É muito discreto. Não dá entrevistas. Não posa para a fotografia. Raramente exprime emoções. Os seus filhos são cidadãos lituanos, da União Europeia. Este é um direito de Abramovich, um judeu lituano, português e israelita antes de ser russo.

A história da família de Abramovich é uma história de pogroms. Assassinados na Polónia e sequestrados na Lituânia, em pleno século XX, para morrerem na Sibéria (onde jaz o corpo do avô, Nachman Leibovich), antes haviam sido discriminados em Minsk, Poznan e Hamburgo, e antes na Península Ibérica e noutros lugares, tal como há dois milénios em Judá.

As sucessivas ordens de marcha para os países vizinhos, quando estes aceitavam receber os judeus, bem como as relações comerciais e os casamentos entre judeus de origens diferentes, impuseram o constante cruzamento de famílias judias da Ibéria e da Europa Central e de Leste.

O Jerusalém Post chamou-lhe o “megafilantropo” e “um defensor ardente e de longa data da cultura judaica em todo o mundo”. Roman Abramovich foi reconhecido pelo Fórum para a Cultura e Religião Judaica devido à sua contribuição de mais de 500 milhões de dólares para causas judaicas na Rússia, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Lituânia, Israel, Portugal e outros lugares nos últimos 20 anos.

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No mundo judaico, um dos grandes beneficiários da sua generosidade tem sido, desde há muito, o movimento internacional Chabad, com sede em Nova Iorque, que tutela 4500 rabinos espalhados por todo o mundo. A Chabad deu os primeiros passos na Polónia, em Poznan, na rua Portugalis, e foi oficialmente fundada por Schneur Zalmane, descendente do rabino Baruch Portugali, também de origem nacional.

O seu nome civil é conhecido, mas o hebraico talvez não. Nachman ben Aharon. O nome faz lembrar o grande sábio sefardita, do século XIII, Nachmanides, aliás, Moisés ben Nachman. Abramovich é membro benemérito de organizações judaicas portuguesas várias como a Chabad Portugal (que possui, hoje, em Cascais, o maior Chabad Center da Europa) e a B’nai B’rith International Portugal, juntamente com outras famílias filantropistas originárias dos Estados Unidos, da Rússia, da China e de Israel.

A par de donativos de milhões de dólares para a Agência Judaica de Israel e para comunidades judaicas de todos os continentes, Abramovich envolve-se em acções simbólicas como a plantação de uma floresta com cerca de 25.000 árvores em memória dos judeus da Lituânia que morreram no Holocausto e a reabilitação do cemitério da antiga comunidade judaica portuguesa de Altona, hoje um bairro da cidade de Hamburgo.

Depois de décadas a ajudar o povo de Israel e o Estado de Israel, em 2018 ele obteve a nacionalidade israelita. No Ocidente noticiou-se que o fez para continuar a entrar em Londres sem visto. Durante três anos, ele não apareceu na cidade. Quando o fez, em 2021, para visitar a família, foi noticiado que “virou” israelita para entrar no Reino Unido.

O meu pai, o rabino de Lisboa durante cinquenta anos, sempre me ensinou que, em épocas e contextos diferentes, o judeu não é relacionado com bons sentimentos e pureza de intenções, mas sim com dinheiro, negócios e comportamentos manhosos. A carta que um cidadão polaco, parente de Abramovich, escreveu em 1940 à comunidade judaica do Porto, então maioritariamente polaca, implorando que informasse a família que havia chegado em segurança a Londres, levou-me a concluir que, sim, ele havia fugido dos nazistas, mas dificilmente estava livre de outro tipo de antisemitismo baseado nos mesmos mitos e insultos.

Descrito durante anos, no Ocidente, como um bilionário russo amante dos luxos, a partir do momento em que Abramovich se tornou cidadão de Israel e lançou a campanha “Diga não ao antissemitismo!”, a sua condição de judeu passou a estar em foco, bem como os estereótipos que sempre perseguiram o judeu rico.

De acordo com o último relatório da Liga Anti-Difamação, em junho do corrente, ele é o alvo n.º 1 do antissemitismo online no mundo do futebol. Espraiam-se na rede infinitos conteúdos tais como “Roman Abramovich é judeu, pare de apoiar o Chelsea” e “Os judeus realmente governam o mundo. Fiquei surpreso ao saber que Roman Abramovich é um”.

O Chelsea trabalha com personalidades e autoridades em todo o mundo para ajudar a combater o antissemitismo e o ódio em geral. Como parte deste esforço, os jogadores, os dirigentes e os fãs reúnem-se frequentemente com sobreviventes do Holocausto, numa campanha que envolve parceiros como o Congresso Judaico Mundial, a B’nai B’rith International, a Fundação Educacional do Holocausto e a Conferência dos Presidentes das Organizações Judaicas Americanas.

Apesar de, por todo o mundo, financiar projectos como aquele que, em Israel, reúne anualmente 1000 crianças judias e árabes por meio do futebol, para quebrar barreiras entre jovens de culturas diferentes, Roman Abramovich sabe com certeza que muitos nunca lhe atribuirão intenções positivas ou sentimentos puros. A História dos judeus o comprova.