David Dinis escreveu um artigo no qual sustenta que a nova direita, que apoiou o Governo de Passos e hoje se move pela vingança do golpe das esquerdas de 2015, não tem, atualmente, qualquer programa, sobrando-lhe apenas uma data de calendário: a do julgamento de José Sócrates.
Está, a meu ver, enganado. É evidente que esta direita não pode, hoje, apoiar-se no programa que Passos e Portas procuraram implementar entre 2011 e 2015, desde logo porque esse programa foi desenhado para um tempo muito específico, num contexto particularmente adverso e com os constrangimentos que todos conhecemos. Isso não significa que não exista, hoje, à direita, um consenso alargado relativamente aos objetivos contemplados nesse programa, desde logo no que se refere à necessidade de reformar o Estado (sim, porque essa necessidade subsiste), de liberalizar alguns sectores de mercado, de reduzir significativamente a carga fiscal para famílias e empresas e de promover a liberdade de escolha das pessoas em sectores como o da educação.
Esses objetivos partem de uma preocupação comum e natural: a de que o Estado Português não pode voltar a falir, à semelhança do que aconteceu por três vezes ao longo das últimas décadas, perder novamente a sua soberania e ficar refém das instruções de Bruxelas ou Berlim. E para isso não voltar a acontecer, um país cuja dívida pública suplanta os 130% do PIB não se pode contentar em não gastar mais do que aquilo que angaria, sobretudo quando esse objetivo é atingido num contexto económico externo manifestamente favorável e à custa dos malabarismos das cativações. O problema de fundo continua por resolver e, mais do que isso, por encarar. A brincadeira do “diabo” serviu para afastar Passos do mapa, mas não servirá para resolver o problema estrutural da sustentabilidade das nossas contas públicas. E enquanto a esquerda se perde em discussões sobre revogações, reposições e reconquistas, a direita vê o tempo para as reformas urgir.
Esta é, apenas, uma face da moeda. Há, depois, um consenso à direita relativamente a muitas das (más) políticas que este Governo tem implementado ou permitido, e que dariam, por si só, para elaborar todo um programa. Veja-se, por exemplo, o que tem feito o Governo em matéria de arrendamento, ao alterar sucessivamente as regras do jogo – sempre em prejuízo dos senhorios –, o que tem conduzido à diminuição do número de casas disponíveis no mercado e ao consequente aumento do valor das rendas. Ou veja-se, por exemplo, o que têm feito os discípulos de Engels e de Simone de Beauvoir ao permitirem a mudança de “género” a jovens de 16 anos (mesmo contra a vontade dos pais), ao tentarem retirar do mercado livros da Porto Editora para rapazes e raparigas (por acentuarem “estereótipos de género”) ou ao facultarem a crianças de 10 anos a possibilidade de se identificarem como “homem”, “mulher” ou “outro” (explorando desde logo a sua inocência para lhes intrujar a sua agenda ideológica).
Se é verdade que, em Portugal, as bandeiras da direita não podem ser as do protecionismo económico, do afastamento dos imigrantes ou do combate com armas às violência, não tenho dúvidas de que há um vasto leque de ideias a que a direita se pode e deve agarrar. Tentar compreender os fenómenos Trump e Bolsonaro não significa festejá-los.
Bem sabíamos que o bicho papão que Passos Coelho e a Troika encarnavam teria um prazo de validade; está fácil de ver que o próximo passo será fazer desta direita — ultraliberal ontem — os fascistas do mundo contemporâneo.
Advogado