Ahhh no meu tempo é que era!… Felizes anos 80 e 90, onde as crianças brincavam na rua com terra e paus até ao pôr-do-sol e iam para a cama ao som do Vitinho e os adolescentes iam à discoteca de tarde e dançavam slows. Quanto a vós, não sei, mas eu cá presto homenagem aos meus primeiros jeans de marca, às botas Dr. Martens e ao walkman que me deu música em todo o lado. Poderia aqui discorrer sobre as minhas felizes memórias da infância e adolescência e respectivas “marcas de guerra”, dissecar as diferenças para as vivências dos jovens de hoje e perder-me numa saudável nostalgia à velocidade 48 Kb (como é que é possível hoje o recreio da escola não se dividir entre o grupos dos betos, dos punks, dos góticos e dos motoqueiros?) na tentativa vã de sustentar a hipótese de “antigamente é que era bom”. Digo-vos: é inútil. Cada um esgrimirá com orgulho o quão mais espectacular era crescer na geração em que cresceu, fazendo o favor de evocar apenas as diferenças e particularidades e ocultar, por desinteresse óbvio, aquilo que é transversal e comum.

Lembro então um adolescente de 14 anos, o Rodrigo [nome fictício], cuja mãe o levou à minha consulta de psicologia, num desespero semi-contido por este se ter tornado, nas suas palavras, mal comportado, preguiçoso, mentiroso e insolente e que “não tinha sido assim que ela e o pai o tinham educado”. Relata um conjunto de mudanças nos comportamentos do Rodrigo (que se mantém de sorriso no rosto espreitando o telemóvel e abanando os ombros num ou noutro momento enquanto escuta as acusações) que qualifica como inaceitáveis para os seus valores e da família e que a deixaram muito zangada e desiludida com o filho, até então “sempre tão terno e amigo dos pais”, comunicativo e popular, de quem os professores nunca se queixaram ainda que nunca tivesse sido um aluno brilhante “ao contrário da irmã”. Pergunta-me preocupada se este teria problemas, se estariam a fazer tudo bem com o filho, pois não queria que ele “andasse com más companhias e a responder torto aos professores”. Depois de falar com o Rodrigo a sós, com o consentimento da mãe, e verificar que este seria um adolescente saudável sem necessidade de intervenção clínica da minha parte, dedico um bom tempo a conversar com esta mãe sobre estabelecimento de limites, sobre diálogo sem críticas, sobre responsabilização, sobre ajuda à autonomia do seu filho. Escuta-me genuinamente interessada, ainda que relutante à ideia de perder o seu bebé…

A adolescência é talvez a etapa mais desafiante que o ser humano experiencia e onde ocorrem mudanças pessoais intensas e profundas a nível físico, psicológico, social e humano e, apesar da variabilidade inerente, todos os adolescentes são confrontados com as mesmas tarefas de se readaptarem à sua nova imagem corporal, ao despertar da sexualidade e à aquisição de novas formas de pensamento, rumo à emergência do adulto autónomo e independente (leia-se com identidade consolidada, com uma ética pessoal e com um projecto de vida). Mas são tão infinitamente mais as vezes que as mães e os pais se esquecem que, à parte o corpo de adulto do filho ou da filha ali em frente deles, reina o paradoxo de um ser incrivelmente altruísta e fantasticamente egoísta, cujo cérebro ainda não cresceu e amadureceu o suficiente para controlar os impulsos para comportamentos de risco, para gerir os pensamentos sem catastrofismo e as emoções, que cedem no quotidiano (sem querer ou por querer) a manter a dependência, a submissão e a idealização. Adolescentes…pfff! Moem a paciência a um santo! Mas mães e pais de adolescentes: é imperioso o alargamento dos espaços individuais no seio da família sem que isso deteriore o espaço e a coesão do grupo que é a família. Quando sentir que esses equilíbrios são difíceis de se conseguir e manter, pense no quanto deseja que o seu bebé… se torne um adulto saudável, e então respire fundo 20 vezes e transmita os limites e negoceie as fronteiras, promova conversas francas e não inquéritos, confie por defeito e expresse o que sente, permita as diferenças de opinião e interesse-se pelas escolhas individuais, insista na reciprocidade e na intimidade, porque a adolescência não é uma fase, é um processo.

Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicologia da Educação, Psicoterapia e Psicologia Vocacional e do Desenvolvimento da Carreira

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