1. A França elegeu o seu Presidente. A segunda volta será democraticamente relevante, mas a eleição de Macron está garantida. Saber qual a percentagem que cada candidato terá dependerá um pouco da campanha, mas sobretudo da taxa de abstenção. Dos candidatos derrotados Hamon é o que mais danos trará ao sistema político francês. Mas o preço eleitoral que ele pagou deveu-se em grande parte à desastrosa presidência de Hollande.

Há cinco anos escrevi no Publico, antes da segunda volta que Hollande “Será alguma mudança para os franceses, mas em nada mudará a política europeia. A sua personalidade é mais fraca que Sarkozy e ainda fará pender o eixo franco-alemão mais para o lado da Alemanha.” A quimérica ideia que iria “reconstruir a Europa” não passou disso mesmo: uma quimera. Não consigo registar uma contribuição significativa dos socialistas franceses para essa reconstrução europeia, para a qual poderiam e deveriam ter contribuído significativamente.

Cinco anos volvidos, com uma personagem mais simpática (Hamon), os socialistas continuam com algumas ideias velhas como a de que seria necessário subtrair as despesas de investimento e de defesa ao cálculo do défice publico. Será que não se entende que, mesmo que caso fosse aceite esta proposta e não afectasse o défice, afetaria a dívida, que é o mais importante, e os juros? Na Europa é preciso mudar muita coisa, mas não a noção de défice excessivo. Ora a França no consulado Hollande conseguiu o feito notável de começar com um défice excessivo de -4,8% do PIB em 2012 que reduziu para -4% em 2013 e passados três anos o défice era ainda excessivo (-3,3% do PIB).

Hamon teve a coragem de colocar no seu programa os objetivos, de harmonização fiscal e social na zona euro (que só poderia ser de níveis mínimos), do orçamento da zona euro e da mutualização de parte das dívidas soberanas. Mas como se sabe os eleitores não lêem programas. Para os partidos que estiveram no poder fazem um voto mais retrospetivo do que prospetivo, e aquilo que fizeram com Hamon foi sobretudo penalizar a governação socialista.

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Depois da Grécia, da Holanda, e antes da Inglaterra (onde os trabalhistas de Corbyn sairão certamente derrotados), há lições que os socialistas europeus têm de aprender se querem sobreviver. Não basta de viver de ideologias do passado. É preciso saber dar resposta aos problemas que as pessoas sentem, sejam eles reais ou subjetivamente percepcionados. Não basta as velhas e estafadas receitas. Há um poderoso movimento de opinião que exige cada vez mais seriedade e ética no exercício dos cargos políticos. Os eleitores penalizam os partidos de centro-esquerda e de centro-direita, que positivamente se instalaram no poder, desenvolveram em muitos casos mordomias próprias e estabeleceram redes de interesses para benefício próprio.

Quando a economia cresce bem e o desemprego é baixo, a insatisfação não se generaliza, mas como na situação actual há muitos que ainda sofrem os efeitos da crise e do desemprego, torna-se insuportável votar nos que se percepciona como, e em parte são, responsáveis pela situação actual. A mensagem é clara para os partidos tradicionais (sejam ou não socialistas): a renovação é a chave do futuro.

2. Macron, com algum passado, como socialista e independente, é de momento sobretudo uma esperança para todos os que votaram nele. Neste caso os votantes fizeram um voto sobretudo prospetivo. A organização política “En marche” tem um interessante subtítulo de “Associação para a renovação da vida política”. Macron lançou-o há apenas um ano e fez uma impressionante campanha de grassroots.

Uma consulta ao seu sítio mostra que criaram-se 3125 comités locais com animadores, a que aderiram 267.615 pessoas e organizaram cerca de 40.000 eventos. Tudo isto num ano. Macron mobilizou um capital de esperança. Algo que está adquirido nos estudos sobre as eleições democráticas é que existe quase sempre um efeito de melhoria de satisfação com a democracia após um ato eleitoral. Os três grandes desafios de Macron são o estar à altura desse capital de esperança que soube mobilizar (isto é não desiludir os seus eleitores); saber selecionar os candidatos às legislativas; saber congregar e estruturar de alguma forma esses candidatos após as legislativas.

Parte do sucesso do “En Marche” tem a ver precisamente com não ser um partido tradicional, com a estrutura de poder tipicamente hierárquica existente nos partidos. Responder ao terceiro desafio exige, porém, uma evolução para uma formulação de tipo partidário tradicional, no sentido, por exemplo de assegurar a disciplina de voto em relação a questões essenciais da governação e da estabilidade política (e.g. orçamentos de estado, moções de censura e confiança, etc.).

A originalidade da preparação das legislativas da equipa de Macron não seria possível sem a internet e as redes sociais, sem um regime presidencialista e sem círculos uninominais. A existência de círculos eleitorais que só elegem um candidato facilita o projeto Macron pois não são necessárias listas (basta a candidata e o suplente, ou inverso, para assegurar a paridade). A forma original e sem dúvida altamente refrescante com que Macron prepara a seleção de candidatos é, dirão alguns, surreal para os quadros mentais políticos a que estamos habituados. Quem quer ser candidato submete um formulário online, com o seu CV, a aderir aos valores do “En Marche” a “apoiar o plano de transformação e a assinar o contrato com a nação”. Mais interessante, a candidata terá de apresentar uma carta de motivação e responder a um detalhado questionário que permite perceber os eventuais antecedentes políticos.

Quer gostemos ou não do personagem, após o processo presidencial Macron a política, em França, e na Europa, não voltará a ser o que era.

PS. Sobre o programa político de Macron debruçar-me-ei noutro artigo.