De cada vez que vou ao Brasil e peço dicas aos meus amigos brasileiros, é inevitável receber estes conselhos: não ande de jóias ou relógio caro em público; cuidado quando mexe no telemóvel na rua; se conduzir de noite no Rio ou em São Paulo, não pare nos semáforos; cautela com mulher muito vistosa, pode ser traveca; cautela com traveca muito convincente, pode ser mulher; não leve camiseta do Flamengo para o Maracanã em dia de jogo do Fluminense; o chope geladinho na praia parece que não tem álcool, mas tem; não faça turismo de favela. Tenho seguido estas indicações e nunca me dei mal. Pelo contrário, a dica sobre jóias dá-me uma justificação para tirar a aliança e assim comprovar a validade da dica sobre travecas. Entretanto, a partir desta semana, hei-de começar a receber outro aviso: não use o Twitter, senão vai parar à delegacia.

É que um juiz do Supremo Tribunal do Brasil, Alexandre Moraes, acaba de proibir essa rede social de operar no Brasil, ordenando que os fornecedores de serviços móveis bloqueiem o acesso ao Twitter, e prometendo multas chorudas aos utilizadores que recorram a um VPN (uma espécie de puxada de electricidade, só que de internet e a partir do estrangeiro) para continuar a publicar. Além disso, ameaçou com sanções a Starlink, outra empresa de Elon Musk.

Tudo começou quando, depois da invasão dos Três Poderes em Brasília por apoiantes de Bolsonaro, Moraes pediu ao Twitter para bloquear os perfis de tuiteiros bolsonaristas, incluindo pelo menos um senador, por alegada disseminação de fake news e incitamentos a actos golpistas (ou oposição política, dependendo de quem está a contar a história). O Twitter recusou-se e Moraes ameaçou prender o seu representante no Brasil. Ao que Musk respondeu fechando o escritório do Twitter no país, mas continuando a actividade. Moraes determinou então que Musk nomeasse um representante jurídico, alguém para ser punido, caso contrário fecharia a rede. Musk continua a não obedecer, dizendo estar a defender a liberdade de expressão. E aqui estamos.

Quem tem razão? Difícil de dizer. Por um lado, a defesa da liberdade de expressão tresanda a sonsice, porque o Twitter, já com Musk como dono, aceitou indicações de países como a Turquia ou a Índia para censurar contas de oposicionistas desses regimes. Por outro, juízes censores são sempre sinistros, mesmo um que fale com o jeitinho simpático dos cariocas. É fácil imaginar o juiz Moraes em Copacabana, de sunga e havaianas, na roda de samba com uma galera legal. Só que, com a sua pulsão de apagar, estará a cantar “Aguarrás do Brasil”. Também é estranho o apoio à censura de opiniões de que não se gosta por parte de pessoas que, supostamente, são a favor da liberdade de expressão. A desconfiança em relação a milionários donos de redes sociais é um bom princípio, se nos esquecermos que ainda há duas semanas Mark Zuckerberg confessou ter acatado indicações da Administração Biden e do FBI para censurar publicações incómodas sobre o Covid e sobre o caso do computador do filho de Joe Biden, que poderia ter tido impacto nas eleições de 2020. O silêncio de quem costuma cascar em milionários, só porque este milionário pratica a censura correcta, é bizarro. A não ser, claro, que os tuítes a denunciarem a intromissão de Biden nas redes sociais não se vejam nessas contas por também terem sido retirados do ar por ordem do governo americano.

Para decidir de que lado estou, terei de procurar informação de fontes diversas e só depois chegar a uma conclusão. É por isso que me dá mais jeito um Twitter em que vários tipos de pessoas dá a sua opinião do que um Twitter em que só publicam as pessoas previamente aprovadas por um juiz. Ou pelo FBI. Ou por Putin. Ou pelo @AmílcarBastus23.

Resta-me desejar boa sorte a Alexandre Moraes. Como pai de adolescentes, percebo bem o desejo de  controlar o acesso à Internet, mas devo avisar que é uma quimera. Tenho uma app com que fiscalizo o tempo que os meus filhos passam online, os sites onde podem navegar e o tipo de conteúdos a que podem aceder. O meu objectivo é protegê-los, impedindo que contactem com informação danosa. Mesmo assim, isso não impediu que, com um smartphone antigo e wifi gamado ao vizinho, os sacaninhas tenham descoberto facilmente a página de Instagram onde estão as minhas fotos com travecas brasileiros.

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