Por pouco lisonjeiro que seja, o termo oligarquia aplica-se – e bem – à exígua camada dominante que comanda os destinos caseiros de Portugal. O termo é uma expressão teórica com origem na Grécia Antiga, onde designava, simultaneamente, o sistema político e a classe de pessoas que o dominava. Segundo Aristóteles, a OLIGARQUIA distinguia-se da DEMOCRACIA, a qual conduziria inevitavelmente à TIRANIA exercida à força por uns poucos sobre o resto da sociedade. Tanto assim que Aristóteles se rendia às vantagens da oligarquia sobre a democracia devido ao facto de esta levar ao pior dos males!
Até um liberal contemporâneo como John Rawls admite, na sua «Teoria da Justiça» (1971), um manifesto entorse oligárquico à equidade na selecção dos governantes por forma a não interferir na reprodução familiar, retirando porventura os filhos aos pais, como chegou a acontecer em alguns regimes populares. Por aqui já se vê a delicadeza do tema da oligarquia moderna e dos graves entorses à democracia que o actual governo português tem cometido.
Com efeito, devido à sua diminuta escala, à baixa literacia, à emigração maciça e à pobreza reinante, Portugal foi e continua a ser, indiscutivelmente, dominado por uma oligarquia endogâmica desde que emergiu no país a política de massas no final do século XIX. Com a República de 1910, a oligarquia foi obrigada a alargar-se aos novos candidatos mas o princípio da cooptação intra-famílias nunca desapareceu até hoje. Não há, pois, nada de novo.
Reside aí a «distância ao poder» que o psicólogo-social Geert Hofstede verificou em Portugal há 50 anos e eu próprio confirmei mais tarde. Daqui provém também a abstenção eleitoral maciça do eleitorado português e a blindagem que a oligarquia recomposta no 25 de Abril fez em torno dos seus novos partidos políticos, fugindo a referendar quaisquer dos momentos fundacionais da democracia portuguesa desde a Constituição à entrada na União Europeia.
Entretanto, tais comportamentos partidários haviam sido cunhados de novo como «oligárquicos» no princípio do séc. XX por Robert Michels na sua «A Lei de Ferro da Oligarquia» (1911), que denunciava o poder das camadas dirigentes sobre as massas partidárias. Antes dele, já Moisés Ostrogorski publicara a sua inquirição ao exercício do poder nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha («A democracia e a organização dos partidos políticos», 1903), onde exibia o carácter oligárquico dos partidos e o perigo que estes constituem para o exercício da democracia: com partidos oligárquicos não há democracia plena! Finalmente, Max Weber responsabilizaria em 1918 as oligarquias partidárias pela transformação da política numa profissão cada vez menos dotada de vocação, ao falar dos «Berufpolitiker ohne Beruf»: políticos profissionais sem vocação!
Neste sentido, o que se passa hoje no PS não é diferente do que se passava há cem anos mas é tanto mais corrente quanto a oligarquia nacional é fechada. A multiplicidade de recrutamentos intra-familiares a que o PS se entrega há muito revela a oligarquia em plena luz, como se passa aliás nos altos negócios e nas corporações profissionais. Em Portugal, a oligarquia é tão fechada que atravessa todos os regimes e todos os partidos. Nem a distinção esquerda-direita os separa.
Por inconveniente que seja, é conhecido que um evento revolucionário como o 25 de Abril começou com a substituição do ditador Marcelo Caetano por outro professor de Direito, Adelino da Palma Carlos, tendo ambos laços de família cruzados com alguém como o Professor Henrique de Barros, futuro presidente da Assembleia Constituinte… O actual presidente da República é outro digno representante da oligarquia portuguesa como filho do último ministro das Colónias da ditadura, participando sucessivamente pai e filho na vida política, praticamente sem descontinuidade há mais de 60 anos.
Por sinal, também o PS tem uma deputada filha de um antigo ministro das Colónias de Salazar e futuro dirigente partidário, Adriano Moreira. E quem se puser à procura encontrará muito mais manifestações oligárquicas ao longo do tempo e dos regimes: o pai de Mário Soares, o Professor João Soares, foi deputado durante a República e brevemente ministro das Colónias (uma pasta apetecível, pelos vistos); com o mesmo nome que o avô, o filho de Mário Soares também foi ministro…
Para terminar, vale a pena recordar o escândalo nunca criticado pela opinião pública que constituiu então o facto de vários advogados do mesmo escritório ocuparem simultaneamente, ao tempo dos governos Guterres, os seguintes lugares cimeiros da oligarquia: Presidente da República (J. Sampaio); ministro da Justiça (Vera Jardim); bastonário da Ordem dos Advogados e depois ministro da Defesa (Júlio Castro Caldas); e finalmente um jovem secretário de Estado e depois ministro dos Assuntos Parlamentares chamado António Costa… Em suma, há em Portugal situações tão profundamente entrecruzadas que por si só denunciam a omnipresença da oligarquia!