As propostas feitas por Vladimir Putin para normalizar as relações com a NATO e os Estados Unidos vão muito além do esperado, fazendo lembrar um “programa máximo” para obter alguma cedência ou um plano do Kremlin recuperar a antiga zona de influência da União Soviética.
No documento apresentado a Washington, Moscovo propõe o seguinte:
“- A Rússia e os Estados Unidos não utilizarão o território de terceiros países para invadirem um ao outro;
– As partes comprometem-se não instalar mísseis de médio e curto alcance no estrangeiro e em regiões de onde podem atingir alvos no território da outra parte;
– as partes abstêm-se da presença de navios de guerra e de voos de bombardeiros pesados em regiões de onde possam atingir alvos no território da outra parte;
– Os Estados Unidos comprometem-se a não criar bases militares nos países post-soviéticos, a não utilizar a sua infraestrutura militar e a não desenvolver com eles cooperação militar;
– as partes comprometem-se a não instalar armas nucleares no estrangeiro, devem fazer regressar as já instaladas, bem como liquidar a infraestrutura para instalar armas nucleares fora do seu território;
– as partes comprometem-se a não realizar manobras militares com cenários de emprego de armas nucleares;
– as partes comprometem-se a não preparar países não-nucleares a empregar armas atómicas;
– Os Estados Unidos comprometem-se a excluir o posterior alargamento da NATO para Leste e renunciam à adesão de países post-soviéticos à Aliança”.
Em relação à Aliança Atlântica, o Kremlin tem também numerosas exigências:
“- excluir o posterior alargamento da NATO e a adesão da Ucrânia à Aliança;
– não instalar mais militares e armamentos fora das fronteiras dos países onde eles se encontravam em Maio de 1997 (até à adesão dos países da Europa de Leste à Aliança), excepto em casos excepcionais com o consentimento da Rússia e dos membros da NATO;
– renunciar a toda a actividade militar da NATO na Ucrânia, na Europa Oriental, na Transcaucasia, na Ásia Central;
– não instalação de mísseis de médio e curto alcance em lugares de onde podem atingir o território da outra parte;
– não realizar exercícios militares e outras acções com o número superior a uma brigada na faixa fronteiriça acordada, troca regular de informações sobre manobras militares;
– confirmar que as partes não olham uma para a outra como inimigos, reforçar o acordo de resolver de forma pacífica todos os litígios e abster-se do uso da força;
-garantir a não criação de condições que possam ser avaliadas como ameaça à outra parte;
– criar linhas especiais para contactos urgentes”.”
Afinal o que quer Vladimir Putin com tudo isto?
Algumas das propostas, nomeadamente a negação à Ucrânia, Geórgia e Moldávia de adesão à NATO ou a não instalação de mísseis de curto e médio alcance na Europa, já eram bem conhecidas. Outras propostas estavam apenas na cabeça de alguns dirigentes políticos e ideólogos radicais russos, mas tornaram-se finalmente uma posição oficial pública de Vladimir Putin.
Por exemplo, se os Estados Unidos aceitassem a seguinte proposta: “as partes abstêm-se da presença de navios de guerra e de voos de bombardeiros pesados em regiões de onde possam atingir alvos no território da outra parte”, isso significaria que a Marinha e a Força Aérea norte-americanas deixariam de entrar nos mares que banham a Rússia e países vizinhos. Claro que aqui o principal alvo é o Mar Negro, que permite a entrada de navios e aviões da NATO em portos de países como a Ucrânia e a Geórgia.
Outra das exigências novas é Putin chamar a si o direito de limitar a política de segurança e externa de alguns países da NATO: “– não instalar mais militares e armamentos fora das fronteiras dos países onde eles se encontravam em Maio de 1997 (até à adesão dos países da Europa de Leste à Aliança), excepto em casos excepcionais com o consentimento da Rússia e dos membros da NATO”.
O Kremlin vai ainda mais longe e exige à Aliança Atlântica “renunciar a toda a actividade militar da NATO na Ucrânia, na Europa Oriental, na Transcaucásia, na Ásia Central”. Por outras palavras, Putin tenta recuperar zonas de influência da antiga União Soviética, país que se desintegrou há precisamente 30 anos.
Claro que estas e outras exigências receberam um não quase imediato da NATO e dos Estados Unidos.
Outros pontos dos dois citados documentos fazem lembrar a propaganda soviética sobre a “amizade dos povos”. Por exemplo, “confirmar que as partes não olham uma para a outra como inimigos, reforçar o acordo de resolver de forma pacífica todos os litígios e abster-se do uso da força”.
Mas se isto é um ultimato lançado por Vladimir Putin à NATO, significa que as coisas estão a complicar-se de forma muito séria e o clima de tensão no Leste da Europa continuará a aumentar perigosamente. Gostaria de acreditar que se trata de um programa máximo que pode ser alterado no processo de conversações.
O Kremlin quer respostas urgentes às suas exigências sabendo que Putin colocou demasiadamente alto a fasquia, o que tornará as conversações entre as partes morosas e difíceis. Além disso, ele jamais está disposto a fazer figura de fraco neste confronto.
É evidente que se deve respeitar os interesses da Rússia, dialogar com ela e não repetir o erro de humilhá-la, como aconteceu nos anos de 1990, mas que isso não seja feito em prejuízo de outros países.
O Kremlin anunciou uma nova conversa por videoconferência de Putin com o homólogo norte-americano, Joe Biden, até ao fim do ano, que poderá servir para definir os temas e parâmetros das conversações que se vierem a realizar. A primeira conversa terminou sem resultado, mas espero que o mesmo não se repita na segunda, caso contrário, no centro da Europa poderemos ver a repetição da Crise das Caraíbas de 1962, mas em condições mais perigosas.
P.S. Surpreendeu-me muito a concessão da nacionalidade portuguesa ao oligarca russo de ascendência judaica Roman Abramovich. Os fundamentos dessa concessão, pelo que sabemos, são muito fracos. Não se trata de um simples cidadão, mas de um oligarca com um passado e um presente muito pouco transparente. As autoridades deveriam tirar dúvidas para bem da comunidade judaica portuguesa e de todos nós.