O ministro das Infra-estruturas Pedro Nuno Santos é tudo. Ministro e, enquanto tal, defensor dos interesses dos cidadãos portugueses, gestor e accionista da TAP, accionista e defensor dos contribuintes na Groundforce e negociador de garantias para empréstimos entre empresas. É também dono e senhor das decisões sobre o novo aeroporto. Longe vão os tempos da separação clara entre a gestão das empresas detidas pelo Estado e o Governo. No caso da TAP, longe vão os tempos em que Jorge Coelho, então ministro de António Guterres, deu à TAP uma gestão autónoma e profissional.

O que se tem passado nos últimos tempos no sector da aviação em Portugal, não fosse tão grave, e era digno da rábula Olívia Patroa, Olívia Costureira de Ivone Silva. Nunca, nos tempos recentes, assistimos a uma intervenção tão directa, e sem que ninguém a discuta, de um governante na vida de uma empresa. Como se os interesses das empresas estivessem completamente alinhados com os interesses da governação, como se não fosse importante separar as águas para se atingirem melhor os objectivos que cada uma das partes deve defender. Os interesses de um Governo e de uma empresa não são os mesmos e é da negociação que se espera um resultado melhor para a sociedade.

A mistura de papéis que o ministro Pedro Nuno Santos protagoniza na TAP, e também na Groundforce, ameaça seriamente a sobrevivência da companhia aérea. Primeiro, e como chapéu de tudo isto, não estamos perante um qualquer ministro. É Pedro Nuno Santos, que não esconde nem as suas ambições de suceder a António Costa nem as suas divergências com o primeiro-ministro. De tal maneira que se dá a luxos que seriam impensáveis com outros ministros. E não está em causa apenas o apoio explícito a Ana Gomes nas presidenciais. Estamos a falar, por exemplo, da surpresa que foi para os restantes membros do Governo o anúncio de Pedro Nuno Santos de que ponderava fazer uma avaliação ambiental  estratégica para o novo aeroporto. Isto quando, meses antes, em Março de 2020,  o primeiro-ministro tentava encontrar um entendimento com as autarquias que se opõem ao novo aeroporto. Sim, houve a pandemia, que pode servir de argumento para adiar ou acelerar o novo aeroporto.

É legítimo perguntar o que colocará Pedro Nuno Santos em primeiro lugar caso enfrente um conflito dessa natureza: a sua ambição como líder do PS e futuro primeiro-ministro ou os interesses da TAP em particular e do sector da aviação em geral, incluindo a construção do novo aeroporto. Ou seja, dará prioridade aos interesses do país ou à sua ambição de liderar um Governo de esquerda em Portugal?

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Além dessa questão geral, os múltiplos papéis assumidos pelo ministro na TAP têm criado dificuldades à companhia e correm o risco de ainda gerarem mais problemas. Primeiro pôs na rua o accionista privado que percebia de aviação, um activo especialmente importante quando se vive a pior crise de sempre no sector. Depois não conseguiu ver a TAP abrangida pelos apoios Covid, considerando isso normal porque, disse-o várias vezes, a empresa estava falida.

Esta última semana viu demitirem-se 2 administradores não executivos – Esmeralda Dourado, Diogo Lacerda Machado – e a perspectiva de saída de mais um, Trey Urbahn. O Conselho de Administração ficará reduzido a 6 elementos, como escreve Ana Suspiro no Observador, violando os estatutos. Além disso, a Comissão Executiva está reduzida a dois elementos numa altura em que a empresa enfrenta o maior desafio da sua vida. Neste momento, já não está na TAP nenhum executivo da anterior gestão.

O ministro aproveitou o anúncio de saída dos dois administradores para dizer que já tem gestor para a TAP, o alemão Albrecht Binderberger, que por sua vez não quer assumir o cargo sem conhecer o plano de reestruturação da empresa, que estará pronto, na melhor das hipóteses, em Abril. Repare-se que data de Julho de 2020 o compromisso do ministro de encontrar uma gestão profissional para a TAP. Disse, na altura, que não seria o Estado a gerir a TAP. Mas, contrariamente ao que prometeu, é o Governo, neste caso o ministro Pedro Nuno Santos, que está a gerir a TAP.

O mais recente episódio da interferência do ministro na gestão da TAP é o caso da Groundforce. Que parece demonstrar duas coisas: primeiro que o ministro não trata devidamente dos problemas do sector que, como governante, deviam merecer a sua atenção; em segundo lugar que se substitui à gestão da TAP.

Face aos problemas que o sector da aviação enfrenta, era uma questão de tempo até a Groundforce enfrentar um problema de tesouraria muito grave. Foi resolvendo a falta de dinheiro com adiantamentos da TAP e da ANA, os mais importantes. Mas antecipando que não poderia viver assim, em Julho de 2020 avançou com um pedido de financiamento. Chegamos a Fevereiro de 2021 e o pedido não estava satisfeito. Porquê? Aparentemente perdeu-se nos corredores do poder administrativo, de tal maneira que só chegou onde devia chegar ao Ministério das Finanças há pouco menos de três semanas.

E o que se está a fazer agora, já com mais de duas mil pessoas sem terem recebido o seu salário de Janeiro, é a construir o processo de financiamento de 30 milhões de euros, envolvendo a CGD e o Banco de Fomento, para que o Ministério das Finanças tenha os dados necessários para dar a garantia de Estado. Um processo que já podia estar concluído se tivesse começado em Julho do ano passado. Como tutela, o ministro devia estar a acompanhar as empresas  em dificuldades no sector, por causa da pandemia, como aliás o fazem os seus colegas de Governo, como, por exemplo, o ministro da Economia. Mas, aparentemente, não o fez ou não o fez como devia fazer.

Já com os trabalhadores sem receberem o seu salário é que o ministro se envolve, mas aqui num processo que deveria caber única e exclusivamente à gestão da TAP. O que está em causa, na intervenção do ministro, é que a TAP adiante cerca de dois a três milhões de euros para o pagamento dos salários, até que se liberte o financiamento da ordem dos 30 milhões de euros que espera o aval das Finanças. A companhia aérea, e bem, recusou-se a continuar a resolver os problemas de tesouraria da Groundforce, tanto mais que vê a empresa sem qualquer plano de reestruturação. Mas devia ter sido a gestão da TAP a resolver o problema e não o ministro.

Face a todo este historial, que começa na forma como foi tratado o accionista privado e tem nesta última semana os episódios de interferência do ministro na gestão da empresa, quem será o gestor com curriculum que quererá gerir a TAP? Especialmente numa altura em que todas as companhias lutam pela sua sobrevivência e querem contar com os melhores gestores, como vai a TAP convencer alguém que a conseguirá salvar quando é tutelada por um ministro que se mete em tudo?

O que se perspectiva para a TAP é, lamentavelmente, um futuro muito pouco risonho. Num dos momentos mais difíceis da sua vida, tem dois gestores executivos que foram directores da companhia, um ministro altamente interventivo e um plano de reestruturação desconhecido que pode até pôr em causa os acordos que foram obtidos com os sindicatos. E enquanto a sua concorrência já se está a preparar para o pós-pandemia, a TAP continua envolvida em guerras que são mais políticas do que de gestão estratégica.

O novo aeroporto é mais um processo de conflito, neste caso com as mensagens do primeiro-ministro a não parecerem coincidir com aquilo que o ministro das Infra-Estruturas vai dizendo e anunciando. A pandemia tanto pode servir como argumento para adiar a construção do novo aeroporto, e partir da estaca zero para se ir parar ao mesmo sítio – uma volta de 360º como escreve Pedro Santos Guerreiro–, como para acelerar o processo. Mas Pedro Nuno Santos preferiu deitar tudo abaixo, esquecendo-se até de como era importante começar uma obra daquela dimensão para contribuir também para recuperar a economia.

O que faz correr Pedro Nuno Santos desta forma? Pode ter a sorte ou engenho de tudo, a partir de determinada altura, começar a correr bem. Todos nós ficaríamos satisfeitos, já que o que tem nas mãos é muito importante para o país. Mas aquilo que se tem passado até agora não antecipa nada de bom. Quer em matéria de princípios gerais de gestão das empresas do Estado, numa mistura de papéis que está longe de garantir os melhores resultados, quer no constante conflito que vai ditando o abandono de quem conhece os temas.