Não se pode dizer, como várias vezes foi aqui escrito, que António Costa tenha sido um grande primeiro-ministro. Com o tempo perceberemos se não foi o responsável por quase uma década perdida. Preocupou-se mais em fazer política, do que políticas. O seu objetivo foi fundamentalmente a manutenção do poder sujeita à redução da dívida pública, com uma estratégia que geriu com mestria política.
Conseguiu que boa parte das pessoas acreditasse que aquele caminho de “contas” ditas “certas” se fazia sem qualquer custo, criando até a ilusão que não nos pagavam apenas o almoço, mas que até nos davam dinheiro para almoçar de graça, distribuindo dinheiro por aqui e por ali. E alavancando tudo com um nível muito profissional de propaganda.
Quando teve pela frente decisões difíceis, foi atirando a responsabilidade, da sua incapacidade ou falta de vontade de decidir, ou para a pandemia ou para a guerra ou para cima dos outros partidos, primeiro para o PCP e o BE, depois para o PSD. Foi assim que não se decidiu o aeroporto ou que se deixou o projeto da alta velocidade arrastar-se até ficarmos sob ameaça de perder verbas europeias.
Chegamos a 2023 com um excedente orçamental histórico e com uma dívida pública em percentagem do PIB que já não está entre as cinco maiores da União Europeia. Mas lamentavelmente somos aquela casa em que quase se deixou de comer para ter as contas certas. Deixámos de ter um risco de colapso financeiro, o PS deixou de ser o partido da indisciplina financeira, essa é a grande conquista de António Costa. Mas, por muito que se deseje o contrário, em tudo o que são serviços públicos e a preparação do país para o futuro, estamos, lamentavelmente, piores.
Claro que reduzir a dívida pública tinha e tem de continuar a ser um objetivo. E, para isso, é preciso ter excedentes orçamentais ou, pelo menos, as contas equilibradas. O problema não é o objetivo, é, e foi, o caminho que se seguiu para o atingir. Em vez de se desenhar uma estratégia de redução da dívida que minimizasse os efeitos nos serviços públicos, aproveitando a oportunidade para os conseguir tornar mais eficientes e modernos, submeteu-se a redução da dívida ao objetivo de manutenção do poder a qualquer custo. E, claro, para manter o povo satisfeito gastou-se dinheiro onde não se devia e, especialmente, onde se via, e deixaram-se os serviços públicos a pão e água, logo a seguir a um programa duríssimo de ajustamento.
E assim criamos um país para ricos, nacionais e estrangeiros, e para protegidos do regime, enquanto a classe média se vê sem acesso a apoios nem a serviços públicos e as classes de mais baixos rendimentos ainda estão pior, todos tratados como “os coitadinhos dos pobrezinhos que precisam do SNS e da escola pública”. Confundiu-se objetivos com instrumentos. Esqueceu-se que o objetivo é dar educação, saúde, transportes, apoios a quem precisa, habitação e não fazer debates absurdos e intermináveis sobre a propriedade.
E enquanto se faziam juras públicas de paixão pela escola pública, pelo Serviço Nacional de Saúde, pelos transportes públicos, pelo combate às desigualdades, o Estado ia-se degradando por dentro, longe da vista de todos. Até hoje, em que já não é possível disfarçar mais. Pode mesmo pensar-se que António Costa, apesar do azar do processo judicial, teve a sorte de ter tido uma oportunidade de sair do Governo nesta altura, com a possibilidade de, tal como tem sempre acontecido, responsabilizar os outros e vitimizar-se.
O estado em que estão os serviços públicos e as perspetivas que existem para a evolução da economia apontam para tempos que não vão ser fáceis. Já não o seriam se a economia estivesse com boas perspetivas. Quem quer que venha a liderar o próximo Governo, Luís Montenegro ou Pedro Nuno Santos, recebe um país com os serviços públicos em colapso, uma economia a abrandar e parte da sociedade radicalizada.
É por isso que os dois partidos, que se posicionam para governar o país, têm de ter muito cuidado com o que prometem. É preciso continuar a reduzir a dívida pública ao mesmo tempo que se actua na administração pública, para que se volte a reorganizar, e se regressa a uma cultura de exigência para todos.
O copo não está meio cheio, o copo está meio vazio. Está mais perto da realidade quem nos alerta para os problemas que o país enfrenta. É preciso que a política regresse às políticas, porque esta política, com o único objetivo de manter o poder, mata. É possível manter o poder com melhores políticas, a nossa história já o demonstrou.