Jordan Peterson vem a Portugal. As datas escolhidas têm um simbolismo especial para a nação portuguesa (24 de Abril em Lisboa e 25 de Abril no Porto), pelo que, quase cinquenta anos após a revolução dos cravos, é irresistível retirar do pensamento de Jordan Peterson algo que seja útil para analisar a sociedade em geral e a portuguesa em particular.

Jordan Peterson é uma figura que dispensa grandes apresentações. Qualquer busca sumária na internet resumirá (pela rama, é certo) o seu pensamento e sobretudo as polémicas em que se viu envolvido. No meu caso particular, trata-se de um dos intelectuais cujo pensamento mais admiro. Por essa razão, parece-me justo, embora arriscado, pescar algo arbitrariamente no pensamento de Peterson como mote de um artigo leve.

O 12 rules for Life é uma espécie de versão condensada, a meu ver melhorada, do antecessor Maps of Meaning (um calhamaço denso e por vezes palavroso). O essencial, isto é, as ideias e reflexões, que já vinham de trás, precisavam de um formato apelativo, que foi muito bem conseguido no 12 Rules, tanto assim que o autor ascendeu ao estatuto de estrela POP com o sucesso desse livro e das suas conferências. Venerado por uns, odiado por outros, pelo lado que me toca é alguém que gosto de ouvir, de ler e de reler.

É muito difícil hierarquizar por ordem de importância as 12 rules, assim como as que aí estão no novo livro que foi, entretanto, lançado: Beyond Order – 12 more rules for life (e que ainda não li). Talvez o “Põe a tua casa em ordem antes de criticares o mundo” simbolize a crise dos indivíduos de uma geração (a geração da Greta Thunberg e das greves climáticas), mas também da eternamente infantil nação portuguesa, quase 50 anos passados sobre a queda da ditadura do Estado Novo: uma nação de toxicodependentes do poder do estado; anestesiada, para não dizer vergonhosamente comprada, por esses poderes.

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Um dos axiomas da ação humana é o facto de preferirmos mais riqueza do que menos; outro axioma é preferirmos ter hoje em vez de amanhã. O primeiro axioma alimenta o progresso material; o segundo axioma é a raiz da noção de juro. Indivíduos mais resolvidos (chamemos assim) tendem a ser equilibrados nos seus gastos, sacrificando muitas vezes o presente em nome de um futuro melhor (ou de um futuro sem sobressaltos). Tal não acontece com os animais, pelo menos com a complexidade da ação humana, nem sequer nas crianças de colo. Ao contrário dos adultos, as crianças muito pequenas valorizam sobretudo o momento. A alegria é o único fio condutor para a felicidade, ali naquele instante. Já os adultos não se comportam só dessa forma. A felicidade não é só um instante, mas sim algo em que, para além da alegria e fruição de prazer, deverá estar contida a busca pelo significado das coisas: qual a nossa natureza; para onde queremos ir; o que há acima de nós?

Esta reflexão, se for séria, remete para uma espécie de choque interior que não é compatível com expedientes do tipo carpe diem. Neste contexto, é inevitável falar de Deus e do seu papel na busca de significado imanente à existência humana. Mas de que Deus estaremos a falar? Do Deus Cristão do livre-arbítrio, da distinção do bem e do mal, que separa as pessoas das coisas e dos animais, porque são categorias diferentes com naturezas diferentes, desse Deus Cristão que apela à busca interior em nome de um alvo exterior (eu, o próximo, Deus)?

Ou será, por sua vez, o Deus panteísta, do budismo e de outras correntes, que assenta no destino, que não distingue claramente o bem do mal, que agrega pessoas, natureza e animais num todo único, holístico?

Claro que o ocidental e ateu convicto poderá ler isto e dizer: “mas eu não preciso da figura do Deus Cristão para defender o livre arbítrio, distinguir o bem do mal, ou separar as coisas das pessoas.” Talvez seja assim (quero acreditar que sim), mas, no entanto, se há muitos que assim pensam, muitos outros haverá que saltaram do fascínio do existencialismo e da sua vingança para com o impiedoso Deus Cristão diretamente para experiências esotéricas ao estilo panteísta, em nome de um relativismo e de um “eu interior”, que não passam de subterfúgios fraudulentos, frequentemente hipócritas, pintados a cores bonitas pela bonomia do ascetismo e inevitavelmente desligados da natureza do ser humano: um indivíduo único, distinto de todos e em particular da natureza que o rodeia, um ser social e obviamente distinto de Deus.

A questão de Deus é transversal à obra de Jordan Peterson, embora não seja preciso ter Fé em Deus para compreender a sua importância no contexto da obra. O próprio Peterson revela algum desconforto sobre o tema da Fé, ultrapassando este ponto sensível com originalidade. À pergunta inevitável “Acredita em Deus?”, Peterson respondeu: “Ajo como se Ele existisse”.

Nos eventos espectáculo atrás descritos, Jordan Peterson responderá a perguntas colocadas pelo público. Seria interessante perguntar-lhe se o seu “I Act as If God Exists” se aplica igualmente ao Deus Cristão e ao Deus Panteísta, ou se, pelo contrário, vê diferenças irreconciliáveis na cosmovisão destas duas correntes religiosas.

Eu vejo.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.