a cada momento? Ou será uma conquista repleta de momentos de constrangimento, fundamentais para vivermos outros de plena liberdade? Será que, como disse Léon Tolstoi, a liberdade não é um fim, mas uma consequência?

Muitos lutaram e morreram por mais liberdade, por exemplo Che Guevara, crente no seguinte pensamento: “Sonha e serás livre de espírito. Luta e serás livre na vida”.

Para Gandhi “a prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua, existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência”.

Exercemos a liberdade através das nossas escolhas, mas nos primeiros anos das nossas vidas fazemos muito poucas escolhas. Não escolhemos como vamos nascer ou como vamos ser. Não escolhemos a cor da pele, dos olhos ou do cabelo. Não escolhemos a nossa saúde, a nossa força, ou a nossa maneira de andar e de falar. E não escolhemos a família ou o lugar onde crescemos, ou tão pouco a escola em que acabamos por inicialmente estudar. Não escolhemos quase nada, e às vezes é tão bom não ter de escolher.

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Com o passar do tempo começamos a ficar cada vez mais senhores da nossa vida e a ter de escolher. Escolher a roupa, os amigos, o clube, o desporto, o partido político, a área de estudo, o primeiro carro, a universidade, o primeiro trabalho, o amor, a primeira casa.

Em cada escolha podemos perguntar-nos porquê e se a razão for forte tudo se torna mais claro, mais puro, com mais sentido, unindo a nossa consciência às nossas ações.

Mas cada escolha, por mais livre e boa que seja, pode também tornar-se numa prisão. Seja um casamento, um emprego, um filho, o dinheiro, a política, um hobby ou um objetivo grandioso. Escolhemos uma casa e ficamos parcialmente presos a ela. Escolhemos alguém para casar e ter um filho e esse compromisso impede-nos de fazermos mil coisas. Estará a nossa liberdade limitada a escolher as prisões em que queremos viver?

Para Einstein, a liberdade individual não é absoluta porque “todos agem não apenas sob um constrangimento exterior, mas também de acordo com uma necessidade interior”.

Se para uns a liberdade poderá ser um sentimento espontâneo, porventura sentido junto ao mar, ao observar as gaivotas a voar enquanto os raios do sol aquecem o corpo e o som das ondas acalma o espírito, para outros será uma conceção ideológica, filosófica e intelectual, apenas vivida em circunstâncias específicas, inerentes a um conjunto de fatores e condições, elas próprias quiçá causadoras de falta de liberdade para outros.

O que nos leva a outras perguntas. Quais serão as nuances da liberdade individual e de uma sociedade livre? Como se relacionam estas duas realidades? Quanta da nossa liberdade estamos dispostos a conceder para que um Estado defina as leis e normas em que devemos viver?

Muitos, incluindo filósofos, poetas, intelectuais, políticos e economistas já escreveram sobre a liberdade. Para Epicteto para termos liberdade devemos desprezar as coisas que não dependem de nós. Ou seja, somos livres quando nos esquecemos de todos os condicionalismos. Para Jean Paul Sartre ser livre não é fazer aquilo que se quer, mas querer aquilo que se pode.

Já Simone de Beauvoir considerava que somos indivíduos livres e a nossa liberdade condena-nos a tomarmos decisões durante toda a nossa vida. Mas como não existem valores ou regras eternas, a partir das quais nos podemos guiar, isso torna ainda mais importantes as nossas decisões e as nossas escolhas, pois as mesmas têm consequências.

Eu que amo a liberdade tendo a concordar com Simone de Beauvoir, pois para mim a liberdade deve ser sempre associada à noção de responsabilidade, porque ser livre implica agir em consciência, assumindo os nossos atos e respondendo por eles.

De certa forma, o ser humano completamente isolado não poderá experienciar a sua liberdade plena, nomeadamente a social, precisando da interação com outros para se desenvolver. Por esse motivo, para analisarmos a liberdade temos de a pensar num contexto de sociedade, de reciprocidade, e de interação.

A ideia popular de que a nossa liberdade termina onde começa a do outro é elementar e revela a sabedoria típica dos provérbios. No entanto esta não concretiza esses limites, muito menos os da atuação de um Estado soberano e das implicações da lei.

Esses limites e liberdades civis, que protegem o indivíduo do poder do Estado, estabelecendo os limites da sua interferência na vida privada dos cidadãos são, entre outros, a liberdade de consciência, a liberdade religiosa e de expressão; a liberdade de associação e de reunião, o direito à privacidade, o direito a um processo legal equitativo e a um julgamento justo, o direito de possuir propriedade, o direito de se defender a si mesmo, o direito de não ser torturado e de não sofrer um desaparecimento forçado, a liberdade de imprensa, a igualdade perante a lei, o direito à vida, o direito à integridade corporal, os direitos reprodutivos e o casamento civil.

A Constituição dos EUA consagra alguns desses direitos, iniciando-se da seguinte forma: “Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.”

Na Declaração de Independência dos Estados Unidos da América considera-se ainda um direito a busca pela felicidade: “Consideramos que essas verdades são evidentes, que todos os homens são criados igualmente, que são dotados de certos direitos inalienáveis, concedidos pelo Criador, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

Também a Constituição da República Portuguesa menciona a liberdade como valor fundamental: Preâmbulo: “A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista. Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa. A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país. A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno. A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa: Princípios fundamentais: Artigo 1.º Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

A Constituição da República Portuguesa, tal como a americana, transparece os ideias de liberdade, justiça, bem-estar e igualdade. Mas se a segunda fala no direito à busca da felicidade a primeira menciona o caminho para uma sociedade socialista.

Assim, surgem outras questões: Quais os sistemas políticos, ideológicos e económicos que maximizam a liberdade para todos? Será possível ser-se livre numa sociedade pouco livre, sem valores, leis e instituições fortes? Como se relaciona a liberdade com os ideais de democracia, igualdade, verdade e justiça?

Historicamente sabemos que a abolição da escravatura e o derrubar das monarquias e ditaduras foram conquistas claras de liberdade. Sabemos que o lema da revolução francesa foi liberdade, igualdade e fraternidade, considerado um tripé porque se um dos pés fosse derrubado os outros também cairiam. Nesse início da luta pela democracia em França verificamos a junção da ideia de liberdade a uma certa igualdade e fraternidade, esta última expressa também no primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

John Locke, considerado por muitos o Pai do liberalismo, defendeu a ideia de um contrato social no qual cada homem tem um direito natural à vida, liberdade e propriedade, e que os governos não devem violar tais direitos.

Para Alexis de Tocqueville a “democracia amplia a esfera da liberdade individual, o socialismo limita-a. A democracia atribui todo o valor possível de cada homem; o socialismo faz de cada homem um mero agente, um mero número. A democracia e o socialismo não têm nada em comum além de uma palavra: igualdade. Com uma grande diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo procura a igualdade no controlo e na servidão”.

O socialismo e o comunismo distinguem-se do liberalismo ao opor-se ao capitalismo e ao restringir o direito à plena propriedade privada, pressupondo que os principais recursos da economia devem ser de propriedade coletiva.

Se inicialmente o liberalismo foi uma ideia precursora no combate ao autoritarismo e absolutismo, incluindo monárquico, este evoluiu para outros conceitos, nomeadamente o da social democracia ou socialismo liberal, um equilíbrio entre liberalismo e socialismo, que pretende conjugar a liberdade individual e o direito à propriedade com os conceitos de justiça social e combate às desigualdades.

Efetivamente, a liberdade de mercado absoluta e sem regras, poderá colocar em causa o equilíbrio de poderes, passando a aplicar-se a lei do mais forte, o domínio do capital sobre o trabalho, prejudicando a liberdade da maioria das pessoas.

Mas se uma economia puramente capitalista poderá ser criticada por dar aos proprietários dos meios de produção um poder abusivo, também uma economia coletivista pressupõe um Estado e um Governo todo poderoso, potencialmente limitador das liberdades individuais.

O ponto de equilíbrio será sempre difícil de definir, mas hoje, no nosso mundo europeu, social-democrata, português, acredito veementemente que a nossa liberdade está realmente assente em pilares de democracia, justiça, equidade, segurança, paz, educação e saúde.

Foi por esses valores intransponíveis que muitos países, em especial na Europa, caminharam para uma realidade mais social, com impostos elevados, Estados pesados, serviços públicos assegurados e vários sistemas de proteção sociais garantidos.

A busca de um equilíbrio pressupõe também um sistema judiciário independente, leis, incluindo as laborais, equilibradamente protetoras, uma regulação de mercado eficaz, uma justa redistribuição de rendimentos e claro a liberdade de imprensa e de expressão.

Para maximizar a liberdade será também importante assegurar oportunidades iguais para todos, especialmente para os mais desfavorecidos, seja física, económica, social ou mentalmente.

Mas que outros fatores serão críticos para uma sociedade ser livre? Que liberdades estão ainda por conquistar? Faz sentido limitar a nossa liberdade de nos drogarmos, de termos mais do que um casamento, de decidirmos sobre a nossa morte, de nos prostituirmos, de mudarmos de sexo ou de nome?

Como já vimos a luta contra o domínio de uns sobre os outros é antiga. Esta é uma batalha pela liberdade, mas também pela igualdade, por uma igualdade de liberdades, de oportunidades, de raças, de géneros, de acesso à educação, saúde e justiça.

Assim a liberdade estará por conquistar na sua plenitude enquanto a democracia, a educação, a saúde, a segurança e a justiça não chegar a todos da mesma forma e assim condicionar a vontade humana de muitos.

Da mesma forma haverá liberdade por conquistar enquanto o Estado ocupar um papel demasiado paternalista e interventor na sociedade, sendo pouco eficaz e eficiente ou controlado por interesses que não o bem comum.

A luta pela liberdade tem de continuar enquanto não estiver plenamente conquistada a igualdade de género, a igualdade racial, a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e a liberdade religiosa.

Também as alterações climáticas, as restrições à mobilidade, o acesso à energia, a garantia da privacidade num mundo digital são temas muito importantes, sobre os quais nos devemos preocupar quando pensamos na nossa liberdade.

Para além das liberdades individuais estão ainda por conquistar muitas liberdades entre nações, nomeadamente a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais.

Num mundo global, cada vez mais complexo e dinâmico, as economias mundiais estão em competição direta.

Essa competição leva as nações a uma reação política que pretende evitar a todo o custo o empobrecimento da qualidade de vida das pessoas, mas também pretende perpetuar um determinado poder instalado.

Se por um lado a redução do peso do Estado na economia, nomeadamente cortando na administração pública e nas regalias sociais, poderá permitir baixar impostos e tornar as economias mais competitivas, essa manobra também poderá colocar em causa as premissas da liberdade.

Da mesma forma será crucial investir em educação porque sem um povo educado, trabalhador, cumpridor, ético, e responsável será difícil manter a liberdade, uma vez que esta só sobreviverá com uma coexistência pacifica entre indivíduos e nações.

Nesse âmbito será importante nunca desistirmos de pensar em novos modelos e programas de educação que libertem mais as nossas capacidades, nomeadamente criativas e intelectuais, mas também emocionais e democráticas.

A liberdade também está associada a assuntos polémicos como a eutanásia, o aborto, a legalização das drogas leves e da prostituição. Ao analisarmos estes temas devemos sempre pensar nas consequências que uma escolha individual livre tem para a sociedade como um todo, medindo prós e contras num debate profundo.

Termino, citando Fernando Pessoa: “Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis. Na cadeira, aonde me recosto, esqueço a vida que me oprime. Não me dói senão ter-me doído”.