Um estudo português recente identificou atrasos no desenvolvimento da linguagem em bebés nascidos durante a pandemia. Quando comparadas as competências de linguagem (por exemplo, dizer palavras ou articular sons correctamente) dos “bebés da pandemia” com os de bebés nascidos anteriormente, identificaram-se dificuldades maiores naqueles que nasceram em contexto pandémico. O (ab)uso das máscaras faciais ajudará a explicar parte do fenómeno, uma vez que estas, ao taparem a boca, impossibilitam que os bebés vejam os movimentos dos lábios e os associem aos sons. Contudo, os factores mais significativos para estes atrasos nos “bebés da pandemia” estão relacionados com menor socialização, menor interacção e menor contacto com outros bebés. Simplificando: o isolamento social e o encerramento de creches ou jardins de infância tiveram consequências mensuráveis no desenvolvimento destes bebés.

Num país onde o impacto da pandemia no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças é tratado com leviandade, talvez seja oportuno lembrar o seguinte: as dificuldades de linguagem não ultrapassadas nestas idades mais jovens podem permanecer ao longo de vários anos, elevando riscos de insucesso escolar ou de problemas na idade adulta (saúde ou económicos). E se as conclusões deste estudo não surpreendem, pois coincidem com as de outros estudos internacionais, é mais do que oportuno resgatar o tema para o debate público. Afinal, o que vai o governo fazer quanto a isto?

Por enquanto, nada. E há muito que pode ser feito. A investigadora Sónia Frota, responsável pelo estudo e pela investigação por detrás destas conclusões, propõe um rastreio nacional, que diz ser de rápida execução, que permitiria diagnosticar as situações que justificam intervenções mais direccionadas. Só dá para se ser a favor: a ideia de monitorizar e acompanhar a evolução destas crianças, de modo a poder identificar necessidades no desenvolvimento da linguagem e preparar intervenções adequadas, é excelente e merecedora de apoio político transversal.

A ideia ser boa não significa que esteja próxima de ser implementada. Nesta fase, creio que já ninguém terá ilusões: depois do muito mal gerido programa de recuperação da aprendizagem, só uma intervenção divina faria o governo olhar para este assunto com a justificada profundidade. Mas, se o governo não o fizer, compete à oposição apontar o dedo e propor. Há temas em que vale sempre a pena insistir. Aliás, sendo este um tema esquecido e acerca do qual o debate público em Portugal está em silêncio (ao contrário de outros países, tais como o Reino Unido, onde o tema está vivo), já seria um notável avanço que os partidos políticos reconhecessem o problema e o tentassem resolver, com esta ou outras soluções. E não faltam opções – a começar, desde logo, com a sensibilização das famílias.

Os confinamentos podem ter acabado, mas continuam a somar consequências silenciosas. E com um preço elevado que pagaremos ao longo de muitos anos, sobretudo se não soubermos enfrentar atempadamente esses desafios. Que não se falhe com os “bebés da pandemia”, tal como se tem falhado com adultos e crianças. E, com o aproximar do Outono e do Inverno, que ninguém caia na ratoeira de aceitar medidas de isolamento social à boleia de uma nova variante da covid-19.

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