Pelos vistos, não são só os rendimentos dos portugueses que vão regressar aos anos 70: a tele-escola também vai voltar. Mantendo-se a necessidade de quarentena, o 3º Período escolar vai ser dado pela televisão. É uma boa ideia para mitigar a impossibilidade de aulas presenciais. Só tem um problema, que é ser aplicada pelo Ministério da Educação. (Nota do Autor: sei que vivemos tempos excepcionais que exigem, mais do que nunca, união entre o povo e quem lidera. Sei que isso implica dar umas abébias e não criticar o Governo, mesmo quando age espectacularmente mal. Por exemplo, tenho evitado lembrar que, face ao que vemos no SNS, talvez as 35 horas e as cativações não tenham sido ideias assim tão brilhantes. Eu sei isso, mas, que diabo, nós, os maledicentes, precisamos de uma válvula de escape. Às vezes uso a família como sucedâneo do Governo, mas a minha mulher já me proibiu de lhe perguntar, depois de cada ida à casa-de-banho, se não acha que está a abusar da carga fiscal. Portanto, lamento, mas o Ministério da Educação vai ser chamado à liça).
À primeira vista, não há ninguém mais indicado para pôr em prática a tele-escola do que o Ministro tele-comandado. O ensino à distância aplicado por quem, durante a anterior legislatura, exerceu o governo à distância, debaixo de Mário Nogueira. Mas não é assim tão simples. Sabendo como funciona o aparato burocrático do Ministério, é provável que no primeiro dia de tele-aulas os alunos liguem a RTP Memória e não haja professores. Por engano, tenham sido colocados no Eurosport 2 HD.
E não dou uma semana até haver sarrabulho sindical entre Governo e Fenprof, quando os professores disserem que, de cada vez que um aluno faz rewind e vê a aula outra vez, conta como tempo para a reforma.
Mas é justo que as crianças aprendam através da tele-escola. Não podem ser só os pais a receberem lições pela TV, como acontece, duas vezes por dia, nos noticiários das 13 e das 20. No fim da pandemia, vamos ter a população toda tele-instruída. As crianças a saberem mais de Matemática, Português e Estudo do Meio; os adultos a saberem mais de Higiene, Poesia de Instagram e Moral. Confesso que estou um bocadinho à rasca, sem saber se, no fim disto, vai haver exame. Será que, com os nervos, vou saber lavar as mãos como deve ser?
Mas não é só a televisão que nos tem ensinado durante esta crise da Covid. A Natureza também nos tem dado uma valente lição. Segundo místicos de vária sorte, a pandemia é a forma que a Natureza encontrou para nos castigar. Ao que parece, o comportamento da humanidade desagradou a um Ser Superior que, ofendido, resolveu corrigir os nossos maus modos através de um vírus de alto contágio e baixa mortalidade.
Aprecio estas explicações simples para situações complexas, que assentam no mau carácter de uma entidade omnisciente e omnipotente. São explicações que exigem alguns pressupostos: que a divindade (neste caso a Natureza) seja antropomorfizada; que seja mesquinha; e que seja alcoólica, na medida em que está com a memória toda estragada e não se recorda das outras lições que já aplicou à humanidade.
É que se nota uma grande falta de coerência nos castigos que a Natureza costuma enviar. Nos tempos bíblicos, mandou um dilúvio que matou toda a humanidade menos Noé e agregado, só porque os homens eram maçadores. Uma grande sanção para um pecado venial. No séc. VI lançou a Peste de Justiniano, que matou um terço da população mundial, porque os homens se andavam a portar um bocadinho pior, provavelmente já poluíam ali o Mediterrâneo e arredores. No séc. XIV foi a Peste Negra, que vitimou 25% da população europeia, um castigo à humanidade por ter a mania que podia andar a fazer comércio de um lado para o outro, feita parva. Até chegar à Covid-19, que, na pior das hipóteses, vai matar 0,0001% das pessoas, em resposta, dizem os crentes, à conduta mais javarda que a humanidade já teve desde que habita a Terra, com poluição, aquecimento global, desflorestação, barragens e outras abominações.
Ou seja, por comportamentos cada vez piores, praticados por cada vez mais gente, a Natureza castiga-nos com penas cada vez mais leves. Proporcionalmente, a Natureza mata cada vez menos gente. Parece-se não tanto com uma Mãe Natureza, rigorosa, e mais com uma Avó Natureza, mais complacente, que deixa comer bolacha Oreo e a ficar acordados até tarde. A Natureza está mais permissiva, mas os seus devotos estão mais mariquinhas. Não faz sentido.
Se calhar é boa ideia estender a tele-escola aos místicos que acreditam que a Natureza nos pune quando se ofende connosco. Algumas aulas de História vão dar jeito, para perceber que isto já aconteceu em alturas em que, supostamente, os nossos pecados não eram tãããão abjectos. Se der, também uns lamirés de Matemática, para comprovar que, em percentagem da população mundial, isto não chega a ser uma reguada, são cócegas na mão. E, já agora, umas explicações de Línguas, para compreenderem melhor a Natureza da próxima vez que acharem que está a falar com eles.